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Atualizado em 10/08/2024

Brincadeira na Escola: Perda de Tempo ou Preciosa Ajuda?

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Crianças Brincando

A finalidade deste artigo é demonstrar que o ato de brincar é de grande valor na construção do conhecimento, por permitir que a criança explore seu mundo interior e descubra os elementos externos em si, exercite a socialização e adquira qualidades fundamentais para seu desenvolvimento físico e mental. Quer proporcionar a reflexão sobre a necessidade dos educadores tirarem o máximo de proveito do potencial educativo das brincadeiras, tornando o processo educativo natural e agradável.

PALAVRAS-CHAVE: Brincadeira, Educação, Construção, Socialização, Aprendizagem.

Crianças Brincando
Crianças brincando

Introdução

Para se ter uma ideia da importância do ato de brincar na construção do conhecimento, é preciso que se observe uma criança brincando. É possível aprender muito desta observação. Se formos atentos e sensíveis, veremos os caminhos que ela trilha ao aprender, sem a intervenção direta do adulto. Brincando, a criança aprende a lidar com o mundo e forma sua personalidade, recria situações do cotidiano e experimenta sentimentos básicos.

Hoje, estamos numa sociedade de produção e isto tem levado as instituições educacionais a desenvolverem um modelo de educação massificante, onde a atividade lúdica, espontânea, tem espaço tão limitado que não surte efeito. Crianças transformadas em miniaturas de adultos, reduzidas a seguir uma rotina eficaz para os adultos, mas sem sentido para elas, estão sendo privadas de um de seus direitos básicos.

A escola deveria aproveitar mais o potencial educativo próprio da brincadeira, que é também ótima para proporcionar a abertura necessária para o educador conhecer a personalidade das crianças, suas dúvidas e seus conhecimentos prévios. Para saber mais sobre a importância dos jogos na educação infantil, veja este artigo.

Objetivo

Demonstrar que o ato de brincar proporciona a construção do conhecimento de forma natural e agradável; é um grande agente de socialização; cria e desenvolve a autonomia.

Desenvolvimento

Quando a criança brinca (e o adulto não atrapalha), muitas coisas sérias acontecem. Quando ela mergulha em sua atividade lúdica, organiza-se todo o seu ser em função da sua ação. O interesse provoca o fenômeno, reúnem-se potencialidades num exercício mágico e prazeroso. E quanto mais a criança mergulha, mais estará exercitando sua capacidade de concentrar a atenção, descobrir, criar e, especialmente, permanecer em atividade… É a aprendizagem pelo sentir, e não para obter determinado resultado ou para possuir alguma coisa. A criança estará aprendendo a engajar-se seriamente, gratuitamente, pela atividade em si. Estão sendo cultivadas aí, qualidades raras e fundamentais. Sem brincar, ela não vive a infância.

As palavras de D. W. Winnicott deixam clara as ideias que quero propor:

"É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação".

A brincadeira, como atividade dominante na infância, tendo em vista as condições concretas da vida da criança e o lugar que ela ocupa na sociedade, é, primordialmente, a forma pela qual esta começa a aprender. Secundariamente, é onde tem início a formação de seus processos de imaginação ativa, e por último, onde ela se apropria das funções sociais e das normas de comportamento que correspondem a certas pessoas.

Para Vigotsky, a aprendizagem configura-se no desenvolvimento das funções superiores através da apropriação e internalização de signos e instrumentos em um contexto de interação. A aprendizagem humana pressupõe uma natureza social específica e um processo mediante o qual as crianças acedem à vida intelectual daqueles que as rodeiam. É por isso que, para ele, a brincadeira cria na criança uma nova forma de desejos. Ensina-se a desejar, relacionando os seus desejos a um “eu” fictício, ao seu papel na brincadeira e suas regras. Dessa maneira, as maiores aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.

Portanto, a brincadeira é uma situação privilegiada de aprendizagem infantil onde o desenvolvimento pode alcançar níveis mais complexos, exatamente pela possibilidade de interação entre os pares em uma situação imaginária e pela negociação de regras de convivência e de conteúdos temáticos.

Ao definir papéis a serem representados, aferindo significados diferentes aos objetos para uso no brinquedo e no processo de administração do tempo e do espaço em que vão definindo os diferentes temas dos jogos, as crianças têm a possibilidade de levantar hipóteses, resolver problemas e ir acedendo, a partir de sistemas de representação, ao mundo mais amplo ao qual não teriam acesso no seu cotidiano infantil.

A brincadeira é a estrada que a criança percorre para chegar ao coração das coisas, para desvelar os segredos que lhe esconde um olhar surpreso ou acolhedor, para desfazer temores, para explorar o desconhecido. É através do brinquedo que ela consegue pegar o mistério na mão, sem queimar o coração, sem enredar-se em dúvidas insolúveis e massacrantes. Autoridade, poder de dar ordens e exigir obediência, morte, escuridão, fogo, incêndio, briga e agressividade, solidão, tristeza, alegria… mistérios que precisam ser desvelados.

Brincando, as crianças recriam o mundo, refazem os fatos, não para mudá-los simplesmente ou para contestá-los, mas para adequá-los aos filtros da compreensão. E há dois tipos de filtros: o cognitivo e o afetivo.

Algo pode caber ao cognitivo, mas não no afetivo. O brinquedo e o jogo facilitam o trânsito do cognitivo para o afetivo.

Do ponto de vista psicanalítico, Freud e Lacan consideram o brinquedo um instrumento não verbal valioso, um fazer efeito da estruturação significante do sujeito, um recurso importante, de que se valem as crianças para lidar com o mundo fantasmático. Winnicott diz que a brincadeira tem um lugar, um tempo e uma função muito importante: preparar a criança para um relacionamento social, e que é pelo jogo que a criança recebe e se compromete com o sistema linguístico exterior a ele. Melanie Klein, para quem a criança é um sujeito em análise, o brincar é uma atividade mediadora para abordar o inconsciente. Daí a necessidade do adulto, especialmente o educador, se esforçar em compreender essa linguagem.

O “jogo do faz-de-conta”, brincadeira na qual a criança cria um enredo fantasioso e se coloca nele, é a mais rica e constante brincadeira da infância. Através dele, a criança trabalha sua angústia frente ao desconhecido, pratica o autoconhecimento, descobrindo quem é e o que deseja ser, exercita sua capacidade de decisão e experimenta sentimentos como o amor, o medo, o ódio e o desapontamento, entre outros. Essa estruturação emocional proporcionada também através do ato de brincar é essencial para que a aprendizagem formal aconteça.

Piaget reconhece a necessidade de equilíbrio emocional para que a capacidade intelectual seja plenamente exercida, pois, segundo ele, o desenvolvimento afetivo inclui sentimentos, tendências, valores, emoções, desejos, interesses e motivação, sendo os três últimos essenciais para o desenvolvimento intelectual. De acordo com Piaget:

"As crianças só são livres quando brincam entre si dentro de suas faixas etárias: é nesta ocasião que, verdadeiramente, criam e desenvolvem sua autonomia. O melhor brinquedo didático para uma criança é outra criança da mesma faixa de desenvolvimento".

Segundo Vygotsky, o brinquedo fornece a estrutura básica para as mudanças das necessidades da consciência. O desenvolvimento da criança é determinado pela ação na esfera imaginativa, pela criação de intenções voluntárias, pela formação de planos da vida real e pelas motivações. Do ponto de vista psicológico, pode-se observar que as crianças que não têm oportunidade de brincar não conseguem conquistar o domínio sobre o mundo exterior. O brincar assume, pois, duas facetas: a de passado, através da resolução simbólica de problemas não resolvidos; e a de futuro, na forma de preparação para a vida.

Embora no “jogo de faz-de-conta” a criança pareça fazer só o que gosta, ela na verdade se sujeita às circunstâncias que ela determina, aprendendo assim a se subordinar às regras. Por exemplo: a menina escolhe ser a “mãe” numa brincadeira de casinha, apega-se às atividades restritas aos seus papéis, ela só mudará de atitude se trocar o papel e concordar em não ser mais a “mãe”.

O brincar ainda funciona como agente de socialização. Não só quando em grupo, mas também sozinha, a criança aprende, brincando, as regras de convivência. Há jogos que pressupõem atividades associativas, cooperativas ou competitivas; outros exercitam a linguagem e a capacidade de expressar-se eficazmente, seguir regras, exercer paciência para esperar sua vez, compartilhar, experimentar a vitória e a derrota, definir-se ou não como líder.

Muitos confundem brincadeiras com “jogos didáticos”. Estes últimos, usados nas escolas para servir de auxiliares na aprendizagem de determinados conteúdos, ou para promover a memorização de uma sequência de dados (um exemplo é o baralho de fatos fundamentais, usado por muitos professores), não podem ser considerados um brinquedo, apenas simulam um, pois não são espontâneos, nem usam o faz-de-conta. No jogo didático, o adulto cria as regras, comanda a atividade e define o objetivo; seu valor como instrumento de aprendizagem é indiscutível, as crianças realmente podem aprender com ele, mas não substitui a brincadeira, e confundir essas duas coisas pode fazer o professor pensar que usa o brinquedo em sala de aula quando não faz mais do que apresentar jogos didáticos.

A brincadeira é organizada pela própria criança de forma espontânea e autônoma. A participação do adulto é mínima; ele jamais interfere no papel que o aluno assume, na linguagem que usa ou no rumo que a fantasia toma. O papel do adulto é criar condições para que as crianças brinquem, incentivar e propor o que se fará para que a brincadeira tenha início, mas se as crianças se desviarem da atividade inicialmente proposta, isso não constitui problema algum: a liberdade de mudar de rumo durante a brincadeira é uma característica importante da atividade. Cabe assim ao professor organizar a sala, conseguir brinquedos e arrumá-los de forma lógica, estimular o início da brincadeira com uma história (por exemplo), combinar regras e impedir regras, fornecer informações, ajuda e incentivo quando as crianças os pedem e dar assistência àqueles que não entram na brincadeira.

A professora deverá ter cuidado ao propor brincadeiras.

Determinados alunos simplesmente ficam de fora. Alguns são agressivos e atrapalham o brinquedo, enquanto outros, apáticos, ficam quietos e apenas olhando. Essas crianças não podem ser forçadas a participar, senão a atividade perde seu objetivo. Elas precisam do apoio do professor, que, por exemplo, fiquem sentados juntos e que se diversifique o tema das brincadeiras, com a finalidade de atrair sua atenção. Esse cuidado tem como objetivo não desacertar o caráter de socialização do momento da brincadeira.

Outras formas de intervenção podem ser propostas no sentido de incitar eventualmente as crianças a desenvolverem o jogo, nesta ou naquela direção; apenas incitações, nunca obrigações, sempre cabendo à criança a decisão de ficar na atividade que ela desenvolveu, sem retomar por sua conta a proposta do educador, o qual, caso ela se relacione com a atividade, deve respeitar o fato da criança ter o direito de decidir se quer realmente brincar.

Em certos casos, o adulto pode também brincar com a criança, sobretudo se a criança o convida; então é mais fácil respeitar a brincadeira, uma vez que a criança pediu ao adulto para participar ou intervir no jogo. Estas formas de intervenção são delicadas, porque é muito difícil para o adulto entrar numa brincadeira sem destruí-la. Mas acredito que certos adultos que conhecem muito bem a brincadeira das crianças, que a observaram muito bem, conseguem fazer esta intervenção.

As brincadeiras não devem ser adaptadas a conteúdos. Na verdade, o paradoxo do uso da brincadeira em sala de aula é que os objetivos da atividade não podem ser determinados de antemão. Diferente do jogo didático, a brincadeira não é dirigida, é apenas assistida e é com base nessa observação que o professor determinará objetivos que serão alcançados em outras atividades.

A brincadeira é uma atividade informal que se desenvolve sem que haja investimento de objetivos pedagógicos. Mas a brincadeira também se desenvolve no quadro familiar, no quadro das relações de comunicação, das relações de prazer na construção de um universo de vida cotidiana entre as crianças e os pais.

Então, o que é interessante perceber é que a maioria das atividades das crianças no espaço familiar são atividades informais: de informação, de comunicação, de passeio, de descobertas e assistir televisão. Neste conjunto de atividades, a brincadeira tem características peculiares porque se desenvolve por iniciativa da criança, enquanto as outras iniciativas podem estar mais relacionadas a uma proposta de adultos.

E estas iniciativas informais, sem intenções educativas, têm, entretanto, a característica de ser um jogo de aprendizagem considerável para a criança. A aprendizagem da linguagem materna é um exemplo; os adultos comunicam-se com as crianças (atividade informal) e não têm objetivos pedagógicos: não tentam desenvolver uma aprendizagem da língua, mas a criança vai aprender naturalmente.

Isto posto, é preciso contudo assinalar que o informal passa por processos de formalização, no sentido em que os adultos são peritos em relação às crianças, que são iniciantes em muitos campos. As crianças mais velhas, que são peritas em relação às crianças que são iniciantes, têm uma tendência a desenvolver com estas uma atividade quase pedagógica, no sentido popular e não no técnico dos especialistas; no sentido da educação, quando se começa a desenvolver uma atividade pedagógica em uma atitude de tutela. De fato, há uma tendência a usar uma linguagem mais simples para se transmitir algo a alguém que sabe menos, e isto nos remete às tradições: desde que o mundo existe, assumiu-se a posição de simplificá-lo para as crianças. É uma atitude, eu diria, de pedagogia popular, de pedagogia tradicional.

Há um processo de semi-formalização que faz com que os ambientes da vida da criança talvez já sejam ambientes de adultos. Então, qual é o papel da educação, da escola, neste universo? É, por um lado, o de fazer o que a família já está fazendo, sobretudo quando a família está menos presente pelo fato de ambos os pais trabalharem. Por outro lado, aceitar o desenvolvimento da atividade informal, mas fazê-lo sob a perspectiva educacional para que as crianças possam se apropriar do mundo, se apropriar do entorno. A diferença é que o educador tem uma competência pedagógica e a formalização se tornará mais significativa.

Conclusão

Ainda há quem julgue o brincar como perda de tempo ou sinal de indisciplina, mas um número cada vez maior de educadores descobre que a criança aprende, e muito, numa brincadeira. A observação e a correta interpretação do ato lúdico dão ao educador um instrumento valioso para entender seus alunos, além da oportunidade de mesclar as informações, não privando a infância das belas brincadeiras que não se perdem em meio a nenhum progresso tecnológico, por combinarem aspectos lúdicos que agradam à própria essência da criança.

Várias pesquisas já comprovaram que são os desafios, encontrados na vivência das diferentes experiências, que vão provocar a construção do conhecimento da criança, sentindo, percebendo, pensando, brincando, a criança descobre o mundo e pode ser atraída pelos seus encantos e mistérios.

O brincar é atividade própria da criança, sua forma de estar diante do mundo social e físico e interagir com ele, a porta pela qual entra em contato com outras pessoas e com as coisas, o instrumento para a construção coletiva do conhecimento. Se a criança necessita brincar para ser ela mesma, para desenvolver-se, para construir conhecimentos, expressar suas emoções, entender o mundo que chega até ela, pode-se afirmar que a criança tem o direito de brincar e que os adultos (principalmente os educadores) têm a obrigação de possibilitar o exercício desse direito, assegurando a sobrevivência dos sonhos e promovendo uma construção de conhecimentos vinculada ao prazer de viver.

Referências bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Sumais Editorial, 1983.

DEHEINZELIN, M.; LIMA, Z.V.C.. Professor da pré-escola. Rio de Janeiro: FAE, 1991.

DIDONET, Vital. O direito da criança brincar. Jornal do Alfabetizador. Porto Alegre, 1998.

SILVA, A.V. Faz de conta. Como obter o máximo da imaginação infantil com o mínimo de interferência. Nova Escola. São Paulo, 1996.

VIGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1984.

WAJSKOP, G. Brincar na pré-escola. São Paulo: Editora Cortez, 1995.

WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, 1975.

Autor: Jéssica Fliot Sukan


Este texto foi publicado na categoria Maternidade e Desenvolvimento Infantil.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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