O termo cultura vem do latim colere, que significa cultivar ou instruir. No transcorrer do tempo, tal conceito foi utilizado e interpretado sob vários olhares. No século XVII, a palavra cultura significava o cuidado com o campo ou gado. Já no século subsequente, significa não mais um estado, mas uma ação, ou seja, o fato de cultivar a terra. Segundo o pesquisador inglês Edward Taylor, que diz: “a cultura é todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo homem como membro de uma sociedade”, é colocada ainda como algo peculiar, relativo às atividades humanas, produções, formas de expressão, comportamentos e instituições sociais gerados, processados e formatados por um tempo particular (Mouritzen, 1998).
Desta forma, compreendemos que, assim como os adultos, as crianças também são produtoras de cultura. As crianças, ao conviver com os adultos, acabam tendo acesso à cultura dos adultos e, portanto, constroem sua própria cultura. À luz dessa discussão, Corsaro destaca que:
As crianças apropriam-se criativamente da informação do mundo adulto para produzir a sua própria cultura de pares. Tal apropriação é criativa na medida em que tanto expande a cultura de pares (transforma a informação do mundo adulto de acordo com as preocupações do mundo dos pares) como simultaneamente contribui para a reprodução da cultura adulta (2002, p. 114).
Percebemos então que as culturas infantis não são independentes das culturas adultas, uma vez que as mesmas são extremamente importantes para a existência das culturas infantis.
Corsaro (1997) foi um dos primeiros investigadores das culturas da infância e comprovou que as crianças não se desenvolvem de forma individual, mas de forma coletiva, com o outro, num processo cultural que acontece continuamente através das relações de brincadeiras desenvolvidas pelas crianças. Para saber mais sobre o desenvolvimento infantil, você pode conferir o artigo sobre A Importância da Rotina na Educação Infantil.
Buscando compreender melhor sobre o tema culturas infantis, definimos culturas na perspectiva de Cohn (2005), qual seja, não apenas como os produtos dos indivíduos, mas sim algo próximo das delimitações da antropologia. Essa autora determina que o mais importante não é tão explícito, ou seja, “[…] não são os valores ou as crenças que são os dados culturais, mas aquilo que os conforma. E o que os conforma é uma lógica particular, um sistema simbólico acionado pelos atores sociais a cada momento para dar sentido a suas experiências” (p. 19).
É com esta mesma ótica que Sarmento (2003, p. 06) vai afirmar:
[…] à ideia da criança como construtora de cultura poderá levar a considerar o “insucesso escolar” como um fenômeno de desadaptação do discurso didático à recepção infantil, o que, escusado será dizer, corresponde a uma inversão da lógica exclusionista pressuposta nas principais teorias correntes do insucesso, segundo as quais ele se deve às condições individuais ou sociais da recepção da cultura escolar pelos alunos ou aos meios da sua “transmissão”, deixando inquestionada a própria natureza e conteúdos da cultura escolar (cf. CHARLOT, 2000).
Desta forma, compreendemos o quanto temos que cultivar para que possamos chegar a uma escola que cultive conhecimentos, valores e construções produzidas através da cultura produzida pela criança. Só desta forma a escola estará dando voz à criança e, o mais importante, a ouvindo, para que possam construir um currículo através da criança e não só pelo adulto. Isso significa encarar a criança como um ser que possui uma história de vida, um ser historicamente construído que é ativo no processo de construção da sua própria vida.
Atualmente, falar em culturas da infância ainda provoca vários debates. Afinal, o conceito de culturas possui inúmeras significações. Assim, compartilhamos com a escrita de Cohn (2005), quando essa afirma que:
[…] a cultura não está nos artefatos nem nas frases, mas na simbologia e nas relações sociais que os conformam e lhes dão sentido. Assim, um texto, uma crença ou o valor da vida em família podem mudar, sem que isso signifique que a cultura mudou ou se corrompeu. A cultura continuará existindo enquanto consistir nesse sistema simbólico. Nesse sentido, está sempre em formação e mudança. (p. 20)
Nessa direção, ao mencionarmos a ideia de dar voz às crianças, fomentamos ainda mais o fervor das argumentações prós e contras desse debate. Todavia, falarmos em culturas da infância parece um tanto equivocado, pois se sabe que a própria palavra infância epistemologicamente designou alguém sem fala e, portanto, não construtor de cultura. Sabemos também que a criança, durante muito tempo, foi vista apenas como um ser “incapaz”, “folha em branco”, “incompleto” e como uma “tabula rasa”.
Deste modo, as escolas devem ter um olhar atento às manifestações culturais para não passarem despercebidas e se preocuparem em fazer um currículo a partir das crianças e não somente a partir do que pensam os adultos e do que eles acham que seja melhor para crianças, sem ao menos tê-las consultado.
REFERÊNCIAS
CORSARO, W. A. A reprodução interpretativa no brincar ao faz-de-conta das crianças. Educação, Sociedade e Cultura, Porto, Portugal, n.17, p.113-134, 2002.
SARMENTO, M.J. Imaginário e culturas da infância. Cadernos de Educação, Pelotas, v.12, n. 21, p. 51-69, 2003.
COHN, Clarice. Antropologia da criança Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p. 58.
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