Autismo e Fonoaudiologia
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O autismo vem sendo conceituado desde a proposta de Síndrome de Kanner, nos anos cinquenta, até a noção de síndrome autística, nos anos noventa. Neste período já foram desenvolvidas muitas explicações e teorias para se compreender o problema e diversas questões foram levantadas, porém poucas foram respondidas de forma definitiva.
Com relação à classificação desse quadro clínico, sabe-se que deixou de ser incluído entre as psicoses para, a partir dos anos oitenta, ser considerado um distúrbio global do desenvolvimento e designado como síndrome autística.
Uma outra questão que está à mercê de uma resposta, apesar dos avanços dos estudos, é a que se refere às suas causas ou origens. Os diferentes graus de intensidade das alterações observadas sugerem a questão: se estão sendo estudadas patologias diferentes ou diferentes manifestações da mesma patologia.
O objetivo deste trabalho é definir tal patologia, tentando esclarecer um pouco mais estas questões, e enfatizar o papel do profissional fonoaudiólogo que acompanha crianças cuja fala ainda não ganhou sentido na família/comunidade em que vive, revelando que a ele está reservada, muitas vezes, a incumbência de transformar, por meio de sua atividade interpretativa, essas crianças em falantes da língua, criando espaço para a constituição de sua subjetividade.
Entendendo como estas crianças se comunicam e como o mundo pode se comunicar com elas, é possível construir propostas terapêuticas mais próximas das suas necessidades. Para mais informações sobre o desenvolvimento da comunicação em crianças autistas, consulte como ensinar crianças autistas.
Até poucos anos atrás, os autores que mencionavam a atuação fonoaudiológica com indivíduos autistas o faziam com a perspectiva de que este trabalho envolveria exclusivamente o treino de fala. Contudo, foram surgindo estudos abordando as dificuldades com o uso funcional da linguagem que propiciaram um ponto de partida para uma melhor forma de atuação profissional.
Sabe-se que na literatura da área médica, a linguagem e o comportamento de crianças com distúrbios emocionais são descritos como estereotipados, sendo sua fala formada por fragmentos lingüísticos considerados ecolálicos. No entanto, ao se adotar a concepção interacionista da linguagem, tem-se a possibilidade de ver/escutar a criança além dos seus sintomas.
Histórico
Qualquer abordagem sobre o tópico autismo infantil deve referenciar os pioneiros Leo Kanner e Hans Asperger que, separadamente, publicaram os primeiros trabalhos sobre esse transtorno. As publicações de Kanner em 1943 e de Asperger em 1944 continham descrições detalhadas de casos de autismo e também ofereciam os primeiros esforços para explicar teoricamente tal transtorno.
Kanner estudou e descreveu a condição de 11 crianças consideradas especiais. Nessa época, o termo Esquizofrenia Infantil era considerado sinônimo de Psicose Infantil, mas as crianças observadas por Kanner tinham características especiais e diferentes das crianças esquizofrênicas. Elas exibiam uma incomum incapacidade de se relacionarem com outras pessoas e com os objetos. Concomitantemente, apresentavam desordens graves no desenvolvimento da linguagem.
A maioria delas não falava e, quando falavam, era comum a ecolalia, inversão pronominal e concretismo. O comportamento delas era salientado por atos repetitivos e estereotipados; não suportavam mudanças de ambiente e preferiam o contexto inanimado. O termo autismo se referia às características de isolamento e auto-concentração dessas crianças, mas também sugeria alguma associação com a esquizofrenia.
O próprio Kanner viria a reconhecer que o termo autismo não deveria se referir, nestes casos, a um afastamento da realidade com predominância do mundo interior, como se dizia acontecer na esquizofrenia. Portanto, mesmo para ele não haveria no autismo infantil um fechamento do paciente sobre si mesmo, mas sim, um tipo particular e específico de contato do paciente com o mundo exterior.
Na década de 50, os autores norte-americanos, por mero pudor da palavra psicose, denominavam essas crianças como crianças atípicas ou possuidoras de um desenvolvimento atípico ou excepcional. A partir da década de 60, definiu-se as psicoses infantis em dois tipos: as psicoses da primeira infância e as psicoses da segunda infância. Dentre as psicoses da primeira infância, foi colocado o Autismo Infantil Precoce. Portanto, foi entendido como um transtorno primário, diferente das outras formas de transtornos infantis secundários a lesões cerebrais ou retardamento mental.
Na Europa, notadamente na França, o conceito de Esquizofrenia Infantil foi substituído pelo conceito de Psicose Infantil, bem onde se enquadra o Autismo. Portanto, também para os franceses, o Autismo Infantil é uma psicose. Mais precisamente, o termo psicose infantil precoce se aplica às psicoses que se iniciam na primeira infância, enquanto a Esquizofrenia Infantil, propriamente dita, ficou reservada aos quadros com início mais tardios, porém, que surgem depois da criança ter passado por um desenvolvimento relativamente normal.
Conceitos
Para Ritvo e Feedman (1978), o autismo é uma inadequação no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave durante toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete mais o sexo masculino que o feminino e não tem uma frequência maior quanto à condição sócio-cultural, de raça e etnia. É uma síndrome inata que se manifesta até os 36 meses de idade e repercute de forma global no desenvolvimento do indivíduo, interferindo de forma determinante nas áreas que dizem respeito à comunicação, interação, socialização, comportamento geral e aprendizagem.
Schwartzman (1994) também acredita que se possa referir-se a um espectro das manifestações autísticas, uma vez que podemos encontrar quadros em que o grau de severidade é muito variável, apesar de certas características comuns (sempre envolvendo as áreas da comunicação e linguagem, interação social e jogo simbólico).
Para a Organização Mundial da Saúde (CID10, 1992), o autismo é classificado como uma “desordem abrangente do desenvolvimento, definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de três anos e pelo tipo de funcionamento caracterizado por déficits qualitativos na interação social recíproca e nos padrões de comunicação e por repertórios de atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados” (APARJ, 1998).
Incidência
Os números de incidência do Autismo Infantil divulgados por diversos autores variam muito, à medida que cada autor obedece e/ou aceita diversos critérios de diagnóstico, de tal forma que o que para uns é Autismo Infantil, para outros não é. De qualquer forma, os índices atualmente mais aceitos e divulgados variam dentro de uma faixa de 5 a 15 casos em cada 10.000 indivíduos, dependendo da flexibilidade do autor quanto ao diagnóstico.
Alguns autores têm alegado uma maior incidência, de até 21 casos por 10.000, tendo em vista o aprimoramento dos meios de investigação psico-neurológicas mais recentes e da maior flexibilidade para o diagnóstico. Entretanto, quando o autismo é mais rigorosamente classificado e diagnosticado, em geral são relatadas taxas de prevalência de 2 casos para 10.000 habitantes.
Porém, independentemente de critérios de diagnóstico, é certo que a síndrome atinge principalmente crianças do sexo masculino. As taxas para o transtorno são quatro a cinco vezes superiores para o sexo masculino, entretanto, as crianças do sexo feminino com esse transtorno estão mais propensas a apresentar um Retardo Mental mais severo que nos meninos.
Para Ritvo e Feedman (1978), o autismo não tem uma frequência maior quanto à condição sócio-cultural, de raça e etnia.
Sintomatologia
Gauderer (1993) relata que o autismo inclui uma incapacidade em desenvolver um relacionamento interpessoal, marcada pela falta de resposta ao contato humano e de interesse pelas pessoas. Há uma inadequação no modo de se aproximar, falta de contato visual e de resposta facial, indiferença ao afeto e aversão ao mesmo. Este autor ainda cita como sintoma a incapacidade comunicativa, comprometendo tanto as habilidades verbais quanto as não verbais. Segundo ele, a linguagem expressiva verbal pode estar totalmente ausente e, quando presente, é acompanhada de estrutura gramatical imatura, ecolalias, reversão pronominal, afasia nominal, etc. Há grandes distúrbios comportamentais, como, por exemplo, as respostas estranhas ao meio ambiente, incoerentes e apragmáticas. Ainda afirma que, nos casos mais graves, há fatores coadjuvantes bastante repercutivos e nocivos, associados ao quadro, como: condutas auto-agressivas e/ou heteroagressivas, impulsividade, hiperatividade e movimento estereotipado.
De acordo com Kanner, do ponto de vista lingüístico, apenas 1/3 dessas crianças aprendem a falar e as demais ficam, praticamente, em estado de mutismo. Quando adquirida, a fala dessas crianças restringe-se, inicialmente, a um caráter acomunicativo, ou seja, a uma expressão verbal fonêmica e estruturalmente correta, no entanto, idiossincrática e sem função comunicativa. Às vezes, as crianças em estado de mutismo surpreendem, emitindo palavras soltas, funcionais solicitativas. A presença de ecolalias imediatas e retardadas é muito frequente, assim como um aspecto apragmático e incoerente nas emissões de frases. Tais fatos para muitos associam-se a déficits perceptuais.
De forma geral, quando a criança autista é capaz de produzir enunciações verbais, estas não se dirigem ao outro, sendo observadas como reguladoras de certos atos. Há grande esforço na função das palavras para a formação de uma mínima frase, tendo esta uma estrutura frasal pobre, pelo fato de este indivíduo não compreender a influência da ordem das palavras. Quanto à estrutura gramatical da expressão verbal desse indivíduo, o mesmo não usa pronomes ou comete inversões pronominais, ou seja, substitui o pronome eu (1ª pessoa) pelo da 3ª pessoa. Há muitos erros preposicionais com sintaxe bastante imatura (Wing, 1980, 1988, 1994; Gauderer, 1993).
De acordo com Simon (1975), é percebida uma atipia quanto aos aspectos suprasegmentares da fala (dos indivíduos autistas que a desenvolvem). Ele relata uma característica descontrolada da altura tonal ou uma monotonia vocal, as quais relaciona com lesões discretas nos centros auditivos do tronco encefálico. Tais fatos podem também estar relacionados à falta de compreensão do contexto afetivo emocional dos enunciados externos e contextos, observada nesses indivíduos.
Complementando as informações sintomatológicas desse indivíduo, Ornitz e Ritvo (1976) enfatizam, consideravelmente, os déficits perceptivos e atentivos existentes, seguindo a abordagem de que o sistema nervoso central do mesmo recebe e assimila as informações sensoriais de uma forma gravemente diferente e peculiar.
Algumas especificações clínicas-sintomatológicas estão expostas no quadro a seguir.
DÉFICITS ATENTIVOS |
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DÉFICITS E CARACTERÍSTICAS INTERATIVAS E COMUNICATIVAS |
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DÉFICITS COMPREENSIVOS |
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DÉFICITS COGNITIVOS |
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DÉFICITS PERCEPTIVOS |
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DÉFICITS COMPORTAMENTAIS GERAIS |
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É importante salientar que a quantidade, presença, qualidade e abrangência desses sintomas podem variar de indivíduo autista para indivíduo autista. O grau e tipo de autismo não é unidimensional.
Autismo e causas orgânicas
Segundo pesquisadores, um novo teste destinado a ajudar os médicos a prever se um recém-nascido desenvolverá autismo ou retardamento mental confirma que as doenças estão presentes no nascimento e não resultam de fatores da criação.
O autismo surge provavelmente de uma combinação de defeitos genéticos e da exposição a substâncias tóxicas, de acordo com o Programa de Monitoração de Defeitos de Nascença da Califórnia.
O período crucial para tais fatores é nas primeiras semanas de gravidez, quando o sistema nervoso central está em formação.
Alguns pais acreditam que o autismo pode ser causado por reações adversas a vacinas, porque muitas crianças desenvolveram os primeiros sinais da doença mental depois de serem imunizadas aos 18 meses.
Uma equipe de pesquisadores examinou amostras de sangue coletadas de 249 crianças durante a década de 1980 e descobriu níveis anormalmente altos de quatro proteínas associadas ao desenvolvimento cerebral em quase todas as amostras de crianças que posteriormente foram diagnosticadas com autismo ou retardamento mental.
Nenhuma dessas proteínas aparecia nas crianças que tiveram um desenvolvimento normal.
Dr. David Amaral, diretor do MIND Institute da University of California, em Davis, afirma que esta descoberta é realmente animadora, mas não significa que os cientistas possuam um teste específico para autismo, uma vez que as crianças retardadas têm os mesmos níveis elevados de proteína.
Autismo e causa genética
Segundo o Instituto Nacional da Saúde (NIH) dos Estados Unidos, trabalhos conjuntos de uma equipe de cientistas norte-americanos e europeus permitiram estabelecer o papel de alguns genes como causa do autismo.
O grupo de cientistas conseguiu identificar algumas regiões de quatro cromossomos que pareciam vinculadas a esta desordem neurológica e de desenvolvimento humano.
“Estes resultados confirmam o papel dos genes no autismo e constituem um maior avanço na pesquisa dos genes específicos envolvidos na doença”, afirmou Duane Alexander, diretor do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD, em sua sigla em inglês).
Os pesquisadores estudaram o DNA de 150 casais de irmãos e irmãs afetados pela doença. Os resultados indicaram que duas regiões dos cromossomos 2 e 7 contêm genes envolvidos no autismo. Outros genes ligados à doença foram identificados nos cromossomos 16 e 17, mas nestes últimos o vínculo foi considerado menos convincente pelos cientistas.
O cromossomo 7 geralmente é associado aos problemas de linguagem. “Em virtude deste estudo e da importância da correlação estabelecida, agora existem poucas dúvidas de que o cromossomo conhecido como responsável por problemas de linguagem está significativamente vinculado ao desenvolvimento do autismo”, alegou a cientista Marie Bristol-Power, do NICHD.
“De agora em diante, podemos ter quase certeza de que os genes dos cromossomos 2 e 7 estão ligados ao autismo”, adicionou o doutor Ed Cook, da Universidade de Chicago.
Autismo e causa psicogênica
Até hoje, o Transtorno Autista carece de maiores explicações médicas para seu aparecimento. Alguns autores tentaram estabelecer uma relação da frieza emocional das mães e dos pais com o desenvolvimento autista. O próprio Kanner julgava que a atitude e comportamento dos pais pudessem influir no aparecimento da síndrome. Ele havia observado em seus 11 pacientes iniciais que seus pais eram intelectualizados e emocionalmente frios, na grande maioria dos casos. Tem sido evidente que, embora seja muito importante no desenvolvimento do transtorno a dinâmica emocional familiar, esse elemento não é suficiente em si mesmo para justificar o seu aparecimento.
Portanto, o autismo não parece ser, em sua essência, um transtorno adquirido e, atualmente, o autismo tem sido definido como uma síndrome comportamental resultante de um quadro orgânico. Trabalhos em todo o mundo já propuseram teorias psicológicas e psicodinâmicas para explicar o autismo e as psicoses infantis, principalmente numa época onde a investigação funcional e bioquímica do sistema nervoso central era ainda pouco desenvolvida.
Diagnóstico
Para um diagnóstico médico preciso do Transtorno Autista, a criança deve ser muito bem examinada, tanto fisicamente quanto psico-neurologicamente. A avaliação deve incluir entrevistas com os pais e outros parentes interessados, observação e exame psico-mental e, algumas vezes, de exames complementares para doenças genéticas e ou hereditárias.
Hoje em dia, pode-se proceder alguns estudos bioquímicos, genéticos e cromossômicos, eletroencefalográficos, de imagens cerebrais anatômicas e funcionais e outros que se fizerem necessários para o esclarecimento do quadro. Não obstante, o diagnóstico do Autismo continua sendo predominantemente clínico e, portanto, não poderá ser feito puramente com base em testes e/ou algumas escalas de avaliação.
Segundo o DSM.IV, os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, onde se inclui o Autismo Infantil, se caracterizam por prejuízo severo e invasivo em diversas áreas do desenvolvimento, tais como: nas habilidades da interação social, nas habilidades de comunicação, nos comportamentos, nos interesses e atividades. Os prejuízos qualitativos que definem essas condições representam um desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do indivíduo.
Havendo um diagnóstico psiquiátrico, psicológico, neurológico, foniátrico, ou não; o fonoaudiólogo deverá usar todos os elementos disponíveis para estabelecer o seu diagnóstico de linguagem.
A noção de diagnóstico envolve o conceito básico de conhecimento abrangente e ele será tão mais útil quanto mais clínico e menos rotulador.
Assim, não é absolutamente necessário que se chegue ao nome do distúrbio apresentado pela criança (até porque parece haver cada vez menos consenso a respeito dos distúrbios identificados), mas será fundamental para o processo terapêutico que sejam estabelecidas as características fundamentais da comunicação da criança, em todos os seus níveis, e identificadas ao menos hipóteses a respeito das relações entre as alterações observadas e o quadro afetivo, cognitivo e social apresentado.
A partir destes elementos poderão ser determinadas as alterações de linguagem que parecem estar mais relacionadas ao quadro clínico global, não apenas no sentido de traçar prioridades terapêuticas, mas também no sentido de apontar áreas que exigirão abordagens mais cuidadosas ou mais observação durante o processo terapêutico.
Caberá ao fonoaudiólogo estabelecer quais as funções comunicativas expressas por uma determinada criança, que meios ela usa para isso, que estratégias discursivas ela pode utilizar, como ela reage a quebras comunicativas e se ela utiliza elementos de reparação para os processos comunicativos interrompidos. Os mesmos critérios devem ser utilizados na observação da comunicação do terapeuta, pois o foco central do processo terapêutico deve ser o estabelecimento de um processo simétrico de comunicação.
Tratamento
A aplicação da terapia de linguagem com base nos sintomas do autismo é uma área relativamente nova para a maioria dos fonoaudiólogos. Contudo, um número cada vez maior de indivíduos com autismo está sendo encaminhado para centros fonoaudiológicos. O motivo destas indicações se deve a um dos principais sintomas do autismo, que diz respeito à ausência ou um severo distúrbio de linguagem.
Partindo do pressuposto segundo o qual linguagem, cognição, sociabilidade e afetividade são elementos indissociáveis, a terapia de linguagem deve necessariamente levar em conta todos esses aspectos.
Há aproximadamente uma década, a literatura internacional a respeito de “terapia de linguagem” com crianças autistas apresentava exclusivamente relatos de procedimentos de condicionamento operante, ou seja, experiências de treino de fala que incluem variáveis como o espaço físico no qual as sessões de treino eram realizadas e os elementos utilizados nas etapas de aproximações sucessivas – desde a imitação de sons não humanos à postura corporal global.
A partir dos anos oitenta, a literatura passa a contar com relatos de utilização de procedimentos de condicionamento operante para treinar o uso de gestos simbólicos em crianças autistas, como um procedimento alternativo ao treino de fala, cujos resultados eram sempre inferiores ao esperado. Esses procedimentos, entretanto, envolviam também elementos primitivos. Diversos estudos relatam a utilização conjunta de gestos e fala em procedimentos de treino de comunicação, entretanto, os resultados obtidos são inconsistentes (Fernandes, 1995).
A perspectiva de que o treino de linguagem deva ser conduzido numa situação mais próxima das situações naturais às quais a criança está exposta passou a ser enfatizada por diversos autores, embora sem que a terapia de linguagem deixasse de ser abordada como uma situação de treino. A partir disso, as propostas de treino de fala passaram a incluir aspectos da interação, facilitação, generalização, transferência e colaboração (Bloch e col., 1980).
A relação entre cognição e linguagem e as diversas funções da linguagem em diferentes contextos começaram a ser estudadas sob a ótica da teoria pragmática. Dessa forma, torna-se possível o estudo das alterações da linguagem de crianças autistas em sua característica mais evidente: as dificuldades de interação. Por outro lado, só a adoção de uma perspectiva abrangente permite que o estudo da comunicação de crianças autistas forneça subsídios para a prática clínica e possibilite ao fonoaudiólogo a construção de uma identidade mais distante da caracterização do treinador e mais próxima do conceito de terapeuta.
A investigação da linguagem das crianças autistas passou a incluir elementos como as iniciativas de comunicação, motivação, a interferência de diferentes interlocutores na performance da criança, suas intenções comunicativas, o contexto interacional, diferenças de papéis comunicativos e as possibilidades cognitivas da criança (Wetherby, 1986; Stone & Caro-Martinez, 1990).
A linguagem deve ser trabalhada dentro do contexto comunicativo de requerer objetos ou assistência e protestar. Situações comunicativas podem ser facilmente planejadas, por exemplo, oferecendo a escolha de alguns objetos, mas retendo o item desejado; apresentando uma tarefa interessante que a criança não consiga completar sem ajuda; e oferecendo itens não desejados ou utilizando eventos que ocorrem naturalmente durante o horário das refeições, hora do lanche e hora de brincar.
As ações de interação entre a criança e o adulto formam o contexto social da aquisição normal da linguagem. A criança autista parece ter dificuldade inerente de regular a atenção conjunta e a ação de interação. Similar ao desenvolvimento normal, as funções sociais de comunicação parecem emergir dentro de contextos de jogos sociais ritualizados. A predileção da criança autista por comportamentos ritualizados pode ser capitalizada para estabelecer rotinas sociais e, então, ser utilizada para ensinar a criança a requerer essas rotinas sociais.
Subsequentemente, a função comunicativa de comentar pode ser trabalhada através de atividades que destaquem características particulares (por exemplo: coisas que estão quentes, molhadas ou pegajosas, ou que rodopiam, ou produzem sons musicais). Por exemplo, alguns objetos frios podem ser dados à criança, seguidos imediatamente pela apresentação de objetos quentes, ou alguns blocos podem ser dados à criança para empilhar ou despejar numa caixa, seguido imediatamente pela apresentação da figura de um animal ou outro brinquedo não esperado. A criança pode ser ensinada a comentar em um nível pré-linguístico, apontando ou mostrando, ou em um nível linguístico, nomeando ou descrevendo a qualidade do objeto inesperado.
Programas de intervenção de linguagem baseados nos princípios de modificação de comportamento podem ser planejados para facilitar a comunicação espontânea com um discreto formato experimental. O clínico pode selecionar materiais estimulantes que são funcionais e interessantes para a criança autista. O clínico pode também utilizar pragmaticamente consequências apropriadas. Por exemplo, quando trabalha com a criança a função de pedido de objetos, a consequência deve ser dar o objeto requerido à criança. Quando ensina à criança a função de protesto, a consequência deve ser remover o objeto protestado. Quando trabalha a função de comentário, a consequência deve ser dirigir a atenção ao objeto ou evento comentado, direcionando o olhar para ele, apontando ou fazendo um comentário semanticamente contingente sobre ele.
Como uma alternativa do discreto formato experimental, o clínico pode planejar um ambiente de aprendizado da linguagem mais natural usando procedimentos de ensino incidentais. Numa situação de ensino incidental, a criança indica interesse em um objeto particular ou uma necessidade de assistência através de recursos verbais e não verbais. Por exemplo, quando ensina a criança a pedir, o clínico pode deslocar alguns objetos desejados para fora do alcance da criança ou, quando a criança mostrar interesse em algum objeto, o clínico pode estimular um ato comunicativo como apontar, pedir o objeto com um sinal ou palavra. Portanto, no ensino incidental, o clínico segue a direção da criança, ao invés de determinar a priori o que interessa à criança autista.
Certos aspectos de programas de tratamento comportamental tipicamente usados com crianças autistas podem ser pragmaticamente contraproducentes, uma vez que usam situações não naturais e ignoram as intenções comunicativas da criança. Tais programas podem inibir, interromper ou terminar com a interação social e podem não permitir que a criança entenda o uso da comunicação para alcançar um fim social.
Neste sentido, sabendo a importância da utilização das ocorrências naturais/usuais do dia a dia, com suas consequências como forma de intensificar o aprendizado da linguagem; as abordagens mais atuais de linguagem com crianças autistas vêm cada vez mais salientando a importância do envolvimento dos pais neste processo, como grandes agentes do desenvolvimento de seus filhos.
Considerações finais
Este trabalho consistiu de uma retrospectiva sobre o que é o autismo, o quadro clínico envolvido, as hipóteses etiológicas, o diagnóstico e o tratamento, procurando traçar um perfil da criança autista, de sua linguagem e de seu comportamento.
A motivação para a realização deste trabalho sobre o Autismo Infantil partiu da necessidade de buscar respostas para uma série de questões sobre este tema, que é objeto de controvérsias e frequentes mudanças em sua conceituação e enfoque terapêutico.
Na rotina clínica, muitas vezes os fonoaudiólogos são procurados por pais com queixa de que seus filhos de quatro anos ainda não falam. A família sente-se angustiada por não conseguir se comunicar e não compreender o que está acontecendo com seus filhos. Quando começa-se a investigar a história da criança, verifica-se que há uma série de comprometimentos que muitas vezes não chamaram a atenção da família ou mesmo do pediatra. São crianças que apresentam uma falta de receptividade e interesse pelas pessoas, dificuldades na comunicação interacional e nas atividades ou jogos simbólicos.
Os profissionais que trabalham com crianças precisam estar preparados para que, diante destes quadros, possam fazer um diagnóstico precoce, os encaminhamentos necessários e orientar às famílias. Entretanto, ainda hoje, muitos profissionais se sentem “impotentes” diante de um quadro clínico tão complexo como o autismo.
Outra situação comumente vivenciada pelos profissionais, e em especial pela família, é a dificuldade em lidar com o diagnóstico de AUTISMO. É uma palavra que carrega um “estigma” forte e traz consigo discriminação. Isto se deve à falta de conhecimento e à imagem distorcida que por muito tempo foi associada à criança autista.
Bibliografia
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BLOCH, J.; GERSTEN, E.; KORNBLUM, S. – Evaluation of a language program for young autistic children. Journal of Speech and Hearing Disorders, 45 (1):99-109, 1980.
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FERNANDES, F.D.M.; PASTORELLO, L.M.; SCHEUER, C.I. Fonoaudiologia em distúrbios psiquiátricos da infância. São Paulo, Lovise, 1995. 219p.
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ORNITZ, E.M. & RITVO, E.R. – The syndrome of autism: a critical review. American Journal of Psychiatry, 133 (6):619-628, 1976.
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SCHWARTZMAN, J.S. Autismo infantil. Brasília, Cordes, 1994. 55p.
STONE, W. L. & CARO-MARTINEZ, L.M. – Naturalistic observations of spontaneous communication in autistic children. Journal of Autism and Developmental Disorders, 20 (4):437-453, 1990.
WETHERBY, A. M. – Ontogeny of communicative functions in autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 16 (3):295-316, 1986.
Anexos
RESPOSTAS A TODAS AS PERGUNTAS QUE OS FAMILIARES DA PESSOA AUTISTA PRECISAM TER NA PONTA DA LÍNGUA.
E. Christian Gauderer
O que os pais podem fazer de objetivo para ajudar o seu filho ou a si próprios?
R – Inicialmente, apesar de todo o sofrimento emocional, eles devem encarar e enfrentar o problema de frente. Como? Procurando ajuda profissional especializada, competente, atualizada e séria. Como eles podem avaliar isto? Perguntando, solicitando informações de outros e, obviamente, também do profissional. Em outras palavras, nada de cerimônias. Está em jogo o tratamento do seu filho. Além disto, devem estar em contato com outros pais para troca de experiências e vivências e com isso evitar a repetição de dificuldades, erros ou problemas. A criação de uma Associação de Pais e Amigos de Crianças Autistas tem surtido bons efeitos em outros países, e à semelhança da APAE (Associação de Pais e Amigos do Excepcional) pode permutar conhecimentos, pesquisas e avanços nesta área. É crucial uma informação adequada dos pais sobre esta doença. Estas associações dão também uma sensação de coesão e meta, com isso podendo-se pressionar órgãos governamentais visando aos interesses destas crianças. Pode-se, também, levantar fundos junto a empresas e pessoas físicas para ajudar os menos favorecidos. A vantagem global da participação dos pais nestas atividades é que isto lhes dá a sensação de estar fazendo algo e não apenas esperando alguém fazer algo por eles. Isto lhes mitiga a sensação de impotência e inadequacidade. Também é importante a publicação de literatura específica e periódica, assim como o convite de especialistas para a troca de vivências e atualização.
O que é Autismo?
R – Autismo é uma doença grave, crônica, incapacitante que compromete o desenvolvimento normal de uma criança e se manifesta tipicamente antes do terceiro ano de vida. Caracteriza-se por lesar e diminuir o ritmo do desenvolvimento psiconeurológico, social e lingüístico. Estas crianças também apresentam reações anormais a sensações diversas como ouvir, ver, tocar, sentir, equilibrar e degustar. A linguagem é atrasada ou não se manifesta. Relacionam-se com pessoas, objetos ou eventos de uma maneira não usual, tudo levando a crer que haja um comprometimento orgânico do Sistema Nervoso Central.
É uma doença de fundo orgânico ou emocional?
R – Antigamente, supunha-se uma causa orgânica, mas com o avanço da literatura psicanalítica surgiu a hipótese de que os pais seriam, de certa maneira, os causadores desta problemática. Atualmente, esta teoria caiu totalmente em desuso devido à enorme gama de estudos científicos, documentando um comprometimento orgânico neurológico central. O tratamento está, obviamente, centrado nestas novas descobertas, conforme os artigos incluídos neste livro.
Esta mudança nos conceitos obriga a uma reformulação teórica, difícil de ser aceita por certos grupos que até então detinham o controle e o poder de tratamento destas crianças e que se vêem ameaçados com estas novas descobertas. É importante que os pais tenham conhecimentos atualizados para poderem questionar ou escolher o tratamento adequado para seus filhos.
E os pais têm culpa?
R – Antigamente, a literatura psicanalítica formulava a hipótese de que os pais eram “esquizofrenogênicos” ou do tipo “frio” e causadores da problemática de seus filhos. Hoje em dia, este conceito não é aceito, documentando-se nestas crianças, conforme já foi mencionado, um comprometimento orgânico-neurológico central. É claro que nenhum pai quer por vontade própria ter um filho doente ou lesado. É claro, também, que existem situações onde os pais interferem na evolução adequada dos filhos, mas isto não ocorre no Autismo e o diagnóstico diferencial é bastante fácil.
Por que o atraso do desenvolvimento?
R – Não se sabe exatamente todas as causas que levam ao Autismo, conseqüentemente não se consegue explicar corretamente o porquê do atraso do desenvolvimento. Sabe-se, porém, que ele é devido a um comprometimento neurológico central, com alterações no funcionamento de enzimas que levam as células cerebrais a não funcionarem adequadamente, acarretando, quando comprometidas, problemas diversos. Muitas pesquisas têm sido feitas nesta área e descobertas importantes estão vindo à tona, para exatamente melhorar e acelerar este atraso de desenvolvimento.
As crianças com Autismo têm atraso mental?
R – Infelizmente, cerca de 70 a 80% apresentam uma defasagem intelectual importante. Cerca de 60% têm inteligência abaixo de 50 em testagens de QI, 20% apresentam um QI entre 50-70 e apenas 20% têm um QI acima de 70. A maioria mostra uma variação muito grande com relação ao que objetivamente podem fazer e oscilam muito de época para época. Não se sabe explicar exatamente o porquê da associação entre Autismo e deficiência mental, mas parece que o retardo mental está relacionado ao mesmo problema básico que gerou o Autismo. Por outro lado, por não conseguirem interagir adequadamente com o meio ambiente, aumentam ainda mais a sua defasagem intelectual.
Qual a incidência desta doença?
R – Ela é baixa, acontecendo em cinco entre dez mil crianças e é quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas. Ela pode ocorrer em toda e qualquer família, independente de seu grupo racial, étnico, sócio-econômico ou cultural.
Irmãos podem apresentar esta doença?
R – Outrora, não se acreditava que isto poderia ocorrer. Estudos mais recentes indicam que esta doença tem certas características de herança autossômica recessiva. Existe a possibilidade de um irmão apresentar algo semelhante. Porém, do ponto de vista prático, esta possibilidade é muito remota.
Qual a diferença entre Autismo e esquizofrenia?
R – Existem autores que consideram Autismo uma forma precoce de esquizofrenia (SCZ) infantil, outros são de opinião que constituem entidades diversas. Pessoalmente, acho que existem mais dados confirmando a hipótese de serem diferentes. O Autismo se manifesta antes dos três anos de vida, a esquizofrenia mais tarde. No Autismo, o comprometimento é geral, inclusive motor, na esquizofrenia é especificamente na área do pensamento. O sentir também está alterado, mas, enquanto na SCZ só o relacionamento com pessoas não é adequado, no autista o problema é mais global e abrangente. A história familiar do autista não mostra, geralmente, outros parentes com problemas psiquiátricos, o que é muito comum na esquizofrenia. O autista tem um atraso mental, o esquizofrênico não.
Em resumo, o autista é bem mais comprometido e “difícil” que o esquizofrênico. Esta diferenciação é importante quanto ao tratamento, pois a criança com Autismo e atraso no desenvolvimento evoluirá melhor com um tratamento combinando terapia comportamental e educação especial. Já a criança com esquizofrenia infantil, com alteração do pensamento e afeto, responderá melhor a uma associação de psicoterapia, medicação psicotrópica e terapia ambiental.
Como é a abordagem escolar?
R – Com o advento de técnicas especiais de educação para o deficiente mental, ocorreram mudanças dramáticas na capacidade de aprendizado de crianças em geral e, em particular, das crianças com deficiência mental. O enfoque atual é fazer com que estas crianças aprendam conceitos básicos para que funcionem o melhor possível dentro da sociedade. As escolas especializadas, atualmente, individualizam o tratamento para cada criança, tornando assim o aprendizado bem mais específico e eficiente.
Os autistas precisam de psicoterapia ou psicanálise?
R – De psicanálise não, uma vez que esta técnica visa a explorar o inconsciente e as motivações que aí ocorrem. Devido ao grau de lesão que apresentam, elas não se beneficiam desta abordagem, não dispondo de capacidade cognitiva para tal. Técnicas psicoterapêuticas, especialmente desenvolvidas para o deficiente mental, têm sido muito úteis para as crianças que apresentam problemas emocionais diversos. Esta abordagem visa a uma reeducação, facilitando o contato interpessoal e ajudando-as a aceitar melhor a problemática que têm, o que as levará a funcionar mais adequadamente dentro da mesma. É importante, porém, deixar bem claro que estas técnicas só funcionam quando o profissional tem treinamento específico nas mesmas e se sente motivado a ajudar. Além disso, o funcionamento intelectual cognitivo específico destas crianças tem que ser levado em consideração para se dimensionar adequadamente a terapia.
Existe tratamento?
R – Sim, e este vem evoluindo a cada ano que passa, não só na área escolar como também médica. Em linhas gerais, a abordagem destas crianças é semelhante à do deficiente mental grave, usando-se técnicas comportamentais visando a induzir uma normalização de seu desenvolvimento e lhes ensinando noções básicas de funcionamento, tais como vestir, comer, higiene, etc. São utilizadas, também, técnicas especiais de educação detalhadas em grande profundidade neste livro. O uso de medicamentos, tentando normalizar processos básicos comprometidos, está sendo investigado, como é o caso da fenfluramina. O uso de medicação sintomática, para tentar controlar melhor o comportamento destas crianças, tornando-as mais fáceis de tratar com técnicas escolares e comportamentais, está muito desenvolvido. O resultado final é muito mais favorável, atualmente, do que há algum tempo atrás.
E os pais precisam de psicoterapia, psicanálise ou orientação?
R – Os pais que têm filhos com problemas sofrem. Isto é inevitável e sem exceção. E sofrem tanto mais quanto maior for a problemática do filho, a dificuldade de tratamento, a cronicidade do processo e também quanto maior for o seu nível de sensibilidade. Este sofrimento precisa ser abordado não só por razões humanitárias, mas, também, para que funcionem melhor como pais de filhos com problemas. Em outras palavras, esta criança precisa de ajuda de toda e qualquer ajuda e pais que tenham conseguido melhorar o seu funcionamento poderão fazê-lo muito mais eficientemente. Se isto não ocorrer, esta criança deficiente terá pais lhe dificultando ainda mais a vida.
Em resumo, esta criança tem direito a pais saudáveis!!!
Uma terapia ajuda neste sentido.
O que o psicoterapeuta faz ou pode fazer pelos pais?
R – O profissional ajuda os pais a compreenderem, discutirem, entenderem, além de trazer à tona sentimentos universalmente presentes em todos aqueles que têm filhos com problemas, ou seja, negação, culpa, frustração, impotência, ressentimento, raiva, rejeição, além de fantasias diversas. Ele ajuda a “trabalhar” estes sentimentos levando a uma aceitação dos mesmos como algo normal e com isso desenvolve-se uma sensação de alívio e de compreensão. Em resumo, de normalidade.
Somente um psicoterapeuta pode fazer este trabalho?
R – É claro que não. Uma pessoa realmente amiga, pais que já passaram por algo parecido, uma professora com vivência do problema, uma pessoa religiosa, por exemplo, podem ajudar e muito.
O importante é existir neste “ombro amigo” carinho, compreensão e a capacidade de aceitar o sofrimento destes pais, de lhes orientar objetivamente sem críticas pejorativas ou jogo de culpa. A diferença destas pessoas para com o profissional é que este foi treinado para isto.
Qual a diferença entre uma psicoterapia, psicanálise e orientação?
R – Em linhas gerais, todas são técnicas que visam a ajudar um indivíduo, cada uma tendo as suas vantagens e limitações. Existem formas diversas de psicoterapias com “linhas” ou “escolas” diferentes, sendo a psicanalítica a mais divulgada e predominante no nosso meio. Poderíamos situar a psicanálise e a orientação em extremos opostos. A psicanálise, resumidamente, exige que todo o trabalho seja feito pelo paciente, que ele desenvolva uma capacidade de introspecção e auto-análise e que ele conduza a sua terapia trazendo temas e problemas. Já a orientação é direta e objetiva, visando, especificamente, aos problemas dos pais, “orientando-os” no manejo do dia a dia do filho, ensinando-lhes como lidar com situações variadas. Em resumo, de um lado a descoberta por si só, de outro o ensino, utilizando-se as mais diversas psicoterapias. O ideal seria que o terapeuta conhecesse e soubesse usar todas as técnicas ajudando, assim, mais abrangentemente o seu cliente. Em outras palavras, em vez de vender roupas prontas nas quais o freguês talvez não caiba, o bom seria o terapeuta ser um alfaiate que pudesse desenvolver uma terapia “sob medida”, pois “cada caso é um caso” e apesar de semelhanças e generalidades o ser humano é único e exclusivo. O tratamento também deve ser assim.
Do ponto de vista medicamentoso o que existe de objetivo para tratar os autistas?
R – Infelizmente, ainda não existe nenhum medicamento específico para tratá-los, mas pesquisas diversas têm trazido resultados encorajadores como é o caso da fenfluramina, droga que interfere diminuindo o nível de serotonina, um neurotransmissor cerebral. Se ela se mostrar realmente eficaz, será o primeiro tratamento neurofarmacológico específico nesta entidade. Existem outros medicamentos não específicos, como os antipsicóticos ou tranquilizantes maiores, como a thioridazine (Melleril), clorpromazina (Amplictil), haloperidol (Haldol), que atuam controlando certos sintomas de auto-agressão, acessos de raiva descontrolados e tornando a criança mais calma e manejável. Isto aumenta, indiretamente, o seu potencial de aprender e se desenvolver.
Não existe a possibilidade destas medicações sedarem ou doparem a criança?
R – Sim, se forem usadas excessivamente ou em doses altas demais, ou seja, inadequadamente. Conforme já foi dito, o uso de uma medicação do tipo “tranquilizante maior” visa a exclusivamente controlar um certo comportamento como a agressividade, tornando a criança mais fácil de ser tratada por outras técnicas. A dosagem deve ser suficientemente alta para conter este comportamento e ao mesmo tempo baixa evitando a sedação, pois estando dopadas não se beneficiarão destas novas técnicas.
Qual a maneira adequada de utilizar certas medicações?
R – Os termos medicamentos “antipsicóticos” ou “tranquilizantes maiores” são sinônimos. Os bons resultados dependem muito mais de quem os usa do que do tipo ou marca utilizada. O mais usado nos grandes centros é a thioridazine (Melleril) que no nosso meio vem apenas em comprimidos de 50 mg. Usa-se um a dois comprimidos por dia, inicialmente, observando-se a resposta terapêutica. Se não ocorrerem melhoras, aumenta-se a dosagem gradualmente de 50 mg de dois em dois ou três em três dias, podendo-se chegar a 400 mg por dia em uma criança de quatro a seis anos. Obviamente, se tentará evitar, conforme já foi citado, efeitos colaterais desagradáveis, como sedação excessiva. É importante, também, ressaltar que a utilização de uma dosagem baixa sem os efeitos terapêuticos desejados é fútil, pois o paciente estará sujeito aos efeitos colaterais da medicação sem se beneficiar da mesma. De tempos em tempos, cerca de seis em seis meses, a redução da dosagem deve ser tentada, verificando-se a possibilidade de continuar o tratamento sem a utilização de medicamentos. Em outras palavras, quando utilizar uma medicação, isto deve ser feito corretamente. Outra observação importante é o uso concomitante de outras abordagens ou técnicas que, se usadas adequadamente, tornarão a medicação mais eficiente.
Estas crianças são ou podem ser felizes?
R – Todo ser humano tratado com carinho, amor e respeito sente-se querido e amado e, consequentemente, é feliz. Estas crianças não são exceção. As dificuldades que têm causam certos empecilhos para obter carinho, amor e respeito, mas se o adulto souber redimensionar a sua escala de valores, estas crianças se tornam tão queridas quanto qualquer outra e serão felizes. Os pais, por sua vez, passarão a vivenciar esta mesma sensação. O inverso também é verdadeiro. Pais saudáveis e bem equacionados, que souberam reavaliar expectativas e sonhos em relação ao filho, poderão ser felizes e com isso lhes transmitir esta sensação.
Qual é o prognóstico destas crianças?
R – Exatamente por esta questão ser básica para os pais e familiares de autistas, transcrevemos os trabalhos mais atuais sobre este assunto, assim como o pensamento dos maiores pesquisadores nesta área, na parte inicial deste livro. Não faço um resumo, pois “cada caso é um caso” e é fundamental os pais terem um bom e sólido conhecimento teórico sobre esta síndrome.
Autor: Gercélia dos Santos Ramos