Resumo: Autonomia Moral como Meta na Educação
Este artigo explora a importância da autonomia moral na educação, discutindo como sua formação pode beneficiar o aprendizado e a vida social das crianças. A pesquisa analisa a diferença entre moralidade autônoma e heterônoma, com base em teorias de Piaget e Paulo Freire.
Autonomia moral como meta na educação
RESUMO
Existem alguns estudos atuais que discutem a formação da moralidade nas crianças. O intuito desta pesquisa foi refletir como a formação da moral influencia na aprendizagem. Partindo desse princípio, a autonomia moral como meta na educação procura esclarecer como a formação da moral autônoma nas crianças pode ser benéfica no processo de ensino-aprendizagem. Para a realização de tal pesquisa, a metodologia utilizada será um levantamento bibliográfico do tema abordado, discutindo maneiras de promover um ambiente escolar propício à construção da autonomia. Propiciar reflexões acerca de posturas que favoreçam a heteronomia ao invés da autonomia, através de dois eixos de pesquisa: o primeiro, Piaget e a formação da moral; o segundo, ações que favorecem a autonomia. Constatamos que a formação da moral autônoma tem grandes contribuições na aprendizagem das crianças, com resultados que podem ser observados desde a infância até a vida adulta do indivíduo. A educação moral deve partir do desenvolvimento intelectual do indivíduo e ter uma vida social intensa, apoiar as manifestações das opiniões e atitudes da criança, respeitando a autonomia e a dignidade do ser do educando. Concluímos que a formação da moralidade influi na educação e que, ao analisarmos suas duas formas de desenvolvimento na infância, podemos afirmar que a formação da moral autônoma é a mais apropriada para o melhor aprendizado das crianças e para sua formação social como cidadãos ativos na sociedade.
Formação da Moralidade, Educação.
1. Introdução
Esta pesquisa pretende aprofundar os estudos sobre a formação da moral autônoma e seus benefícios para a educação e de que forma o profissional da educação pode propiciar esse tipo de formação na escola, de modo a tornar o aprendizado significativo para os alunos. Para tal resultado, iremos estudar a formação da moralidade infantil em suas duas formas básicas: a formação da moral autônoma e a formação da moral heterônoma, de modo a esclarecer totalmente os benefícios de se formar a moral autônoma na criança, tanto para sua educação escolar quanto para toda a formação social do indivíduo.
Para a realização dessa pesquisa, a metodologia a ser utilizada será o levantamento bibliográfico do tema abordado, buscando obter maior embasamento para a pesquisa e a resolução do problema que gerou a temática da pesquisa. O instrumento a ser utilizado será o fichamento para auxiliar nos estudos e organizar o conteúdo da pesquisa a ser desenvolvida.
2. Piaget e a Formação da Moral
As autoras VRIES, R. & ZAN, B., com o livro “A ética na educação infantil”, aprofundaram os estudos na teoria de Piaget sobre o desenvolvimento moral, pesquisa essa que até os dias de hoje faz-se fundamental para o estudo da moral do indivíduo. Piaget afirmou que existe uma generalização entre os pensadores que afirmam que a moral é constituída por regras que as pessoas têm que respeitar. Após a discussão de como suas regras são estabelecidas, muitas pesquisas de Piaget foram para comprovar sua hipótese de moral autônoma.
Segundo Piaget, existem duas espécies de moralidade: a heterônoma e a autônoma, e dois tipos de relacionamento adulto-criança: um que promove o desenvolvimento infantil e outro que o retarda. Pode-se observar que, para Piaget, a moral é resultado do desenvolvimento cognitivo e das relações sociais que a criança estabelece com os adultos e com outras crianças. Assim como as relações sociais são diferentes, a moral também é. Sobre isso, Vries e Zan (1998, p.132) afirmam: “o ambiente sócio-moral é muito importante para o desenvolvimento infantil, no qual as crianças constroem suas ideias e sentimentos sobre si mesmas e sobre o mundo das pessoas e dos objetos”. Podemos afirmar que a moral heterônoma é baseada nas relações sociais de coerção e a moral autônoma é baseada nas relações sociais de cooperação. Sobre os dois tipos de moralidade observados, o autor Puig (1996, p. 48) diz:
Moral heterônoma, onde se dá uma relação de respeito unilateral, onde há desigualdade entre o adulto e a criança, que leva ao sentimento de dever. As regras são impostas pelos adultos às crianças, que as aceitam apenas pelo sentimento.
Segundo o autor Puig (1998, p.49), “as relações de pressão são mantidas quando os adultos favorecem a moral heterônoma”. Essa moral é unilateral e ressalta a “superioridade do adulto perante a criança”, o que desperta na criança o sentimento de dever e obrigação. Os adultos elaboram as regras, impõem-nas às crianças, que as obedecem por afeto e temor. Apesar de obedecê-las, as crianças não as reconhecem como necessárias. Esse tipo de moral imposta nos primeiros anos de vida torna ainda mais difícil que a moral autônoma seja absorvida pela criança, pelo fato de a criança estar passando pelo egocentrismo. Torna-se mais fácil que as relações de pressão e coerção sejam consolidadas na moral da criança. Falando sobre coerção, Vries e Zan (1998, p. 132) afirmam: “a coerção socializa apenas superficialmente o comportamento e, na verdade, reforça a tendência da criança para depender do controle dos outros”. Assim, pode-se afirmar que, ao contrário da moral heterônoma, a moral autônoma é construída a partir da colaboração entre os indivíduos, que é baseada no respeito mútuo.
Sobre a moral autônoma, Vries e Zan (1998, p. 132) dizem: “o relacionamento cooperativo tem como característica o respeito e a cooperação mútuos, ele é chamado de autônomo e cooperativo, onde o professor considera o ponto de vista da criança e a encoraja a considerar o ponto de vista dos outros”. A diferenciação entre os tipos de moral foi realizada por Piaget, com base nas pesquisas realizadas com crianças menores de doze anos. Essas pesquisas tiveram três focos principais: as regras do jogo, as normas morais de origem adulta e o desenvolvimento da noção de justiça. A primeira estudava de que forma eram aplicadas as regras pelas crianças; a segunda, procurava obter opiniões das crianças sobre a mentira, o roubo, etc.; a terceira parte das pesquisas realizadas buscou compreender a noção de justiça em diversos aspectos, como a solidariedade infantil, os conflitos com a autoridade adulta no caso de denúncias, responsabilidade coletiva, sobre as sanções. Após o resultado da pesquisa, torna-se seguro concluir que a formação da moral infantil depende diretamente das relações de respeito mútuo e da solidariedade entre as crianças e os adultos.
Tomando como base as pesquisas de Piaget, que propõe como finalidade da educação a formação do indivíduo autônomo, pronto para a cooperação, a educação moral deve partir do desenvolvimento intelectual do indivíduo e ter uma vida social intensa, apoiar as manifestações das opiniões e atitudes da criança e não abusar da autoridade para impor algum padrão, mas sim fazer com que elas mesmas descubram a partir de suas experiências sócio-morais. Desenvolver esse valor é uma das funções do professor, segundo Piaget.
Pode-se dizer que o relacionamento entre professor e aluno e entre os próprios alunos deve ser cultivado para que possam promover o desenvolvimento da criança e para que esta possa ser incentivada pelo professor a estudar. Os educadores geralmente trabalham de forma a promover a moral heterônoma, através de um relacionamento coercivo ou controlador, onde a criança respeita o professor que é muito autoritário. Neste tipo de relacionamento, o professor oferece aos alunos regras prontas e externas, e estes obedecem pelo respeito à autoridade, sem compreendê-las. Contrastando com os valores dados acima, os autores Druska e Whelan (2002, p. 113) afirmam: “o professor deve fazer com que a sala de aula tenha uma atmosfera de respeito e segurança; ele deve favorecer ocasiões onde as crianças possam colaborar na construção das regras da classe”. Algumas vezes, é inevitável impor algumas regras às crianças, por motivo de segurança ou de saúde, por exemplo, mas quando elas são continuamente governadas pelos outros, elas desenvolvem uma submissão, que leva ao conformismo. Sobre esse assunto, Vries e Zan (1998, p. 154) dizem:
Enquanto os adultos mantiverem as crianças ocupadas em aprender o que os adultos desejam que elas façam e em obedecer às regras deles, elas não serão motivadas a questionar, analisar ou examinar suas próprias convicções.
Uma criança frequentemente coagida pode ficar passiva às ideias dos outros, sem atitudes questionadoras e críticas e com baixa motivação para pensar. Sobre isso, Druska e Whelan (2002, p. 113) afirmam: “empregar o tempo para escutar as respostas de cada estudante para os problemas de julgamento moral”. Esta citação vem completar os dizeres acima, onde a cada ideia de que uma criança coagida torna-se um estudante não pensante, e com a moral heterônoma apurada, o que pode, em muitos casos, dificultar o aprendizado delas. Assim, não costumam questionar, não aprofundam o pensamento, porque muitas vezes ele já é apresentado “pronto” e sem estímulos para pensar, tornando-se verdade absorvida pelo estudante. Quando o professor trabalha com a moralidade autônoma, este apoia um relacionamento cooperativo, baseado no respeito entre professor e aluno e entre os alunos. Piaget afirma que, se o professor evitar o excesso de autoridade, abre caminho para que as crianças sejam capazes de pensar de forma independente e criativa, construindo sentimentos morais internamente. Conclui-se que, em um ambiente de cooperação, onde a criança é estimulada a considerar a opinião do outro, ela adquire uma atitude de questionamento, avaliação crítica e motivação para pensar, se desenvolvendo emocionalmente, socialmente e intelectualmente.
3. Ações que favorecem a autonomia
O autor Paulo Freire, em seu livro “Pedagogia da Autonomia”, fala de como deve ser a postura do professor para proporcionar uma educação autônoma. Deve-se respeitar a autonomia e a dignidade do ser do educando. O professor que desrespeita a curiosidade do aluno, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem; o professor que ironiza o seu aluno e o minimiza está transgredindo os princípios éticos de nossa existência. Assim, o professor autoritário, que não respeita a liberdade do educando, não favorece a sua autonomia. Segundo ele, o docente deve ter bom senso. Paulo Freire (1996, p. 59) afirma:
“É o meu bom senso que me diz ser tão negativo, do ponto de vista de minha tarefa docente, o formalismo insensível que me faz recusar o trabalho de um aluno por perda de prazo, apesar das explicações convincentes do aluno, quanto o desrespeito pleno pelos princípios reguladores da entrega dos trabalhos. É o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo não é sinal de autoritarismo da minha parte.”
Quanto mais colocarmos em prática a nossa capacidade de indagar, comparar, duvidar, mais curiosos nos tornamos e mais crítico pode fazer o nosso bom senso. Segundo Paulo Freire, a curiosidade domesticada leva à memorização mecânica, mas não ao aprendizado real. A construção do conhecimento implica o exercício da curiosidade, a capacidade crítica, a capacidade de comparar e perguntar. O professor deve estimular a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que se pretende com determinada pergunta em lugar da passividade. Sobre esse assunto, Paulo Freire (1996, p. 60) nos diz:
“O fundamental é que o professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve.”
Há que se aprender a lidar com a relação autoridade-liberdade: “o autoritarismo e a licenciosidade são rupturas do equilíbrio tenso entre autoridade e liberdade”. É vivendo criticamente a liberdade do aluno que se pode preparar para assumir a autoridade do professor. O educador deve pensar em uma maneira mais aberta, dialógica, de aplicar a sua aula aos alunos.
É muito importante e necessário que o professor saiba escutar. Escutando pacientemente e criticamente o outro, podemos realmente falar com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele. Sobre esse assunto, Paulo Freire (1996, p. 115) afirma: “O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno em uma fala com ele.” Atualmente, a liberdade de mover-nos, arriscar-nos vem sendo submetida a uma certa padronização de fórmulas, de maneiras de ser, por um poder invisível da domesticação alienante. Um estado de estranheza, de “autodemissão” da mente, do corpo consciente, de conformismo do indivíduo, de acomodação diante de situações “imutáveis”. Não há lugar para escolha, mas para a acomodação bem comportada ao que está aí ou ao que virá.
Paulo Freire afirma recusar os fatalismos e prefere a rebeldia que nos confirma como gente e nos deixa provar que o ser humano é maior do que os mecanicismos que o minimizam.
A desconsideração pela formação integral do ser humano e sua redução a puro treino fortalecem o autoritarismo ao falar de cima para baixo.
Os sistemas de avaliação pedagógica, mascarados como democráticos, vêm assumindo cada vez mais como discursos verticais, de cima para baixo. Não que devemos ficar contra a avaliação, mas resistir aos métodos silenciadores que ela vem sendo realizada. Devemos lutar em favor da compreensão e da prática da avaliação como instrumento de apreciação do que-fazer de sujeitos críticos a serviço da libertação, e não da domesticação. Ainda sobre esse tema, Paulo Freire (1996, p. 120) afirma: “É intolerável o direito que dá a si mesmo o educador autoritário de comportar-se como o proprietário da verdade.”
O papel do professor é incitar o aluno a produzir, através dos materiais oferecidos, a compreensão do objeto em lugar de recebê-la pronta. Assim, ensinar não é transferir conteúdo, assim como aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transferido no discurso vertical do professor. Nesse sentido, o educador deve escutar o educando em suas dúvidas, seus receios. Escutando, se aprende a falar com ele. Sobre esse assunto, a Professora Telma Pileggi Vinha (1996, p. 121) fala em um de seus seminários:
“É diferente ele estar mudando a proposta de trabalho porque está convencido, está estudando que é por aí, de estar fazendo porque uma autoridade quer que ele faça. É preciso refletir e rever isso. Se queremos educar as crianças para a autonomia, como podemos manter no dia a dia relações de respeito lateral com as pessoas? Consequentemente, as crianças serão tratadas assim. O professor deve estar sempre no mesmo nível das crianças. Se as crianças sentam no chão, ele também senta no chão, ele se abaixa para conversar com elas, ele procura usar um tom de voz que não seja elevado. O professor quer que as regras valham para todos, inclusive para ele.”
Quando escutamos, não estamos diminuindo nossa capacidade de exercer o direito de discordar, de se opor, de se posicionar. Ao contrário, escutando, nos preparamos para melhor colocarmos o nosso próprio ponto de vista.
Para que possamos escutar, devemos aceitar e respeitar as diferenças, sem qualquer forma de discriminação. Um professor que resiste, por exemplo, em respeitar a “leitura de mundo” que o aluno chega à escola estabelece um obstáculo à sua experiência de conhecimento. Respeitar os saberes do educando significa tomá-la como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade. O desrespeito à leitura de mundo do educando revela o gosto elitista e antidemocrático do educador.
4. Considerações Finais
Após o término da pesquisa, podemos concluir que a formação da moralidade influi na educação e que, ao analisarmos suas duas formas de desenvolvimento na infância, podemos afirmar que a formação da moral autônoma é a mais apropriada para o melhor aprendizado das crianças e para sua formação social como cidadãos ativos na sociedade.
Foi possível concluir também que grande parte dessa formação moral se faz na escola, onde a criança passará grande parte do seu dia sob a orientação do professor, que tem papel fundamental para tal desenvolvimento. A partir desse levantamento, buscamos então formas para que os professores propiciem essa formação moral em sua sala de aula. Foi comprovado na pesquisa que realizamos que existem várias maneiras para que o professor a faça na prática com seus alunos, incentivando-os a serem indagadores e pensantes, podendo ser uma das práticas possíveis de serem aplicadas nas salas de aula.
5. Referências Bibliográficas
PUIG, J.A. A construção da personalidade moral. São Paulo: Ática Editora, 1998, p. 48 à 53.
VRIES, R.; ZAN, B. A ética na educação infantil; o ambiente sócio-moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas Editora, 1998, p. 132.
VRIES, R.; ZAN, B. A ética na educação infantil; O relacionamento Professor – Aluno. Porto Alegre: Artes Médicas Editora, 1998, p. 154.
DRUSKA, R.; WHELAN, M. O desenvolvimento moral na idade Evolutista – um guia de Piaget e Kohlberg: Aplicações práticas da teoria do desenvolvimento moral. São Paulo: Editora Loyola, 2002, p.113.
HUHNE, L.M. Metodologia científica. 7. Rio de Janeiro, Editora Agir 2002. p.64-65
FILHO, P.D.; SANTOS, A.J. Monografias – TCC – Teses – Dissertações. Leitura e suas classificações. Elaboração de Fichamento. São Paulo. Editora Futura 2001, p. 42.
LIMA, V.S. Planejamento de pesquisa, uma introdução. A revisão de literatura como parte integrante da formulação do problema. São Paulo. Editora PUC, 2000, p. 85. SANTOS, A.F.L. Métodos e Técnicas de Pesquisa. São Paulo. Editora Ática, 2006, p. 58.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Cidade. Editora: Paz e Terra, 1996.
VINHA, P.T. O educador e a moralidade infantil numa perspectiva construtivista, 1990. Disponível: (http://arkheia.incubadora.fapesp.br/arquivos/revista_cogeime/ed…/cap02-14.pdf) Acesso em 28 de Março de 2010.
Autoras: Adriana Rodrigues Bueno
Patrícia Gouvêa Quini
Profª Orientadora: Rosangela Mascarenhas