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Atualizado em 09/08/2024

Aprendendo a escrever animado, ou animando para aprender a escrever

Este artigo relata a experiência de uma turma de alfabetização no Rio de Janeiro, onde o uso de animações ajudou as crianças no processo de construção da escrita. Descubra como a criatividade e a tecnologia podem transformar o aprendizado.

Aprendendo a escrever animado, ou animando para aprender a escrever

Introdução

Este artigo relata a experiência com a Classe de Apoio da turma de alfabetização, do Rio de Janeiro. O trabalho visava verificar se utilizar uma linguagem diferente da escrita para narrar uma história ajudaria as crianças no processo de construção da escrita. As crianças fizeram uma animação (linguagem gráfica, não-verbal) em computador para, em seguida, escrever em linguagem verbal a mesma história.

A proposta…

Apresentamos para os dois grupos de Classe de Apoio a proposta de cada aluno criar uma história a partir da qual pudesse fazer um filme de animação.

Cada criança deveria criar um personagem desenhando no programa Paint Brush, dar a ele um nome e algumas características específicas.

Em seguida, iriam apresentar seus personagens para os colegas de turma. Cada criança deveria produzir uma história, em animação, utilizando seu personagem e um personagem criado por algum colega.

Depois de produzida a história em animação, deveriam escrever em textos a mesma história. Para saber mais sobre a importância da criatividade na educação, veja nosso artigo sobre atividades divertidas de inglês.

Primeira dificuldade técnica

Em virtude de um problema técnico com a versão utilizada do programa Paint Brush, houve perda total dos arquivos com os primeiros desenhos criados pelas crianças.

Para as crianças, a frustração foi um sentimento muito difícil de viver. Pude perceber que a dificuldade de desenhar com o mouse era grande e, por terem realizado com certa dificuldade, não aceitavam a perda.

Por outro lado, houve um ganho muito grande para os dois grupos, pois a partir daquela experiência criamos uma “defesa”: salvar tudo, antes de iniciarmos e ao longo do trabalho, com frequência.

Outro aspecto que pôde ser trabalhado foi o fato de que nem tudo sai da forma como pensamos e que, muitas vezes, na nossa vida as coisas também são assim: há o desejo, o empenho, e também a frustração…

Foi necessário, então, oferecer uma nova atividade para que pudessem resgatar toda a criação que cada um já tinha feito.

Promovemos uma atividade de massinha (massa de modelar), em que os alunos reproduziram seu personagem com este material. Como antes haviam feito um desenho, espaço exclusivamente gráfico e bidimensional, neste segundo momento criaram uma representação tridimensional do personagem. Sendo outra atividade, não teve em si a ideia de repetição para reparar perda.

O resultado foi muito positivo: cada criança pôde criar e apresentar o seu personagem para os colegas. Foi retomada a proposta inicial, substituindo apenas a forma de apresentação do personagem. Esta apresentação foi filmada pelo Núcleo de Mídia.

Descrição passo a passo

1ª Etapa: Ter uma imagem de seu personagem

Primeiro desenharam os personagens no papel (um esboço). Feito isto, partiram para o Paint e refizeram o personagem utilizando esta ferramenta, desenhando com o mouse, o que requer grande habilidade motora.

Como houve o problema técnico descrito acima, incluímos uma etapa a mais: produzir em massinha imagens dos personagens.

Novamente foram ao Paint refazer o desenho de seu personagem. Este desenho era necessário para ser utilizado na animação.

Interessante foi observar que algumas crianças queriam ser bem fiéis ao seu personagem de massinha procurando fazê-lo com detalhes.

Infelizmente houve, de novo, algumas perdas no momento de salvar os desenhos e um trabalho de ajuda teve que ser feito para que não houvesse mais uma frustração.

Repetimos esta aula somente para aqueles que haviam perdido o trabalho.

2ª Etapa: Story board

Esta etapa consistiu em apresentar às crianças uma proposta de sinopse para que criassem, cada um, um story board de sua história.

A sinopse era a seguinte: o personagem de cada um iria encontrar outro personagem feito por um colega e, em seguida, os dois personagens fariam alguma coisa juntos.

Para a escolha do outro personagem foi apresentada uma galeria com os personagens que eles mesmos criaram. Cada um deveria, então, escolher um personagem feito por outra criança.

Em seguida, as crianças foram convidadas para registrar a história através de desenho com lápis e papel. Os desenhos formavam o story board em quatro quadros.

Num outro momento as crianças fizeram o registro escrito da história, preenchendo espaço pautado sob as imagens do story board que criaram.

3ª Etapa: Fazendo a animação

O desenvolvimento da terceira etapa foi no laboratório de Informática 1.

Levamos um projetor para que pudéssemos apresentar às crianças os recursos e a interface do Web Painter. Não tínhamos notícia de que este programa já tivesse sido usado por crianças desta faixa etária (5/6 anos).

Os nomes das crianças constavam no monitor (como atalho para o Web Painter) e quando elas clicavam em cima do seu nome, o programa abria.

Neste primeiro dia da terceira etapa, as crianças deveriam utilizar quatro comandos do Web Painter:

  • O recorte: marca e recorta uma parte da imagem;
  • As setas direita/esquerda do teclado: move ao longo do quadro a parte de desenho que foi selecionada;
  • A duplicação: duplica um quadro.
  • Salvar: salva o trabalho feito até aquele instante.

Com esses quatro comandos, as crianças iniciaram suas histórias apresentando o seu personagem com um rápido passeio pela tela.

Este momento foi muito tranquilo! (Muito mesmo!)

Todas as crianças conseguiram fazer a caminhada com o seu personagem até o fim da tela. Quando ensinamos que clicando no play daria para ver o efeito de animação foi uma grande euforia!

Como avaliamos que era muito difícil, para crianças desta faixa etária, copiar a imagem feita num programa (Painter) para outro (Web Painter), nós fizemos esta tarefa para todos os alunos. Na aula seguinte, as crianças encontravam na tela sua animação aberta com um novo quadro ao final produzido por nós. Este quadro era cópia do último produzido por eles na aula anterior, no qual incluímos o personagem do colega.

Continuaram trabalhando com os mesmos quatro comandos para movimentar os dois personagens. Neste momento, a atividade ficou intelectualmente mais sofisticada: as crianças precisaram, em cada quadro, animar dois personagens que se moviam em sentidos opostos (para que se encontrassem no centro do quadro).

A produção foi muito positiva e eficiente, pois logo elas se lembraram dos comandos e tiveram autonomia para seguirem em frente.

Algumas crianças solicitaram muita ajuda devido ao fato de que, ao utilizarem a ferramenta de seleção “quadrado pontilhado”, este trazia junto uma parte do cenário existente.

A outra opção seria utilizar a ferramenta de seleção “recorte livre”, mas esta requer muita habilidade com o mouse. A solução foi orientar a maneira como se fazia e auxiliar àqueles que não conseguiam (embora tentassem muito).

4ª Etapa: Avançando

Tínhamos a consciência de que a quarta etapa seria uma atividade mais trabalhosa, pois o número de comandos aumentaria e outras exigências surgiriam, como, por exemplo, diferenciar as células de cenário das células de personagens.

Nesta aula as crianças tiveram que criar um novo cenário para ilustrar o local onde o seu personagem iria passear com o personagem do amigo.

Esta aula apresentou complicadores importantes:

  • Os comandos foram confundidos pelas crianças;
  • O programa trabalha com várias camadas de células, permitindo a criação de fundos e personagens em profundidades diferentes (perspectiva). Este conceito de camadas traz uma dificuldade intelectual intrínseca: exige e desenvolve grande capacidade de abstração.

Na verdade, esta aula deveria ter sido subdividida da seguinte forma:

  • Criar um novo cenário (usando camadas) → uma aula.
  • Realizar a caminhada dos personagens (noutra camada) no novo cenário → outra aula.
  • A solução que encontramos foi repetir as aulas seguindo o planejamento acima. Assim as crianças puderam criar o novo cenário com mais liberdade e tempo. Da mesma forma foi feita a caminhada dos personagens dando oportunidade de andar com cada um deles num espaço de tempo mais lento.

Observamos que, nesta aula, as crianças manifestaram vontade de “incrementar” este capítulo da história e verbalizavam acontecimentos que não estavam registrados na história anterior. Fazer as mudanças propostas trouxe necessidade de uma nova escrita, ampliando e sofisticando a história original.

5ª Etapa: Finalizando

A quinta etapa consistiu em finalizar a animação da história.

Esta aula foi bem tranquila porque os comandos já eram conhecidos e o cenário já estava pronto. Restava, apenas, andar com o personagem e/ou personagens, podendo alterar, também, qualquer desenho do cenário.

Neste dia, dissemos para as crianças que nossa história estava chegando ao fim e que aquela seria a última aula no laboratório de Informática.

Todas as crianças (sem exceção) fizeram comentários do tipo:

– “Ah! Que pena…”
– “Por que a gente não começa uma nova história?”
– “Agora eu queria fazer uma história com outro personagem.”

Fato relevante: estes indicadores do envolvimento das crianças nas atividades são especialmente importantes, apontando para a relevância da atividade, pois, no início das aulas de Classe de Apoio, essas crianças demonstravam muita dificuldade e falta de interesse por qualquer atividade.

6ª Etapa: Reescrevendo

Esta etapa se deu na própria sala de aula. O objetivo era voltar a escrever a história. Cada criança recebeu uma folha de papel com 5 células da sua história formando uma tirinha (como uma história em quadrinhos) na parte superior da folha e, no espaço abaixo, pautas para dar nova redação à sua história. O resultado deste trabalho de registro pode ser visto nas atividades dos alunos, onde também se encontram as animações que produziram.

Explicamos às crianças que elas teriam três possibilidades:

  1. Escrever a mesma história que já estava pronta;
  2. Escrever a mesma história, porém alterando as partes que quisessem;
  3. Escrever uma nova história, mas que fosse coerente com a animação feita no computador.

Tendo em mãos a antiga história, as crianças fizeram uma leitura para relembrarem o que haviam escrito e, a partir daí, decidiram o que fazer.

As decisões quanto a o que fazer da história tiveram a seguinte distribuição:
. Um grupo de 8 crianças decidiu escrever a mesma história (8/23);
. Um grupo de 12 crianças decidiu escrever a mesma história, mas alterando alguma parte (12/23);
. Três crianças decidiram criar uma nova história, mas que fosse coerente com a animação feita (3/23).

Observamos que, de uma forma geral, os textos produzidos pelas crianças neste segundo momento eram maiores do que os originais. Verificamos, também, que em alguns casos houve a preocupação de dar um título para a história. Percebemos ainda prazer de recontar a história e o surgimento de uma preocupação com a legibilidade caligráfica.

Ao pé do ouvido…

Foi revelador ouvir os comentários das crianças sobre como seria a nova versão de suas histórias:

– Eu vou mudar, sim. Porque agora o meu filminho não é igual à minha história que eu fiz naquela folha do quadrado.

– Ih… aqui eu tenho que escrever que o boneco de neve já derreteu porque eu fiz no computador uma poça de água com o sol derretendo ele.

Nos dois casos, os alunos demonstram preocupação de coesão e coerência entre as versões em animação e escrita. As duas histórias ficaram mais ricas em detalhes quando passaram do story board inicial para a animação.

– Eu gostei tanto da minha história que eu quero fazer ela assim mesmo…

Demonstra autoconfiança e autoestima em alta. Seu trabalho em desenho foi frequentemente elogiado por diversos observadores externos.

– Eu vou ter que mudar aqui porque eu fiz uma nave que não tinha na outra história.

A história evolui e se sofisticou com a produção da animação. Como os colegas citados acima, demonstrou preocupação de coesão e coerência entre as versões em animação e escrita.

Diálogos entre a criança e a professora:

Diálogo 1

Aluno: Posso colocar aqui que um dia o gato encontrou com o boneco de neve porque o mundo girou?
Professora: Pode, claro! Mas por que você está me perguntando se pode?
Aluno: Porque na minha história antiga eu escrevi assim: o mundo girou e ele encontrou com o boneco de neve.
Professora: Poxa, que legal! Se você quiser pode. Lembre-se de que o autor da história é você! O autor pode tudo…

Diálogo 2

Aluno: Eu não fiz o final da minha história. Posso inventar agora?
Professora: Acho que sim porque história sem final é sem graça, não é mesmo?
Aluno: Eu até já sei como eu vou terminar!
Professora: E como é que você vai fazer?
Aluno: Eu vou dizer que o cachorro ganhou no vídeo-game e foram para casa.
Professora: E o final da sua história você fez um cenário de acordo com o que você está me dizendo?
Aluno: Fiz, olhe! Esta é a casa dele que eu fiz com spray.
Professora: Nossa! Ficou linda a sua casa! Então termine sim…

Caso interessante:

O aluno José Luiz já estava com indicação forte para uma repetência devido ao seu desinteresse pela leitura/escrita. Ele não lia e não escrevia nada (já a meio do 2º semestre).

Em meados de setembro, José começou a demonstrar um certo interesse pela escrita e leitura. Sua mudança foi surpreendente! Ao final da Classe de Apoio ele estava lendo e escrevendo de tudo.

A história do seu filminho ganhou o título de O robô que nasceu… Seu primeiro parágrafo descreve o seguinte: O robô nasceu e estava triste, O nome dele era Cufu. E o boneco de neve falou: e eu também nasci!

Veja a produção dos alunos:

Autor: Cláudia Vilasbôas

Professora de alfabetização do Colégio Santo Inácio (RJ)

Alberto Tornaghi

Coordenador da Extensão da Fundação Cecierj


Este texto foi publicado na categoria Metodologias e Inovação Pedagógica.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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