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A Pobreza e a Desigualdade Social

Este artigo explora como a desigualdade social contribui para a pobreza, destacando a importância de combater essa desigualdade para melhorar a qualidade de vida das pessoas em todo o mundo.

A Pobreza e a Desigualdade Social

A Pobreza e a Desigualdade Social


Introdução

As intensas visibilidades que alguns problemas sociais adquiriram no Brasil nas últimas décadas acabaram produzindo estereótipos de fácil circulação que tornam difícil sua compreensão. Ou porque os simplificam indevidamente ou porque os propõem como becos sem saída, como estados terminais de uma sociedade enferma, gerando evidências de um abismo social, de um precipício de banidos, de uma cova do que chamamos de socialmente excluídos, como exemplo, os moradores de rua. Contudo, excluídos esses, que ainda assim possuem opinião, consciência e visão única, particular e especial dos problemas sociais pelas situações e dificuldades vividas diariamente. Não se pode deixar de verificar se a consciência que têm os que se inquietam com os problemas sociais coincide com a consciência que dos problemas têm quem deles é vítima. Para isso, se faz necessário pesquisar o outro lado da moeda, lado esse que os meios de comunicação e grande parte da população não se interessam em conhecer, como os pobres veem a pobreza?

O tema da pobreza nos põe diante de um conjunto grande de incertezas em relação à sociedade contemporânea e à nossa capacidade de sair do abismo que elas representam. Independente das definições vagas da problemática social que esse tema suscita, seu uso representa ao mesmo tempo um clamor de consciência e uma visão pessimista e sem saída da realidade sociais de nossos dias. Mas, na angústia que o motiva, representa também a demanda de uma compreensão positiva e libertadora das causas e características dos problemas que a consciência social assinala, teme e questiona. O que pede, portanto, o trabalho intelectual crítico em relação à prática social e política fundada na estreiteza e nas deturpações dessa concepção limitada e limitante.

Essa compreensão, às vezes penosa, depende de que tenhamos clareza a respeito da exclusão que denunciamos. Depende de que compreendamos suas origens, seus modos de manifestação, os desastres sociais a que se associa, seu lugar, sua dinâmica social, e até sua função no modelo de desenvolvimento econômico cujas ricas possibilidades são negadas continuamente na perversa tenacidade de injustiças que nos inquietam.

Os problemas sociais não poderão ser resolvidos se não forem desvendados inteiramente por quem se inquieta com sua ocorrência e atua no sentido de superá-los. E o meio de fazê-lo é através do conhecimento sociológico, conhecimento crítico, isto é, o conhecimento que, ao mesmo tempo, os situa, explica suas causas e características, e situe as dificuldades dos entendimentos que temos sobre eles. Só assim poderemos, também, chegar ao modo de como a vítima interpreta sua situação, que saídas vê nela. A sociologia não pode ser boa sociologia se não incorporar à sua análise a consciência social, enquanto dado, que a vítima das situações sociais adversas tem da adversidade e de si mesma. Para enfrentar essa dificuldade, é essencial reconhecer os ardis da sociedade contemporânea, os obscurecimentos de que ela se reveste para fazer do autoengano um meio de sua persistência e reprodução.

Contudo, uma coisa é fato: a desumanização que alcança o favelado é bem distinta da desumanização que alcança quem faz discurso sobre o favelado. A desumanização dos operários das fábricas têxteis da família de Frederico Engels, em Manchester, Inglaterra, no século XIX era bem diversa da humanização do próprio Frederico Engels, parceiro de Karl Marx, e autor de obras fundamentais de denúncia das péssimas condições de vida da classe operária de seu tempo. Essa desumanização de um dos pais do socialismo era em tudo diversa da desumanização em que viveu sua companheira, uma operária que ele nunca apresentou nos círculos sociais que frequentava e que nunca reconheceu publicamente como esposa, a não ser, por pressão dos amigos, no momento de agonia, na hora em que ela estava morrendo, quando com ela ele se casou.

Tudo parece indicar, nesta altura, que estamos em face de um desencontro entre o modo como as vítimas da adversidade se situam no mundo e o modo como os acadêmicos, os militantes, os religiosos, veem essa situação de adversidade e suas vítimas. Portanto, mais do que o real problema social que se oculta por trás da concepção de pobreza, é necessário compreender essa interferência “de fora” dos que não têm esse problema, no caso o da exclusão social.

O objetivo deste trabalho foi pedagógico no sentido de questionar para esclarecer, provocar para elucidar e ampliar o conhecimento das situações e de atuações sociológicas. É também de meu interesse poder construir uma interpretação crítica e sociológica da realidade social através dessas manifestações, dessas contradições e irracionalidades da sociedade atual. Isto é, uma interpretação que vá além das barreiras e ocultamentos que a concepção de pobreza acarreta ao entendimento consistente dessa realidade, pois convém lembrar que a pobreza já não é mais nem principalmente a carência material. As pobrezas se multiplicaram em todos os planos e contaminaram até mesmo âmbitos da vida que nunca reconheceríamos como expressões de carências vitais.

Por fim, devo agradecer, sinceramente, aos trabalhadores do lixão e aos moradores de rua que fizeram deste trabalho sociológico algo consistente e real, visto que minha bagagem de vida tornaria esse tema limitante por completo. Também é de extrema importância agradecer aos sociólogos e antropólogos que dedicam toda uma vida em busca de respostas e soluções para o problema globalizado que a pobreza se tornou, pois somente através de seus estudos podemos ter uma visão profunda e verdadeira de um lado da sociedade que de certo muitos não conhecem, mesmo tendo a comprovação de que a exclusão moderna é um problema que abrange a todos: uns porque os priva do básico para viver com dignidade, como cidadãos; e a outros porque lhes impõe o terror da incerteza quanto ao próprio destino e ao destino dos filhos e dos próximos.


A Sabedoria da Pobreza

A concepção de abismo tem aqui funções metodológicas, pelas revelações que podem ser sociologicamente obtidas quando o pesquisador se situa na perspectiva das populações cuja vida se desenrola nos extremos das situações adversas, como fiz. Neste trabalho, o conhecimento crítico torna-se possível pela adoção do método de investigar e explicar sociologicamente a partir da experiência e da visão de mundo das vítimas das adversidades sociais. E, por esse meio, chegar às estruturas profundas e às contradições essenciais da sociedade e retornar ao visível, imediato e cotidiano. Ao situar-se no fundo do abismo social que marginaliza e exclui, é o pesquisador que pode ver e interpretar os significados da crise e as irracionalidades e contradições da sociedade contemporânea. Porque desse lugar ele pode ver na perspectiva aos que padecem, na dimensão reveladora do que é limite e de quem está no limite.

Para isso, e com a intenção de tornar essa pesquisa sociológica mais consistente e real, se fez necessário capturar o olhar e a opinião das pessoas que dividem essas situações tão adversas no seu cotidiano, e o fiz através de opiniões e experiências relatadas pelos trabalhadores do lixão do Setor de Clubes Sul, mais conhecidos como Cerrado.

As entrevistas se deram com trabalhadores entre 35 e 50 anos, casais com filhos e mães solteiras. Pessoas extremamente humildes, contudo extremamente educadas. Não houve sequer um local onde tenha ido ao qual fui maltratada ou desrespeitada, apenas locais onde gentilmente os trabalhadores não se mostraram dispostos a conversar, ou por receio de se exporem a desconhecidos ou por pura descrença na possibilidade de mudanças que aquela entrevista teria.

Durante todo o processo dos depoimentos feitos, surpreendeu-me imensamente a consciência que os entrevistados tinham da realidade de sua situação e da realidade do mundo. Possuem a completa percepção da politicagem feita no Brasil e direcionam toda a atenção e preocupação para que os filhos tenham oportunidade de ter uma vida melhor e diferente da deles. Alguns, já martirizados pela vida, não riem com facilidade nem falam muito, mas sabem que só são diferentes dos “ricos” pelas diferentes oportunidades que tiveram, pois a capacidade é a mesma. Outros, ainda mais humildes e inseguros, são felizes por possuírem tudo o que precisam, tudo que Deus quis que eles possuíssem. Contudo, não há como disfarçar a dificuldade de suas vidas, o penoso e sacrificante cotidiano a que são submetidos pela preconceituosa sociedade em que vivem, sociedade que destrói a possibilidade de futuro dessas famílias, como podemos observar no relato feito pelo Sr. Jacinto, morador e trabalhador do lixão: “Tive de vir pra cá, por causa de que não teve mais jeito, senão do que que nóis ia vive? Lá fora ninguém da chance pra nóis não, outro dia mesmo fui tenta um emprego e um menino com muito menos trabalho de vida do que eu pegou a minha vaga de pedreiro, e ai me mandaram procurar outro porque tava muito velho pra aquele, também queria poder ter um lugarzinho só meu e da minha família, mas o governo num aceita por causa de que não tenho o mesmo salário todo mês. Ai ficou difícil..”. Ou seja, como ter uma perspectiva de vida, de futuro com a sociedade excluindo e martirizando-os dessa forma? Chegaram a um ponto onde a desistência se torna reconfortante, na perspectiva de não sofrerem aquela situação, aquele repúdio novamente, fato comprovado no depoimento a seguir, da Sra. Damiana, uma mãe de família, que mora e trabalha no lixão há quinze anos e sustenta seus sete filhos sozinha: “Eu só vou pra lá (centro da cidade) porque tem que ir mesmo, porque eu sinto vergonha de mim, sou sozinha e analfabeta”. Contudo, há os que ainda lutam contra o desânimo e humilhação, refletindo em palavras e atitudes, a coragem e sabedoria da superioridade de pensamento que possuem, como o da trabalhadora e moradora do lixão, Sra. Jesuíta: “O pessoal grita e xinga, dizendo pra gente tira nossa carniça velha do meio da rua porque eles querem passar, só que eu finjo que nem escuto porque eles que tem freio é que tem que freiar! Eu num gosto de ouvir isso não porque não tenho culpa de ser pobre, mas eles são burros demais pra entender isso, então eu fico calada.”.

Foi extremamente emocionante e revelador ouvir e participar desses depoimentos. E só os resta realmente ficar calados, como a Sra. Jesuíta sugere, porque talvez o verdadeiro problema mundial seja que a sociedade não está preparada para admitir e ouvir o que essas pessoas, que possuem a vida tão oprimida, têm a dizer sobre essa sociedade tão opressora.


Conclusão

Muito inquietante realizar um trabalho sobre pessoas ditas ignorantes, alienadas, inferiores e saber que você não pode convencer o mundo de que elas são simplesmente o oposto a isso tudo. De fato, pode-se concluir que a pobreza é um pólo invisível de um processo cruel de nulificação das pessoas, descartadas porque, como o senhor Jacinto, já não conseguem mais submeter-se à contínua ressocialização que delas fazem apenas um objeto e não mais um sujeito.

Contudo, me alegro em concluir após essa pesquisa que a maioria dessas vítimas sociais vêem sua pobreza como consequência de falhas nas oportunidades entre as pessoas e não pela incapacidade própria. Reconhecem que a pobreza material é um abismo entre eles, mais um abismo que é cavado e conduzido pela sociedade que os subjulga “diferentes”, mas que também não os dá condições de serem “iguais”.

Posso afirmar, a diferença que meu trabalho surtiu para minha conscientização própria, conscientização essa que não teria se efetivado se houvesse baseado meus estudos apenas em gráficos e estatísticas. Sei que para a sociedade este trabalho ainda não significará nada, visto que não fazem ideia da realidade que essas vítimas dividem seu cotidiano, e continuarão não o fazendo, até que chegue o dia em que terão que sentir na pele a mesma insegurança, incapacidade e exclusão que tantas outras já sentiram e o imenso peso da insignificância e relevância de que nada foi feito. Pude transformar, em mim, visões até então distorcidas pela parecida reflexão que eu mesma tinha para com essas vítimas do sistema capitalista, que se mantém e sempre se manterá, na geração de lucros baseada na exploração das pessoas.


Bibliografia

MARTINS, Souza, José de, Exclusão Social e a Nova Desigualdade, Editora Paulus, 2003.

MARTINS, Souza, José de, A Sociedade Vista do Abismo, Editora Vozes, 2002.

BUARQUE, Cristovam, O que é Apartação – O Apartheid Social Brasileiro, Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 1994.

Autor: Carolina Laterza Prazeres


Pedagogia ao Pé da Letra
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