Ovsanna T. Leyfer
Susan E. Folstein
Susan Bacalman
Naomi O. Davis
Elena Dinh
Jubel Morgan
Helen Tager-Flusberg
Janet E. Lainhart
Resumo e Comentário por Dra. Leticia Calmon Drummond de Amorim e Rebeca Costa e Silva
É sabido que muitas características particulares dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) são associadas com reações emocionais e comportamentos problemáticos. O que ainda está sendo decifrado é a que extensão outras dificuldades ocorrem devido à presença de transtornos psiquiátricos comórbidos[1](TPC).
O diagnóstico desses possíveis transtornos juntamente com sua precisão é muito importante. Eles podem causar comprometimentos adicionais e significativos além daqueles característicos dos TGD. O reconhecimento do fato de que certos comportamentos possivelmente são devidos à presença de um transtorno psiquiátrico comórbido é necessário para que uma intervenção ou tratamento adequado possa ocorrer. Sabe-se no ambiente clínico que intervenções mais específicas são mais eficazes do que as não específicas. Pensando em saúde pública, o diagnóstico de transtornos comórbidos no autismo é uma consideração notável no planejamento da provisão de serviços. Possíveis benefícios em pesquisa [dentre muitos] seria fazer subgrupos de indivíduos com os mesmos transtornos comórbidos e, ao fazer isso, ajudar na identificação de genes que aumentam o risco de autismo.
Por que as taxas de comorbidade psiquiátrica no autismo são desconhecidas?
Por que a comorbidade é frequentemente desconhecida clinicamente?
Por que o conhecimento acerca de comorbidade ainda não é útil na pesquisa neurobiológica do autismo?
Existem muitos motivos bons para esses “porquês”. TPC em indivíduos com autismo de todas as idades são bem difíceis e complicadas para diagnosticar. Primeiro, é que a comunicação dessa população faz com que seja extremamente difícil, se possível em muitos casos, fazer uma entrevista clínica precisa e minimamente decente frente ao comprometimento na comunicação (mesmo sendo) em diferentes níveis (aproximadamente metade dos indivíduos com autismo não são verbais e há também aqueles que são verbais, mas apresentam outros tipos de comprometimentos).
Além de comprometimento na comunicação, indivíduos com autismo têm comprometimentos na Teoria da Mente, processamento de informação complexa, coerência central e função executiva. Esses comprometimentos fazem com que seja difícil para pessoas com autismo descreverem seus estados mentais, suas experiências mentais e até experiências cotidianas.
Portanto, pode ser desafiador determinar se as dificuldades da criança são devidas aos efeitos das características nucleares do autismo, experiências de vida ou um transtorno psiquiátrico comórbido sobreposto no autismo.
Instrumentos[2] como o Child Behavior Checklist que foram desenvolvidos para a população geral vêm sendo usados para mensurar comportamentos problemáticos e aspectos de comorbidade em indivíduos com transtornos do desenvolvimento, incluindo o autismo.
Esse instrumento, juntamente com outros que se assemelham em sua finalidade (segundo o conhecimento dos autores), ainda não foram testados para fidedignidade e validade em autismo e a maioria de outros transtornos do desenvolvimento.
Por outro lado, alguns instrumentos foram especificamente elaborados para serem usados em indivíduos com TGD e contribuem para o rastreamento de comorbidade em autismo. Tais como:
- Aberrant Behavior Checklist [Questionário de Comportamentos Aberrantes];
- Developmental Behavior Checklist [Questionário de Comportamentos de Desenvolvimento];
- Behavior Problems Inventory [Inventário de Comportamentos Problema];
- Anxiety, Depression and Mood Scale [Escala de Ansiedade, Depressão e Humor];
[Para adultos com comprometimentos cognitivos]
- Psychiatric Assessment Schedule for Adults with Developmental Disabilities [Avaliação Psiquiátrica de Rotina para Adultos com Transtornos do Desenvolvimento];
- Psychopathology Instrument for Mentally Retarded Adults [Instrumento de Psicopatologia para Adultos com Retardo Mental];
- Diagnostic Assessment for the Severely Handicapped [Avaliação Diagnóstica para Pessoas Gravemente Comprometidas].
Muitos dos instrumentos acima foram elaborados com a finalidade de rastreamento. No entanto, muitos não utilizaram indivíduos com autismo como sua amostra principal e alguns podem até ter os excluído devido a características que são inerentes ao autismo.
Apesar disso, existem muitos estudos que examinaram comorbidade em TGD. Eles usaram diversos critérios, motivos para encaminhamento e faixas etárias.
Alguns estudos só puderam incluir sujeitos que tinham sido encaminhados para tratamento psiquiátrico. Muitos dos estudos usaram questionários que só indagaram acerca de sintomas correntes. Nenhum dos estudos utilizou um instrumento que fora modificado ou elaborado especificamente para a população de indivíduos com autismo.
Consequentemente, frente à variedade de critérios e tudo o mais, taxas/incidência de transtornos comórbidos em autismo também variam significativamente. Mesmo assim, relatam-se de modo geral índices altos de transtornos comórbidos em indivíduos com autismo.
Um aspecto importante que afeta a validade de tais instrumentos é o fato de que ainda não há uma ferramenta diagnóstica com “padrão ouro” (do inglês: golden standard). Ou seja, não há um instrumento válido e fidedigno, em outras palavras, com “critério de ouro” para diagnosticar psicopatologias atuais e aquelas que perduram ao longo da vida em crianças com autismo ou outros transtornos do desenvolvimento.
O objetivo deste estudo é o desenvolvimento de um instrumento preciso e fidedigno, “uma ferramenta diagnóstica com critério de ouro”, para diagnosticar psicopatologias comórbidas em crianças com autismo. Serão abordadas duas instâncias:
- Desenvolvimento e aplicação da entrevista e avaliação inicial de sua fidedignidade e validade e
- Uso do instrumento para mensurar taxas vitalícias de transtornos psiquiátricos em autismo e examinar padrões de comorbidade.
O instrumento em questão é uma versão modificada do Kiddie Schedule For Affective Disorders and Schizophrenia-KSADS (Roteiro Infantil para Transtornos Afetivos e Esquizofrenia) para o autismo, em que foi denominado Autism Comorbidity Interview-Present and Lifetime version (ACI-PL). Ele foi desenvolvido e aplicado de modo colaborativo em duas amostras: uma de Boston, EUA e outra de Salt Lake City, EUA. As crianças na amostra de Boston eram participantes de outro trabalho, um estudo longitudinal de funcionamento social e da linguagem. Todas as crianças de Boston apresentavam algum tipo de linguagem verbal/falada. As mesmas foram recrutadas de fontes comunitárias como escolas e grupos de apoio de pais. As crianças de Salt Lake City eram participantes de um estudo de neuroimagem em meninos com autismo que tinham QI de desempenho maior de 65. Os sujeitos de Salt Lake City foram recrutados de fontes comunitárias por anúncios em boletins informativos na sociedade de autismo e em conferências de pais. Consequentemente, todas as crianças com autismo das duas amostras que atingiram os critérios para participação foram recrutadas, não selecionadas por transtornos psiquiátricos comórbidos e avaliadas com o ACI-PL. Informações não estavam disponíveis de famílias que não se voluntariaram para participar nos estudos.
A amostra total consistiu de 109 crianças (65 de Boston e 45 de Salt Lake City), tinham entre 5-17 anos de idade (média das idades foi de 9 anos), todas pelas quais se enquadraram no critério de autismo pelo Autismo Diagnostic Observation Schedule e o DSM-IV.
Diversas modificações foram feitas para tornar o KSADS mais apropriado para o uso em autismo.
Seção Introdutória
Transtornos Psiquiátricos Específicos
No início de cada sessão para cada transtorno psiquiátrico há uma introdução que descreve como aquele determinado transtorno tende a se manifestar no autismo.
Depois há uma parte para rastreamento onde questões são feitas para saber quais sintomas ou aspectos do transtorno em questão que a criança com autismo mais manifesta e/ou é de maior preocupação dos pais.
Exemplo: De acordo com o DSM-IV, os aspectos mais essenciais em depressão maior são as alterações no humor e perda de interesse, já em indivíduos com autismo os sintomas apresentados mais comuns são agitação aumentada, autoagressão e explosões temperamentais.
Quando ou se as respostas para perguntas de rastreamento forem positivas, perguntar-se-ia sobre a aplicabilidade do sinal ou sintoma em questão.
Ex: Antes de indagar sobre a presença de sentimentos de culpa e inutilidade [que são sintomas de depressão de acordo com DSM-IV], indagar-se-ia para saber se a criança em algum momento de sua vida demonstrou alguma compreensão do que era culpa e/ou inutilidade.
Modificação de Critérios para Sintomas
No caso de transtornos que sejam episódicos ou tendem a emergir ao longo da infância, se faz necessário atentar para que seja considerado sinal ou sintoma de um transtorno psiquiátrico que os mesmos se diferem quanti- e qualitativamente da linha de base da criança.
Ex: Para fobia social, precisa-se assegurar que o comportamento da criança esteja relacionado ao componente social da situação, para esse caso o distanciamento da criança não deve ser em função de desinteresse.
Especificação de Comprometimento devido a um Transtorno Psiquiátrico Comórbido
O instrumento ACI-PL faz distinção de comprometimentos em função de transtorno psiquiátrico comórbido daqueles comprometimentos que são devidos aos sintomas nucleares do autismo. Consideram-se comprometedores os transtornos que estão associados a um comprometimento além daqueles comprometimentos considerados na linha de base da criança.
Modificação de Critérios para Diagnóstico
Diferentemente do DSM-IV[4], o ACI-PL faz o diagnóstico de outros transtornos em pessoas com autismo e TGD.
Critérios para Diagnóstico Subsindrômico
Os critérios para diagnóstico do DSM-IV podem identificar a ‘ponta do iceberg’ de transtornos psiquiátricos em indivíduos com comprometimentos no desenvolvimento. Alguns sinais e sintomas que contribuem para um diagnóstico de DSM-IV não podem ser avaliados em crianças com autismo em função de limitações na linguagem ou outros comprometimentos cognitivos e do desenvolvimento. Sendo assim, foi elaborado critérios para transtornos subsindrômicos. Transtornos subsindrômicos são diagnosticados quando uma criança tem uma síndrome psiquiátrica significativamente comprometedora que pouco não atinge os critérios completos do DSM-IV.
Em suma, este estudo apresenta uma nova entrevista, Autism Comorbidity Interview—ACI [Entrevista de Comorbidade em Autismo], modelada a partir do K-SADS, que foi elaborada para diagnosticar sistematicamente transtornos psiquiátricos em indivíduos com autismo. Essa entrevista utilizou os pais como informantes e entrevistadores com ampla experiência clínica.
Comorbidade Psiquiátrica em Crianças com Autismo
O presente estudo confirma a frequência de co-ocorrência de autismo com outros transtornos psiquiátricos. Setenta e um por cento das crianças no estudo tinham ao menos um transtorno psiquiátrico [de acordo com o DSM-IV] além do autismo. Além disso, o estudo demonstra que é possível que crianças com autismo comumente atinjam o critério não somente para um, mas para vários transtornos psiquiátricos comórbidos.
Não se sabe o porquê das altas taxas de transtornos comórbidos no autismo, mas com um diagnóstico preciso seria possível fazer um estudo sistemático da relação entre componentes nucleares do autismo, associados e variáveis de risco genética, cognitiva e ambiental.
Transtornos de Humor em Crianças com Autismo
Transtorno Depressivo Maior
Dez por cento das crianças se enquadraram nos critérios completos do DSM-IV e 14% quase atingiram a totalidade de tais critérios.
Transtorno Bipolar
Neste estudo foi observado baixas taxas em relação a este transtorno, no entanto, há certa variação na literatura científica. Mania, hipomania e transtorno bipolar são difíceis de serem diagnosticados no contexto do autismo. Na linha de base, algumas crianças com autismo frequentemente riem em situações que não são engraçadas para a maioria das pessoas. Além disso, as emoções de crianças com autismo tendem a ser reativas, com modulação pobre e flutuam de minuto para minuto em relação ao que está ocorrendo em seu ambiente; essas tendências de emoção ainda não foram estudadas sistematicamente.
Transtornos de Ansiedade em Crianças com Autismo
Acredita-se que diversos tipos de ansiedade sejam tão comuns no autismo que sintomas de transtornos de ansiedade já foram considerados por alguns clínicos e pesquisadores como se fossem aspectos do autismo, ao invés de características comórbidas. No entanto, ansiedade comprometedora não é um aspecto determinante de autismo ou um fenômeno universal do mesmo.
Transtorno de Fobia Específica
Foi observado que Fobia Específica foi o transtorno do DSM-IV mais comum em crianças com autismo. Foi observado em 44% das crianças. Mais de 10% das crianças tinham fobia de sons altos, o que não é comum em crianças típicas. Todavia, é necessário analisar a possível influência de sensibilidade anormal em algumas crianças com autismo.
Transtorno de Ansiedade de Separação
Doze por cento das crianças com autismo na presente amostra atingiram os critérios de sintomas para tal diagnóstico. Essa taxa assemelha-se a de outros estudos.
Fobia Social
Embora crianças com autismo se sintam incomodadas com aspectos não sociais de situações sociais, como barulho, elas têm baixas taxas de ansiedade comprometedora devido aos aspectos sociais da situação social. Na presente amostra, a prevalência foi de 7,4% e é menor do que já fora observado em outras amostras.
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
Observou-se que os critérios do DSM-IV para TAG não apreendem os aspectos essenciais da ansiedade encontradas nas crianças com autismo. Tais como: manifestações de ansiedade, os contextos em que a ansiedade ocorria e os ambientes precipitados de ansiedade. Das 109 crianças da amostra, a seção do TAG da entrevista foi realizada com apenas 41, e dessas apenas uma apresentou os critérios de diagnóstico segundo o DSM-IV. Algumas crianças apresentaram ansiedade acerca de diversas coisas, mas normalmente não variava ao longo do tempo, aparentando estar mais relacionado a traços do que estados. Os dados deste estudo sugerem que o traço de ansiedade seja comum no autismo.
Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)
Nesta amostra, 37% das crianças atingiram os critérios do DSM-IV para TOC. Os critérios subjetivos foram adaptados para crianças com comprometimentos no desenvolvimento para fazer o diagnóstico baseado em sinais e sintomas que pudessem ser observados por outras pessoas.
Transtornos Disruptivos em Crianças com Autismo
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
Cinquenta e cinco por cento das crianças com autismo nesta amostra tinham TDAH significativamente comprometedor e outras 24% quase atingiram os critérios para o diagnóstico do mesmo. Dois terços das crianças que receberam de fato o diagnóstico apresentavam o tipo desatento e 23% o tipo combinado. Aquelas que quase obtiveram diagnósticos apresentavam bastante atenção a suas atividades preferidas, mas atenção comprometida em outras situações. Os dados deste estudo e de outros sugerem que síndromes de TDAH são comuns, mas não são fenômenos universais no autismo.
Transtorno Opositivo Desafiador (TOD)
Embora crianças com autismo frequentemente tenham dificuldades em seguir orientações, serem cooperativas e fazer outras coisas do jeito de outras pessoas, a frequência de TOD segundo o DSM-IV não foi alta. Somente 7% das crianças tiveram diagnóstico do mesmo. Observou-se que muitas crianças com autismo sequer compreendem os conceitos de maldade, vingança e intencionalidade [inclusive irritar outras pessoas deliberadamente e culpar outras pessoas por seu comportamento e erros].
Outros Transtornos em Crianças com Autismo
Nenhuma das crianças foi diagnosticada com esquizofrenia ou transtorno psicótico ou de pânico. O ACI pode ter falhado em detectar esses transtornos. Além disso, a amostra é pequena, e assim como na população geral, dentre crianças com autismo a prevalência desses transtornos é baixa.
A fidedignidade e validade do ACI foram determinadas somente para três diagnósticos do DSM-IV e somente em crianças com autismo com alto desempenho. Uma amostra epidemiológica não fora utilizada. Maior avaliação de validade e fidedignidade se faz necessária acerca dos transtornos do DSM-IV em diversas idades, QIs e habilidades verbais nos espectros encontrados no autismo e transtornos subsindrômicos.
Outras limitações do estudo são de que:
- Somente coleta dados acerca das crianças a partir dos pais;
- Não inclui informação obtida diretamente da criança ou de um professor;
- A maioria dos participantes da amostra era do gênero masculino, com habilidades verbais e com alto desempenho;
- Os pais de mais da metade das crianças não completaram a seção de GAD na entrevista e
- Uma amostra epidemiológica maior se faz necessária para avaliar a prevalência dos transtornos psiquiátricos comórbidos na população de indivíduos com autismo.
Por fim, espera-se que os dados preliminares, bem como o uso do instrumento, sirvam para propiciar maiores avanços nas investigações de transtornos psiquiátricos comórbidos em pessoas com autismo. Embora ainda não haja tratamento específico para autismo, existem tratamentos para muitos dos transtornos psiquiátricos comórbidos que ocorrem em crianças com autismo.
Uma observação muito importante sobre os resumos e comentários de artigos que foram e são realizados e disponibilizados no portal da AMA é de que todo o conteúdo dos mesmos ou as ideias provêm do artigo em questão, salvo quando houver indicação(ões) de outro material; e que também, quando cabível, os autores do resumo e comentário acrescentam perspectivas e reflexões com base nos dados, conceitos, dentre outros, proposto pelo(s) autor(es) dos artigos. Por fim, quando há uma tradução de uma expressão, fala ou ideia dos últimos, esses trechos são colocados em itálico.
[1] “(adj.) a existência simultânea com e normalmente independentemente de outra condição médica” [no caso psiquiátrica] Disponível em: http://www.merriam-webster.com/medical/comorbid Acessado às 11hrs11min de 11/02/2010.
Fonte: Construir e Incluir
Importante saber que a medicina está empenhada em descobrir como tratar (mesmo sem curar) o TEA. Meu netinho de oito anos foi diagnosticado aos quatro com nível leve. Devido a isso, não conseguimos que ele tenha acesso ao Caps porque alega-se que as (poucas) vagas que têm são para os casos muito graves.