A nova lei de diretrizes e bases e a formação de professores para a educação básica
Djalma Pacheco de Carvalho*
Resumo
Este artigo analisa os dispositivos legais inclusos na Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), visando identificar, compreender e avaliar a intencionalidade de suas propostas para a adoção de posturas pertinentes. Contém observações que possam ser consideradas nos estudos e reflexões sobre os rumos dos cursos e programas de formação de professores para a educação básica.
Unitermos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), níveis de escolarização, formação docente, carreira do magistério.
Abstract: This paper tries to show the legal regulations included in the new law and guidelines of the Brazilian Educational System (LDB), in order to identify, to understand and to evaluate the meanings of its proposals to adopt pertinent postures. It contains remarks which can contribute to study and to reflect on the formation of basic education teachers programs course.
Keywords: Brazilian Educational Laws and Guidelines (LDB), levels of schooling, teaching formation, teaching career.
Apontamentos sobre a LDB
Com a aprovação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o dia 20/12/96 assinala um momento de transição significativo para a educação brasileira. Nessa data, completados 35 anos, revogou-se a 1ª LDB com as alterações havidas no período, entrando em vigor nossa 2ª LDB. O Chefe do Poder Executivo sancionou a Lei 9.394/96, denominando-a “Lei Darcy Ribeiro” e, com este ato, dividiu, formalmente, a conhecida história da Nova LDB: um primeiro momento, caracterizado por amplos debates entre as partes (Câmara Federal, Governo, partidos políticos, associações educacionais, educadores, empresários etc.) e outro, atrelado à orientação da política educacional governamental e assumido pelo professor homenageado. Na disputa entre o coletivo e o individual, entre a esfera pública e a esfera privada, entre os representantes da população e os representantes do governo, está vencendo a política neoliberal, dominante não só na dimensão global, mas também com pretensões de chegar a conduzir o trabalho pedagógico na sala de aula.
Objetivo
A busca da qualidade (total), no sentido de formar cidadãos eficientes, competitivos, líderes, produtivos, rentáveis, numa máquina, quando pública, racionalizada. Este cidadão – anuncia-se – terá empregabilidade e, igualmente, será um consumidor consciente. A lei foi produzida, existe. Enquanto lei, resta-nos identificar, compreender e avaliar a intencionalidade de suas propostas, para a adoção das posturas pertinentes.
CIÊNCIA & EDUCAÇÃO
Todavia, as recentes diretrizes e bases da educação nacional não têm o poder, por si só, de alterar a realidade educacional e, de modo especial, a formação inicial e continuada de professores, mas podem produzir efeitos em relação a essa mesma realidade, de tal modo que, de acordo com Saviani (1990), numa avaliação posterior, podem ser considerados positivos ou negativos. De modo geral, em alguns aspectos a legislação provoca consequências positivas; em outros, consequências negativas. Daí a importância deste momento para o encaminhamento de questões essenciais sobre a formação dos profissionais da educação e, de modo especial, a formação de docentes, objeto deste artigo.
A educação e a sociedade são temas que se entrelaçam e que devem ser considerados na formação docente.
No momento atual, necessitamos de uma política pública de formação, que trate, de maneira ampla, simultânea e de forma integrada, tanto da formação inicial, como das condições de trabalho, remuneração, carreira e formação continuada dos docentes. Cuidar da valorização dos docentes é uma das principais medidas para a melhoria da qualidade do ensino ministrado às nossas crianças e aos nossos jovens. E, de acordo com a Constituição, fundamento do deve ser, a “valorização” é conteúdo próprio do capítulo que trata da Educação, dispondo, em termos de princípio, sobre a “valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurando regime único para todas as instituições mantidas pela União”. Estes princípios estão explicitados na Nova LDB.
Formação de Profissionais, Finalidade e Fundamentos
Por essas razões, procuraremos apontar os dispositivos legais inseridos na Nova LDB com algumas observações que possam ser consideradas nos estudos e reflexões sobre os rumos dos cursos e programas de formação de professores para a educação básica. Durante três décadas e meia, a estrutura e o funcionamento dos cursos de formação dos profissionais da educação tiveram por fundamento legal a 1ª LDB e suas alterações, sobretudo as introduzidas pelo Regime Militar. Com a edição da Lei n.º 9.394/96, nova normatização começa a ser debatida e implementada. Assim, os cursos de formação dos profissionais da educação que vinham funcionando, agora objeto de reflexão e questionamento sob a Nova LDB, têm a moldura da legislação revogada.
A Nova LDB, neste momento de transição normativa, fixa, em relação aos Profissionais da Educação, diversas normas orientadoras: as finalidades e fundamentos da formação dos profissionais da educação; os níveis e o locus da formação docente e de “especialistas”; os cursos que poderão ser mantidos pelos Institutos Superiores de Educação; a carga horária da prática de ensino; a valorização do magistério e a experiência docente. A seguir, trataremos desses temas. No entanto, para melhor compreendê-los, de início, faremos algumas referências aos níveis da educação escolar, pois a formação dos profissionais da educação básica é estruturada de acordo com as etapas desse nível de ensino.
Níveis da Educação Escolar
É de todo conveniente iniciar com uma visão ampla da organização da educação escolar brasileira, pois os professores que se pretende formar destinam-se aos níveis e etapas dessa organização. Assim, iniciamos por lembrar que ela se compõe de dois “níveis”: [1] a educação básica, constituída de três “etapas” — educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e [2] a educação superior. A par desses níveis da educação, os quais podemos chamar de “regulares”, a Lei nos contempla com outras modalidades de educação: a educação de jovens e adultos, a educação profissional e a educação especial. Em relação à educação escolar indígena, prevista nas disposições gerais, pela sua especificidade, há que ser regulamentada e tratada no quadro geral da formação de profissionais da educação, tendo em vista “manter programas de formação de pessoal especializado”, destinado a tais comunidades.
Educação Básica
No nosso Estado, como fora anunciado mesmo antes da Nova LDB, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo reorganizou a rede pública estadual, oferecendo o ensino nas unidades escolares com classes de (I) ciclo básico a 4ª série, (II) 5ª a 8ª série, (III) 5ª a 8ª série e 2º grau e (IV) 2º grau, agrupando os alunos em prédios distintos, segundo as “faixas etárias mais próximas”. Desta forma, passamos a ter, de fato, os mesmos níveis de ensino do final da década de 60: educação infantil, “primário”, “ginásio” e “colégio”. Consequentemente, vem-se mantendo a mesma estrutura a partir da qual se pensa a formação de profissionais para a educação básica: docentes para cada uma dessas etapas, como se depreende dos textos legais.
Formação Docente para Atuar na Educação Básica
A Nova LDB, ao estabelecer a finalidade e os fundamentos da formação profissional, utiliza a expressão formação de profissionais da educação e, mais adiante, refere-se à formação de docentes. Para melhor compreensão dessas expressões, utilizaremos o entendimento de Freitas (1992), que nos parece apropriado para isso. Segundo esse autor, profissional da educação é “aquele que foi preparado para desempenhar determinadas relações no interior da escola ou fora dela, onde o trato com o trabalho pedagógico ocupa posição de destaque, constituindo mesmo o núcleo central de sua formação”. Portanto, não há identificação de “trabalho pedagógico com docência, sendo este um dos aspectos da atuação do profissional da educação”. No entanto, ainda de acordo com Freitas, há que se reafirmar que a formação do profissional da educação é a “sua formação como educador, com ênfase na atuação como professor”. Este entendimento nos permite melhor ajuizar sobre as disposições legais referentes à matéria objeto deste artigo.
Finalidade da Formação
A Lei coloca como finalidade da formação dos profissionais da educação “atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase de desenvolvimento do educando”. Assim, criar condições e meios para se atingir os objetivos da educação básica é a razão de ser dos profissionais da educação.
Formação com Tal Finalidade
Terá por fundamentos, segundo a Lei, “a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante capacitação em serviço” e “o aproveitamento da formação e experiências anteriores”, adquiridas, estas, não só em instituições de ensino, mas também em “outras atividades”, que não do ensino.
Local de Formação Docente
No ensino superior: Universidades e Institutos Superiores de Educação – locais próprios para a formação de docentes e especialistas para a educação básica – a Nova LDB nomeia os seguintes cursos, admitindo, no nível médio, como formação mínima, a modalidade normal, conforme quadro a seguir. Nos subtítulos seguintes serão feitas algumas considerações sobre esses cursos e programas.
Nova LDB – Nível Superior – Cursos e Programas
Cursos e Programas
Base Legal
Curso de licenciatura, de graduação plena art. 62
Cursos formadores de profissionais para a educação básica art. 63, I
Curso Normal Superior (Educação Infantil e 1ªs séries) art. 63, I
Programas de formação pedagógica (Diplomados E. Sup.) art. 63, II
Programas de Educação Continuada art. 63, III
Curso de Pedagogia (profissionais de educação para E. Básica) * art. 64
Curso de Pós-graduação (Idem) * art. 64
* A critério da Instituição, garantida a base comum nacional
Instituto Superior de Educação
Sobressai, dentre as normas legais, o Instituto Superior de Educação (ISE), como o novo locus destinado pela Nova LDB a manter cursos e programas para a formação de profissionais de educação, inicial e continuada, sobretudo para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, devendo desenvolver atividades até hoje limitadas às Faculdades de Educação, Centros de Educação e Institutos de Ensino Superior. A ideia do ISE já antes da aprovação da Nova LDB vinha sendo questionada, principalmente como descaracterizadora das Faculdades de Educação. A nova legislação aprovada impõe, agora, outra ordem de preocupação, a saber: quais os impactos da lei sobre a realidade atual. E, para tanto, é necessário considerar que o ISE não figurava no Projeto de Lei da Câmara, aprovado no dia 13/05/93, nem no Substitutivo do Senador Cid Sabóia, ambos frutos de amplas discussões entre as partes interessadas.
Desqualificação Profissional
Dentre a relação de cursos e programas de formação profissional que figuram no quadro acima, verificamos a inserção de “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica”. Essa possibilidade, da forma como está proposta, merece reparos, pois revela uma postura que leva à desqualificação da formação docente: esse programa não se destina especificamente a formar quadros para a educação profissional e, também, não se trata de uma norma necessária para atender ou atenuar problemas regionais, locais ou de caráter transitórios relativos à carência de professores habilitados.
Neste caso, um parágrafo estabeleceria tal transitoriedade. Então, qualquer um, com formação inicial em outra área profissional, desde que queira, desde que deseje, poderá tornar-se professor, bastando o acréscimo de estudos de natureza pedagógica. Dada a situação econômica do país, com o crescente aumento do desemprego, a primeira faixa de candidatos deverá constituir-se desses diplomados, caso a atividade informal que possam estar exercendo propicie rendimentos inferiores aos do magistério. Essa norma, no entanto, está conforme as diretrizes do Banco Mundial, para quem a docência é uma questão de treinamento e não de formação inicial. A ênfase está no treinamento do professor, com o que se tem maior controle do processo educacional.
Formação Fragmentada
Vimos que, de acordo com o texto da LDB, as várias possibilidades de formação docente inicial e continuada centram-se nos Institutos Superiores de Educação, que podem estar ou não vinculados às Universidades. A nova regulamentação possibilita o parcelamento da formação profissional de acordo com as etapas da educação básica, ratificando a clássica divisão: educação infantil, “primário”, “ginásio” e “colégio”. Esta divisão será reforçada, pelo menos no Estado de São Paulo, com a “transferência” do “ensino primário” para o poder municipal, pelo menos nesta primeira fase de implantação das parcerias.
Queremos dizer que tudo está a indicar que a formação do docente para a educação básica continuará a ser fragmentada, talvez reforçada, diante da realidade que se vai configurando.
Proposta Pedagógica
Relacionada com essa problemática, outra inovação na LDB que diz respeito diretamente à formação do docente, consiste na participação deste na elaboração, execução e avaliação da proposta pedagógica da escola, primeira incumbência dos estabelecimentos de ensino e, ao mesmo tempo, expressão efetiva de sua autonomia pedagógica, administrativa e de gestão, respeitadas as normas e diretrizes do respectivo sistema.
Agora, na escola, tudo começa, desde logo, pela elaboração da proposta pedagógica. Esse “é o passo primeiro, o ato originário da instituição. Tudo o mais deve vir depois. O que se deseja instaurar é o princípio da realidade pedagógica, que se funda na autonomia da escola”. O CEE, usando termos de Azanha, continua seu esclarecimento, dizendo, dentre outras coisas, que elaborar o projeto pedagógico é um exercício de autonomia.
Considerações Finais
Sendo uma lei enxuta e aberta, a “Lei Darcy Ribeiro” deixa para a sua regulamentação (leis ordinárias, decretos, resoluções, portarias etc.) e implementação, a definição de boa parte dos objetivos, conteúdos e da própria “moldura” do sistema escolar brasileiro. Produzida em tempos de “globalização”, a Nova LDB poderá, com facilidade, se ajustar à conjuntura, ou seja, aos acontecimentos, cenários, atores, relações de forças e de articulação entre estrutura e conjuntura e, desta forma, ser capaz de proporcionar aos governantes os meios necessários para a implementação de políticas educacionais adequadas à redução do Estado, inclusive na área da educação obrigatória e gratuita. Assim podendo ser, precisamos estar atentos para as restrições e ampliações de preceitos constitucionais e da própria LDB, quando objetivam elas somente o atendimento dos interesses das elites, de dentro ou fora do poder. É uma tarefa difícil, pois as autoridades responsáveis por tais regulamentações, grosso modo, se identificam com a política governamental excludente, escancaradamente do lado do capital financeiro internacional, responsabilizando-se pelos ajustes econômicos incidentes quase que exclusivamente sobre a esfera executiva e sobre as classes subalternas.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996.
SAVIANI, D. A Nova Lei de Diretrizes e Bases. In: Pro-Posições, Campinas, n. 1, p. 713, mar. 1990.
AGUIAR, M.A. Institutos superiores de educação na nova lei de diretrizes e bases da educação nacional. In: BRZEZINSKI, I. (Org.). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997. p. 159-60.
GATTI, B. A. Curso de pedagogia em questão ou a questão da formação dos educadores. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1998. (mimeo. 6)
SOUZA, H. J. de. Como se faz análise de conjuntura. 13.ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
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