A Importância dos Jogos e Brincadeiras na Clínica Psicopedagógica
INTRODUÇÃO
Brincadeiras, brinquedos e jogos sempre estiveram presentes no cotidiano da vida infantil. As crianças ensinam que uma das maiores qualidades do brinquedo é a sua não seriedade, pois é por meio dele que sua imaginação, fantasia, desejo e emoção fluem livremente.
Através da brincadeira, a criança exercita todas as suas potencialidades, desenvolvendo seu lado social, motor e cognitivo. Segundo Piaget, as crianças não raciocinam como adultos, sendo elas as próprias construtoras ativas do conhecimento, vivendo constantemente criando e testando suas teorias sobre o mundo.
Através do brincar, valores, crenças, normas, leis, regras, hábitos, costumes, história, princípios éticos e conhecimentos são construídos, transmitidos e assimilados pela criança. A saúde mental é um aspecto importante a ser considerado nesse processo.
Ressalta-se ainda que a apropriação da cultura resulta das interações lúdicas entre a criança, os instrumentos de brincar, ou seja, os brinquedos criados a partir de imagens, significantes e significados próprios da cultura do grupo ao qual pertence a criança, outras crianças e os adultos com quem convive e interage.
Brincando, a criança vai construindo sua identidade, se desenvolvendo e aprendendo. Temos aí o brincar como fenômeno psicológico e psicopedagógico, como uma necessidade e um fator determinante no desenvolvimento integral do sujeito humano (desenvolvimento físico, mental e emocional), na constituição de sua personalidade, na construção de sua identidade, como fator de relação e comunicação com outros sujeitos e consigo mesmo.
No campo dos jogos infantis, vê-se a existência de teorias diversas que, apesar de suas diferenças, se complementam. O que os autores apontam com insistência é a inexistência de pesquisas que demonstram a relevância do jogo no contexto social. Para o aperfeiçoamento nesse campo, é necessário que o psicopedagogo e o professor trabalhem juntos, com um referencial comum, rastreando as brincadeiras dentro do contexto cultural, contando com a colaboração de sociólogos e antropólogos.
Além disso, é preciso investigar atentamente como os jogos são mencionados nos Currículos de Educação Infantil; é necessário que os profissionais de educação infantil tenham acesso ao conhecimento produzido na área da educação infantil e da cultura em geral, para repensarem sua prática, se reconstruírem enquanto cidadãos e atuarem enquanto sujeitos da produção de conhecimento.
O problema que poderá responder à revisão da literatura que vem logo a seguir indaga como trabalhar jogos e brincadeiras na clínica psicopedagógica?
O objetivo geral é averiguar a utilização de jogos e brincadeiras na clínica psicopedagógica.
Os objetivos específicos são: abordar o lúdico, caracterizar a clínica psicopedagógica e explicar o lúdico na clínica psicopedagógica.
A escolha do tema em pauta deve-se ao fato de defender uma prática psicopedagógica com base em atividades lúdicas, baseadas em jogos e brincadeiras, que nos remete à transformação do espaço da clínica psicopedagógica em um espaço dinâmico e integrador, não apenas pela ótica da intervenção pelas dificuldades de aprendizagem, mas da formação plena do indivíduo.
Torna-se importante o estudo do tema sobre a importância dos jogos e brincadeiras na clínica psicopedagógica, porque as atividades lúdicas são processos que envolvem o indivíduo e sua cultura, adquirindo especialidade de acordo com cada grupo. Essas atividades envolvem emoções, afetividade e aproximação entre as pessoas, pois o lúdico torna-se um motivador por si só, trazendo novas situações, novos desafios e interação social.
A elaboração desse trabalho contribui para que possamos repensar as atuais práticas de atividades lúdicas na clínica psicopedagógica; ressaltando-se que o brincar e jogar permite às crianças reconhecer aquilo que já sabem, o que precisam saber e como podem conseguir o que desejam.
1. REVISÃO DA LITERATURA
1.1 Caracterização do lúdico na educação infantil
Para Frenzel (1977), as palavras brinquedos, brincadeiras e crianças estão diretamente ligadas umas às outras. Todas as sociedades reconhecem o brincar como parte da infância. Os primeiros registros desse reconhecimento foram obtidos através de escavações arqueológicas e datam de um período em que nossa espécie sobrevivia da caça e da coleta. Essa nobre atividade da infância é destacada em várias concepções teóricas por autores como Piaget, Vygotsky, Leontiev e Elkonin, onde cada um, à sua maneira, mostra a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil e aquisição de conhecimentos.
O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança; aquilo que na vida real passa despercebido por ser natural, torna-se regra quando trazido para a brincadeira (VYGOTSKY, 1989).
Para MEC/SEF/COEDI (1996), é preciso que os profissionais de educação infantil tenham acesso ao conhecimento produzido na área de Educação Infantil em geral, para repensarem sua prática, se reconstituírem enquanto cidadãos e atuarem enquanto sujeitos da produção, para que possam mais do que “implantar” currículos ou “aplicar” propostas à realidade da creche/pré-escola em que atuam, participar da sua concepção, construção e consolidação.
Para Humberto (2000), a reinvenção das linguagens ocorre não só na turbulência de nossos universos particulares, no campo de nossas angustiadas batalhas e de nossos momentâneos apaziguamentos, mas também na alegria do lúdico inerente aos desafios a que nos propomos ao inventarmos realidades.
A ludicidade está ligada às dimensões do prazer, da intencionalidade e da criatividade, do sonho, da magia, da sensibilidade e do imaginário, como já demonstramos, sendo esta um indicativo para superação do dualismo (PEREIRA 1999, p. 276) e da metodologia cartesiana/ocidental. Podemos vislumbrar um indivíduo complexo e holístico que ela (resgatando Edgar Morin) denomina de “homoludens-sapiens-demens”. Este homo-ludens busca resgatar esta dimensão do prazer, da alegria, da vida, da sensibilidade, da brincadeira, da arte etc., enquanto que o homo-sapiens podemos associar à nossa dimensão social, ao “faber” (trabalho) etc., enquanto que o homo-demens está ligado aos aspectos da magia, do mito, da religião etc. Todos estes aspectos se interconectam e interagem na constituição do indivíduo, afirmando sua natureza humana primordial.
Marcellino (1999), ao tratar do lúdico, foca a abordagem que buscamos. Ele afirma que o lúdico não é algo isolado ou associado a uma determinada atividade, mas como um componente cultural historicamente situado que pode transcender aos momentos de lazer. “Porque não atuar com os componentes lúdicos da cultura em outras esferas de obrigação, notadamente na escola?”
Para Gomes (2004), a ludicidade é uma dimensão da linguagem humana, que possibilita a expressão do sujeito criador que se torna capaz de dar significado à sua existência, ressignificar e transformar o mundo. Dessa forma, a ludicidade é uma possibilidade e uma capacidade de se brincar com a realidade, ressignificando o mundo.
Ainda falando do lúdico, Gomes (2004) nos dá a chave para estabelecer a premissa básica de nossa abordagem quando escreve:
“Como expressão de significados que têm o brincar como referência, o lúdico representa uma oportunidade de (re) organizar a vivência e (re) elaborar valores, os quais se comprometem com determinado projeto de sociedade. Pode contribuir, por um lado, com a alienação das pessoas: reforçando estereótipos, instigando discriminações, incitando a evasão da realidade, estimulando a passividade, o conformismo e o consumismo; por outro, o lúdico pode colaborar com a emancipação dos sujeitos, por meio do diálogo, da reflexão crítica, da construção coletiva e da contestação e resistência à ordem social injusta e excludente que impera em nossa realidade.” (GOMES 2004, p. 146).
1.2 A importância do lúdico como instrumento pedagógico
O lúdico tem sua origem na palavra latina “ludus”, que quer dizer “jogo”. Se se achasse confinado a sua origem, o termo lúdico estaria se referindo apenas ao jogar, ao brincar, ao movimento espontâneo.
Segundo Luckesi, são aquelas atividades que propiciam uma experiência de plenitude, em que nos envolvemos por inteiro, estando flexíveis e saudáveis. Para Santin, são ações vividas e sentidas, não definíveis por palavras, mas compreendidas pela fruição, povoadas pela fantasia, pela imaginação e pelos sonhos que se articulam como teias urdidas com materiais simbólicos. Assim, elas não são encontradas nos prazeres estereotipados, no que é dado pronto, pois estes não possuem a marca da singularidade do sujeito que as vivencia.
A arte-magia do ensinar-aprender (Rojas, 1998) permite que o outro construa por meio da alegria e do prazer de querer fazer.
Percebemos em Machado (1966) o ressaltar do jogo como não sendo qualquer tipo de interação, mas sim, uma atividade que tem como traço fundamental os papéis sociais e as ações destes derivadas em estreita ligação funcional com as motivações e o aspecto propriamente técnico-operativo da atividade. Dessa forma, destaca o papel fundamental das relações humanas que envolvem os jogos infantis.
Entender o papel do jogo nessa relação afetiva-emocional e também de aprendizagem requer que percebamos estudos de caráter psicológico, como mecanismos mais complexos, típicos do ser humano, como a memória, a linguagem, a atenção, a percepção e aprendizagem. Elegendo a aprendizagem como processo principal do desenvolvimento humano, enfocamos Vygotsky (1989), que afirma: a zona de desenvolvimento proximal é o encontro do individual com o social, sendo a concepção de desenvolvimento abordada não como processo interno da criança, mas como resultante da sua inserção em atividades socialmente compartilhadas com outros. Atividades interdisciplinares que permitem a troca e a parceria. Ser parceiro é sê-lo por inteiro. Nesse sentido, o conhecimento é construído pelas relações interpessoais e as trocas recíprocas que se estabelecem durante toda a vida formativa do indivíduo.
Machado (1966) salienta que a interação social implica transformação e contatos com instrumentos físicos e/ou simbólicos mediadores do processo de ação. Esta concepção reconhece o papel do jogo para a formação do sujeito, atribuindo-lhe um espaço importante no desenvolvimento das estruturas psicológicas.
De acordo com Vygotsky (1989), é no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva. Segundo o autor, a criança comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivência de uma situação imaginária quanto pela capacidade de subordinação às regras.
Negrine (1994) sugere três pilares que sustentariam uma boa formação profissional, com a qual concordamos: a formação teórica, a prática e a pessoal, que no nosso entendimento, a esta última preferimos chamá-la de formação lúdica interdisciplinar. Este tipo de formação é inexistente nos currículos oficiais dos cursos de formação do educador, entretanto, algumas experiências têm-nos mostrado sua validade e não são poucos os educadores que têm afirmado ser a ludicidade a alavanca da educação para o terceiro milênio.
Nóvoa (1997) afirma que o sucesso ou insucesso de certas experiências marcam a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com esta ou aquela maneira de trabalhar na sala de aula.
Ao sentir que as vivências lúdicas podem resgatar a sensibilidade, até então adormecida, ao perceber-se vivo e pulsante, o professor/aprendiz faz brotar o inesperado, o novo e deixa cair por terra que a lógica da racionalidade extingue o calor das paixões, que a matemática substitui a arte e que o humano dá lugar ao técnico (Santin, 1994), permitindo o construir alicerçado no afeto, no poder fazer, sentir e viver.
Segundo Snyders (1988), o despertar para o valor dos conteúdos das temáticas trabalhadas é que fazem com que o sujeito aprendiz tenha prazer em aprender. Conteúdos estes despertados pelo prazer de querer saber e conhecer.
Devemos despertá-los para, com sabedoria, podermos exteriorizá-los na nossa vida diária. A alegria, a fé, a paz, a beleza e o prazer das coisas estão dentro de nós.
Por entender e concordar com o autor, percebemos que se o professor não aprende com prazer, não poderá ensinar com prazer. É isso que procuramos fazer em nossa prática pedagógica, dando ênfase à formação lúdica: ensinar e sensibilizar o professor-aprendiz para que, através de atividades dinâmicas e desafiadoras, despertem no sujeito-aprendiz o gosto e a curiosidade pelo conhecimento. Curiosidade que, segundo Freire (1997), é natural e cabe ao educador torná-la epistemológica.
Tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre sua própria ação (NÓVOA, 1997).
O homem da ciência e da técnica perdeu a felicidade e a alegria de viver, perdeu a capacidade de brincar, perdeu a fertilidade da fantasia e da imaginação guiadas pelo impulso lúdico (SANTIN, 1994).
Que a sala de aula seja um ambiente em que o autoritarismo seja trocado pela livre expressão da atitude interdisciplinar (FAZENDA, 1994).
Que as aulas sejam vivas e num ambiente de inter-relação e convivência (MASSETO, 1992).
A formação lúdica possibilita ao educador conhecer-se como pessoa, saber de suas possibilidades, desbloquear resistências e ter uma visão clara sobre a importância do jogo e do brinquedo para a vida da criança, do jovem e do adulto (KISHIMOTO, 2001).
A afetividade como sustentáculo significativo e fundamental de uma pedagogia que se alicerça na arte-magia interdisciplinar do ensinar-aprender (ROJAS, 1998).
1.3 Brincadeiras, jogos e brinquedos
Conforme Freire (2002), as crianças, quando vão às escolas pela primeira vez, geralmente se traumatizam e acabam chorando por dias seguidos, devido à separação das coisas e pessoas. Acham que, por estarem na escola, em um ambiente fechado, perdem toda liberdade que tinham em sua casa. Com o passar dos dias, acabam por se acostumar com o ambiente, arrumam amigos e se dedicam no que melhor sabem fazer: brincar, quando lhes é permitido.
Quando pequenas, as mesmas são individualistas e autocêntricas (centradas nelas mesmas). A essa centração da criança nela mesma, Piaget (1998) chama de período egocêntrico:
[…] não significando com isso uma hipertrofia da consciência do eu, mas simplesmente uma incapacidade momentânea da criança de descentrar-se; isto é, de colocar-se em outro ponto de vista que não o próprio (FREIRE, 2002).
Devido à centração, a criança constrói sua realidade trabalhosamente, adquirindo noções espaciais e do próprio corpo, diferenciando-se assim dos objetos ao seu redor. É aceitável que essa centração nela mesma permaneça durante algum tempo; o que não se deseja é que essa autocentração se estenda por longo tempo. Ao decorrer do tempo, a autocentração vai sendo modificada pouco a pouco, se o ambiente da escola e da casa lhe permitir que aja em liberdade, sem comprometê-la física e intelectualmente, ela chegará ao 2º ciclo do Ensino Fundamental (FREIRE, 2002).
Existem muitas escolas que não veem a importância do brinquedo e da atividade física para a criança, achando que só a alfabetização é importante.
De que nada vale esse enorme esforço para a alfabetização se a aprendizagem não for significativa. E o significado, nessa primeira fase da vida, depende, mais do que qualquer outra, da ação corporal (FREIRE, 2002).
Gallardo (1998) afirma que não adianta somente passar as informações para a criança, sem saber realmente que ela esteja conseguindo aprender da maneira que lhe está sendo ensinada. A educação física oferece à criança a oportunidade de vivenciar formas de organização, a criação de normas para a realização de tarefas ou atividades e a descoberta de formas cooperativas e participativas de ação, possibilitando a transformação da criança e de seu meio.
Segundo Freire (2002), as brincadeiras têm grande significado no período da infância, onde, de forma segura e bem estruturada, podem estar presentes nas aulas de Educação Física dentro da sala de aula. Com uma conduta mais alegre e prazerosa, poderemos ver traços marcantes do lúdico como ferramenta de grande importância e com um imenso fundamento no aprendizado da criança, sem descaracterizar a linha desenvolvimentista do âmbito escolar.
Para Soler (2003), as brincadeiras do mundo de rua que se aprende quando crianças também podem ser utilizadas pelos professores. Aprender na rua significa aprender com a vida, ou melhor, com vidas; elas enriquecem ainda mais as aulas. Esta é uma forma confiável do professor interagir com o cotidiano do aluno. A satisfação das crianças em poderem também brincar seus jogos e brincadeiras dentro da escola faz com que as mesmas desenvolvam seus atributos motor, cognitivo e afetivo-social. Isto rompe as atuais barreiras entre escola e comunidade: a escola abre os portões para a entrada da realidade e dos valores reais de seus educandos e a comunidade permite e participa para que a escola transcenda e transforme estas realidades e cotidianos também.
Piaget (1972) relata que o jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela escola tradicional, dado o fato de parecerem destituídas de significado funcional. Para a pedagogia correta, é apenas um descanso ou o desgaste de um excedente de energia. Mas esta visão simplista não explica nem a importância que as crianças atribuem aos jogos e muito menos a forma constante de que se revestem os jogos infantis, simbolismo ou ficção.
Souza (2006) considera o jogo importante para o crescimento de uma criança, apresentando a ideia de desenvolvimento humano a partir das ações que o sujeito exerce sobre o ambiente. E ao dedicar-se aos estudos sobre jogos e embasado nas propostas de Piaget, ressaltou-os em: jogo de exercício, no período sensório-motor; jogos simbólicos, no período pré-operatório; e jogos de regras.
Freire (2002) diz que quando uma criança é pequena e ainda não desenvolveu sua linguagem verbal, ela passa a repetir os gestos que está observando, mesmo que seu uso não seja necessário. Esta habilidade é utilizada como uma conduta lúdica, sendo executada por prazer, representando o ato corporal, um jogo de exercício, uma ferramenta a qual se trabalha o aspecto sensório-motor; isto é, representações mentais que caracterizam o pensamento.
O jogo de exercício não tem outra finalidade que não o próprio prazer de funcionamento (FREIRE, 2002).
O jogo ajuda no desenvolvimento corporal e mental de uma criança. Na escola, não é possível separar adaptação de jogo, pois enquanto brinca, a criança pensa incessantemente (FREIRE, 2002, p.118).
O jogo de construção, enfatizado por Freire (2002), difere da caracterização de Souza (2006) e é mais uma forma de desenvolvimento da criança, uma mudança no ato de brincar:
O jogo, como o desenvolvimento infantil, evolui de um simples jogo de exercício, passando pelo jogo simbólico e o de construção, até chegar ao jogo social. No primeiro deles, a atividade lúdica refere-se ao movimento corporal sem verbalização; o segundo é o faz-de-conta, a fantasia; o jogo de construção é uma espécie de transição para o social. Por fim, o jogo social é aquele marcado pela atividade coletiva de intensificar trocas e a consideração pelas regras (FREIRE, 2002, p.69).
A improvisação de material é estimular a criatividade da criança para que ela também possa fazer o mesmo, criar um brinquedo do seu próprio gosto. Isto irá despertar o interesse da criança em aprender e a criar algo diferente. Materiais diversificados trazem o lúdico como uma forma de aprendizado e desenvolvimento: “O jogo contém um elemento de motivação que poucas atividades teriam para a primeira infância: o prazer da atividade lúdica” (FREIRE, 2002, p.75).
Freire (2002) afirma que os brinquedos educativos materializados destinados a ensinar estimulam o raciocínio, atenção, concentração, compreensão, coordenação motora, percepção visual, dentre outras. São brincadeiras com cores, formas, tamanhos, brincadeiras de encaixe, que trabalham noções de sequência; quebra-cabeças que exigem a concentração, memória e raciocínio para juntar uma peça na outra; tabuleiros que exigem a compreensão do número e das operações matemáticas.
Kishimoto (2001) relata que a psicopedagogia estuda o ato de aprender e ensinar, levando sempre em conta as realidades interna e externa da aprendizagem, tomadas em conjunto. Procurando estudar a construção do conhecimento em toda a sua complexidade, procurando colocar em pé de igualdade os aspectos cognitivos, afetivos e sociais que lhe estão incluídos. O uso do brinquedo/jogo educativo com fins pedagógicos para situações de ensino-aprendizagem (a qual envolve o ser humano em processos interativos, com suas cognições, afetividade, corpo e interações sociais) é de grande relevância para desenvolvê-lo, utilizando o jogo como ensino-aprendizagem na construção de conhecimento, introduzindo as propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora.
O brinquedo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo. O brinquedo educativo conquistou espaço na educação infantil. Quando a criança está desenvolvendo uma habilidade na separação de cores comuns no quebra-cabeça, a função educativa e os lúdicos estão presentes, a criança, com sua criatividade, consegue montar um castelo até mesmo com o quebra-cabeça, através disto utiliza o lúdico com a ajuda do professor (KISHIMOTO, 2001).
1.4 O campo da psicopedagogia
A psicopedagogia nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do processo de aprendizagem e se tornou uma área de estudo específica que busca conhecimento em outros campos e cria seu próprio objeto de estudo (BOSSA, 2000).
Scoz (1994) afirma que ocupa-se do processo de aprendizagem humana: seus padrões de desenvolvimento e a influência do meio nesse processo. A clínica psicopedagógica corresponde a um de seus campos de atuação, cujo objetivo é diagnosticar e tratar os sintomas emergentes no processo de aprendizagem. O diagnóstico psicopedagógico busca investigar e pesquisar para averiguar quais são os obstáculos que estão levando o sujeito à situação de não aprender, aprender com lentidão e/ou com dificuldade; esclarece uma queixa do próprio sujeito, da família ou da escola.
A psicopedagogia no Brasil, há trinta anos, vem desenvolvendo um quadro teórico próprio. “É uma nova área de conhecimento, que traz em si as origens e contradições de uma atuação interdisciplinar, necessitando de muita reflexão teórica e pesquisa” (BOSSA, 2000).
Ainda conforme Bossa (2000), a Psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, o que adveio de uma demanda – o problema de aprendizagem, colocando num território pouco explorado, situado além dos limites da Psicologia e da própria Pedagogia – e evolui devido à existência de recursos para atender a essa demanda, constituindo-se assim numa prática. Como se preocupa com o problema de aprendizagem, deve ocupar-se inicialmente do processo de aprendizagem. Portanto, vemos que a psicopedagogia estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como esta aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Este objeto de estudo, que é um sujeito a ser estudado por outro sujeito, adquire características específicas a depender do trabalho clínico ou preventivo.
Vejamos a definição de Bossa (2000) sobre os dois campos de atuação da psicopedagogia:
O trabalho clínico dá-se na relação entre um sujeito com sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a mensagem de outro sujeito, implícita no não-aprender. Nesse processo, onde investigador e objeto-sujeito de estudo interagem constantemente, a própria alteração torna-se alvo de estudo da Psicopedagogia. Isto significa que, nesta modalidade de trabalho, deve o profissional compreender o que o sujeito aprende, como aprende e por que, além de perceber a dimensão da relação entre psicopedagogo e sujeito de forma a favorecer a aprendizagem. No enfoque preventivo, “a instituição, enquanto espaço físico e psíquico da aprendizagem, é objeto de estudo da Psicopedagogia, uma vez que são avaliados os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de aprendizagem.
Essa inter-relação de sujeitos, em que um procura conhecer o outro naquilo que o impede de aprender, implica uma temática muito complexa (BOSSA, 2000).
Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja engrenagem se ocupa e preocupa a Epistemologia; referimo-nos principalmente ao materialismo histórico, à teoria piagetiana da inteligência e à teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram a ideologia, a operatividade e o inconsciente (PAIN, 1985).
Para Weiss (1992), as áreas de estudo se traduzem na observação de diferentes dimensões no processo de aprendizagem: orgânico, cognitivo, emocional, social e pedagógico. A interligação desses aspectos ajudará a construir uma visão gestáltica da pluricausalidade deste fenômeno, possibilitando uma abordagem global do sujeito em suas múltiplas facetas.
A dimensão emocional está ligada ao desenvolvimento afetivo e sua relação com a construção do conhecimento e a expressão deste através de uma produção gráfica ou escrita.
A dimensão social está relacionada à perspectiva da sociedade, onde estão inseridas a família, o grupo social e a instituição de ensino. A Psicologia Social é a área responsável por este aspecto.
A dimensão cognitiva está relacionada ao desenvolvimento das estruturas cognoscitivas do sujeito aplicadas em diferentes situações. No domínio desta dimensão, devemos incluir a memória, a atenção, a percepção e outros fatores que usualmente são classificados como fatores intelectuais.
A dimensão pedagógica está relacionada ao conteúdo, metodologia, dinâmica de sala de aula, técnicas educacionais e avaliações às quais o sujeito é submetido no seu processo de aprendizagem sistemática. A Pedagogia contribui com as diversas abordagens do processo ensino-aprendizagem, analisando-o do ponto de vista de quem ensina.
A dimensão orgânica está relacionada à constituição biofisiológica do sujeito que aprende. A medicina e, em especial, algumas áreas específicas contribuem para o embasamento deste aspecto. Os fundamentos da Neurolinguística possibilitam a compreensão dos mecanismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais. Sujeitos com alteração nos órgãos sensoriais terão o processo de aprendizagem diferente de outros, pois precisam desenvolver outros recursos para captar material para processar as informações.
A Linguística é a área que atravessa todas as dimensões. Apresenta a compreensão da linguagem como um dos meios que caracteriza o tipicamente humano e cultural: a língua enquanto código disponível a todos os membros de uma sociedade e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e historiado de acesso à estrutura simbólica.
Nenhuma dessas áreas surgiu para responder especificamente a questões da aprendizagem humana. No entanto, fornecem meios para refletirmos cientificamente e operarmos no campo psicopedagógico.
1.5 Abordagem da clínica psicopedagógica
De acordo com Bossa (2000), a psicopedagogia estuda o processo de aprendizagem e suas dificuldades, tendo, portanto, um caráter preventivo e terapêutico. Preventivamente, deve atuar não só no âmbito escolar, mas alcançar a família e a comunidade, esclarecendo sobre as diferentes etapas do desenvolvimento, para que possam compreender e entender suas características, evitando assim cobranças de atitudes ou pensamentos que não são próprios da idade.
Para Rubistein (1996), o psicopedagogo poderá atuar em escolas e empresas (psicopedagogia institucional), na clínica (psicopedagogia clínica). Através do diagnóstico clínico, irá identificar as causas dos problemas de aprendizagem. Para isto, ele usará instrumentos tais como provas operatórias (Piaget), provas projetivas (desenhos), EOCA, anamnese.
Na clínica, o psicopedagogo fará uma entrevista inicial com os pais ou responsáveis para conversar sobre horários, quantidades de sessões, honorários, a importância da frequência e da presença e o que ocorrer, ou seja, fará o enquadramento. Neste momento, não é recomendável falar sobre o histórico do sujeito, já que isto poderá contaminar o diagnóstico, interferindo no olhar do psicopedagogo sobre o sujeito. O histórico do sujeito, desde seu nascimento, será relatado ao final das sessões numa entrevista chamada anamnese, com os pais ou responsáveis.
O diagnóstico é composto de 8 a 10 sessões, sendo duas sessões por semana, com duração de 50 minutos cada. Esse diagnóstico poderá confirmar ou não as suspeitas do psicopedagogo. O profissional poderá identificar problemas de aprendizagem. Neste caso, ele indicará um tratamento psicopedagógico, mas poderá também identificar outros problemas e aí ele poderá indicar um psicólogo, um fonoaudiólogo, um neurologista ou outro profissional, a depender do caso.
O tratamento poderá ser feito com o próprio psicopedagogo que fez o diagnóstico, ou poderá ser feito com outro psicopedagogo. Durante o tratamento, são realizadas diversas atividades, com o objetivo de identificar a melhor forma de se aprender e o que poderá estar causando este bloqueio.
Segundo Bossa (2000), o psicopedagogo utilizará recursos como jogos, desenhos, brinquedos, brincadeiras, conto de histórias, computador e outras situações que forem oportunas. A criança, muitas vezes, não consegue falar sobre seus problemas e é através de desenhos, jogos e brinquedos que ela poderá revelar a causa de sua dificuldade. É através dos jogos que a criança adquire maturidade, aprende a ter limites, aprende a ganhar e perder, desenvolve o raciocínio, aprende a se concentrar e adquire maior atenção.
O psicopedagogo solicitará, algumas vezes, as tarefas escolares, observando cadernos, olhando a organização e os possíveis erros, ajudando-o a compreender estes erros. Irá ajudar a criança ou adolescente a encontrar a melhor forma de estudar para que ocorra a aprendizagem, organizando, assim, o seu modelo de aprendizagem.
Para Scoz (1994), o profissional poderá ir até a escola para conversar com o(a) professor(a), afinal é ela que tem um contato diário com o aluno e poderá dar muitas informações que possam ajudar no tratamento. O psicopedagogo precisa estudar muito. E muitas vezes será necessário recorrer a outro profissional para conversar, trocar ideias, pedir opiniões, ou seja, fazer uma supervisão psicopedagógica.
Scoz (1994) ainda relata que o psicopedagogo na instituição escolar poderá: ajudar os professores, auxiliando-os na melhor forma de elaborar um plano de aula para que os alunos possam entender melhor as aulas; ajudar na elaboração do projeto pedagógico; orientar os professores na melhor forma de ajudar, em sala de aula, aquele aluno com dificuldades de aprendizagem; realizar um diagnóstico institucional para averiguar possíveis problemas pedagógicos que possam estar prejudicando o processo ensino-aprendizagem; encaminhar o aluno para um profissional (psicopedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo etc.) a partir de avaliações psicopedagógicas; conversar com os pais para fornecer orientações; auxiliar a direção da escola para que os profissionais da instituição possam ter um bom relacionamento entre si; conversar com a criança ou adolescente quando este precisar de orientação.
Na atuação psicopedagógica, a escuta é fundamental para que se possa conhecer como e o que o sujeito aprende, e como diz Bossa (2000), “perceber o interjogo entre o desejo de conhecer e o de ignorar.
Bossa (2000) ressalta que o psicopedagogo também deve estar preparado para lidar com possíveis reações frente a algumas tarefas, tais como: resistências, bloqueios, sentimentos, lapsos etc. E não parar de buscar, de conhecer, de estudar, para compreender de forma mais completa estas crianças ou adolescentes já tão criticados por não corresponderem às expectativas dos pais e professores.
1.6 Diagnóstico psicopedagógico na escola
Segundo Trinca (1984), o termo diagnóstico origina-se do grego diagnósticos e significa discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de aspectos, características e as relações que compõem um todo que seria o conhecimento do fenômeno, utilizando para isso processos de observações, de avaliações e após procede-se às interpretações que se baseiam em nossas percepções, experiências, informações adquiridas e formas de pensamento.
Dentro de uma perspectiva psicopedagógica, o trabalho com as famílias pode ser considerado fundamental e indispensável para modificar as atitudes de alguns alunos, mas, mesmo assim, esse trabalho somente se constituirá em uma das partes do diagnóstico, já que ele estará centralizado, principalmente, no conhecimento e na modificação da situação escolar. (BASSEDAS et al., 1996).
Segundo Bassedas et al (1996), existem sujeitos e sistemas envolvidos no diagnóstico psicopedagógico. Lançar-se-á um olhar à escola como instituição social, podendo ser considerada de forma ampla, como um sistema aberto que compartilha funções e que se inter-relaciona com outros sistemas que integram todo contexto social.
ESPAÇO:
a) Para que o psicopedagogo possa viabilizar sua ação que se constitui na criação de um ambiente psicopedagógico, do qual falaremos mais adiante.
b) Lugar espacial onde transcorre a ação educativa que leve o psicopedagogo a aliar a teoria com a prática, diagnosticando o “não aprender”.
TEMPO:
Refere-se à duração das atividades que envolvem a ação psicopedagógica diagnóstica, considerando os vários fatores intervenientes: o ano letivo, a situação dos alunos, de como é feito o aproveitamento de suas potencialidades, a complexidade de fatores que envolvem a instituição.
Um diagnóstico psicopedagógico pode diferenciar-se de outros diagnósticos escolares de maneira pela qual fundamentamos nossa prática.
Esta prática engloba o professor, o aluno e o conhecimento contextualizado na escola, especificamente na sala de aula, lugar onde se constatam e se priorizam as aprendizagens sistemáticas, tendo como pano de fundo a instituição escolar.
Os fundamentos de um diagnóstico também revelam um tempo, um lugar e um espaço que é dado para aquele que aprende e para aquele que ensina. Historicamente, a prática educativa e a prática psicopedagógica são derivadas das distintas teorias de aprendizagens que sustentam as concepções diferentes em relação à tríade: professor, aluno e conhecimento.
É inegável a influência das teorias de aprendizagem e das teorias do conhecimento em relação aos três níveis que vamos enfocar, ou seja, o sócio-político, o pedagógico e o psicopedagógico.
Delimitemos, para fins didáticos, especificamente o empirismo e o inatismo, mais as teorias de aprendizagem que decorrem destes campos filosóficos, citando algumas como o condutismo e as teorias cognitivas positivistas da aprendizagem.
O empirismo fundamenta-se na ideia de que o conhecimento está unicamente fundado na experiência. Nesta concepção, o sujeito cognitivo é comparável a uma folha de papel em branco, onde vão se escrevendo as impressões procedentes do mundo externo.
Esta concepção admite um sujeito epistêmico considerado como receptáculo, que a princípio está vazio e que progressivamente vai sendo “enchido” pelos dados fornecidos da realidade. Logo, o processo de diagnóstico institucional é de grande valia, pois nos indicará parâmetros de como intervir com eficiência nas escolas, sendo salutar observar quais correntes filosóficas influenciam nas instituições escolares, bem como embasam as teorias de aprendizagem que ora fundamentam a prática pedagógica da escola, portanto, se faz necessário lançar um olhar à instituição escolar e seus elementos.
Sendo assim, trabalhar numa escola faz pressupor que o professor esteja ensinando numa comunidade determinada com as suas características sócio-culturais e econômicas particulares.
A ação educativa da escola não pode ser desvinculada das funções educativas dos pais dos alunos e, consequentemente, o professor também deve manter contato com eles (BASSEDAS et al., 1996).
Consideramos o aluno como um sujeito que elabora o seu conhecimento e sua evolução pessoal a partir da atribuição de um sentido próprio e genuíno às situações que vivem e com as quais aprendem. Neste processo de crescimento, exerce papel primordial a capacidade de autonomia de reflexão e de interação constante com os outros sujeitos da comunidade. (BASSEDAS et al., 1996).
O papel solicitado ao professor na situação de ensino-aprendizagem é o de uma atuação constante, com intervenções para todo o grupo de aula e para cada um dos alunos em particular, visando a observação sistemática do processo de cada aluno durante a aprendizagem, para poder intervir no mesmo com uma ajuda educativa adequada (BASSEDAS et al., 1996).
Segundo Piaget (1972), o estudo do sujeito epistêmico se refere à coordenação geral das ações (reunir, ordenar, etc.) constitutivas da lógica, e não ao sujeito individual, que se refere às ações próprias e diferenciadas de cada indivíduo considerado à parte.
O psicopedagogo, com o trabalho de ensinar a aprender, recorre a critérios de diagnóstico no sentido de compreender a falha (problemas) na aprendizagem.
Nesse sentido, Scoz (1994) coloca que:
[…] os problemas de aprendizagem não são restringíveis nem a causas físicas ou psicológicas, nem a análises das conjunturas sociais. É preciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional, que amalgame fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das articulações sociais. Tanto quanto a análise, as ações sobre os problemas de aprendizagem devem inserir-se num movimento mais amplo de luta pela transformação da sociedade. Aprender significa incorporar os conhecimentos em um saber pessoal. É isto que o psicopedagogo precisa diagnosticar. Diagnosticar a escola como um lugar onde acontece a aprendizagem, e o nível desta. Se ela é ou só transmissão de conhecimentos sistematizados, sem o significado, ou se vincula os conhecimentos com o saber dos alunos, possibilitando assim transformá-los.
Scoz et al. (1990) afirmam que muitas vezes existem dificuldades em ler, escrever, calcular que não interferem na vida do sujeito, só transformando-se em sintoma face a uma exigência ambiental. Ao se instrumentalizar um diagnóstico, é necessário que o profissional atente para o significado do sintoma a nível familiar e escolar, e não o veja apenas em um recorte artificial, como uma deficiência do sujeito a ser por ele tratado. É essencial procurarmos o não dito, implícito existente no não aprender. Buscaremos o sentido do sintoma de aprendizagem, para o próprio sujeito.
Acreditamos numa aprendizagem que possibilita transformar, sair do lugar rígido, construir. É sob este olhar que pretendemos encaminhar o diagnóstico escolar. Voltamo-nos para a Escola porque é para ela que diariamente dirigem-se milhares de crianças. O olhar para a escola implica em termos uma visão integra da: visão de aprendizagem e visão de mundo.
Portanto, o psicopedagogo institucional à luz da instituição escolar se concretiza através de uma profunda e clara observação das dimensões que envolvem o diagnóstico de aprendizagem e que possibilite uma reflexão e conhecimento dos problemas educacionais que estão vinculados a uma série de variáveis, tais como: correntes filosóficas, as políticas educacionais governamentais, aspectos morais, culturais e étnicos que influenciam fortemente a prática da docência, o modelo didático, a relação dos pares educativos.
Enquanto psicopedagogo envolvido em um processo diagnóstico, estamos nos colocando em jogo. Neste jogo há presença e ausência de saber. Suportar o desconhecido que em cada um de nós habita é a alavanca, o motor que vai impulsionar a construção de novos conhecimentos e permear a prática de intervenção do psicopedagogo na escola. O diagnóstico, sob nosso ponto de vista, deve ser encarado como busca constante de saber sobre aprender, sendo a bússola que norteará a intervenção psicopedagógica.
1.7 Caracterização da psicopedagogia
A psicopedagogia é uma nova área de atuação profissional no Brasil. Estuda e lida com o processo de aprendizagem e suas dificuldades. E que numa ação profissional deve englobar vários campos de conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. O psicopedagogo é o profissional que, reunindo conhecimentos de várias áreas e estratégias psicológicas e pedagógicas, volta-se para os processos de desenvolvimento e de aprendizagem atuando numa linha preventiva e terapêutica.
Segundo Castanho (2004), a compreensão do insucesso escolar é a identificação com teorias que buscam compreendê-lo a partir dos seguintes aspectos: relação que o sujeito da aprendizagem estabelece com o conhecimento e o saber; relação professor-aluno; manejos inadequados nas instituições que provocam dificuldades de ordem reativa; visão do aluno como um todo; consideração do contexto onde ele se insere como importante para esclarecer sua relação com o conhecimento.
Atualmente, o campo psicopedagógico encontra vasto referencial bibliográfico quanto ao processo diagnóstico, assim como sobre o espaço de atuação do psicopedagogo. Entretanto, há pouca bibliografia sobre a intervenção psicopedagógica, das técnicas utilizadas que diferenciam esse profissional do psicólogo e do professor.
Para Corrêa (2002):
O significado do silêncio sobre o aspecto interventivo (ou seja, como é necessário atuar diante de um sujeito diagnosticado como apresentando dificuldades de aprendizagem) constitui-se no fato de que não existem caminhos definidos sobre a atuação do psicopedagogo; o que existe são práticas construídas no dia-a-dia empiricamente, sem que o apoio teórico apareça como fator indispensável. Esse fenômeno, o qual denomino movimento comissivo por omissão, faz com que muitos sujeitos que deveriam vivenciar processos genuinamente psicopedagógicos sejam “tratados” com professores particulares intitulados psicopedagogos, ou por psicólogos novamente rotulados pela Psicopedagogia.
Para que, cada vez mais, a psicopedagogia se consolide teoricamente e quanto área de atuação profissional, é necessário que se faça conhecer a sua prática, que se possa debater, criticar, que haja referencial bibliográfico sobre processos de intervenção a fim de que se legitime uma identidade profissional, trazendo consequências positivas ao sujeito-aprendente.
1.8 Ludicidade e intervenção psicopedagógica
Winnicott (1975) afirma que o lúdico é um espaço mental, uma realidade intermediária entre o mundo interno e o mundo externo que se origina na relação mamãe-bebê. Para o bebê, ele e sua mãe formam uma unidade, uma simbiose. Toda a satisfação provinda dessa relação, o bebê acredita que foi ele que criou. Nos momentos de separação entre a mãe e o bebê, na falta dessa mãe, vai se construindo a individuação, através da experiência da desilusão e a esperança de que a mãe voltará.
O lúdico se origina desse suportar a ausência da mãe, pois na mente sua existência está registrada. Essa experiência é chamada de Fenômeno Transicional, que ensina a enfrentar o medo do novo, carregando a confiança apesar da ambiguidade e das dificuldades. Dessa forma, o lúdico supõe vínculo, interação, diálogo e confiança.
Para Bettelheim (1988), a criança aprende com sua brincadeira que pode ser o senhor supremo, mas apenas de um mundo caótico: se quer assegurar pelo menos algum domínio sobre um mundo estruturado e organizado, ela deve renunciar ao seu desejo “infantil” de domínio total e chegar a um acordo entre esses desejos e a dura realidade, ou seja, as limitações de construir com blocos. Aprende enquanto repete seguidamente a experiência que o desejo de exercer domínio total derrubando a torre de blocos leva ao caos.
Segundo Murcia (2005), Piaget (1990) expõe a natureza do jogar e do aprender brincando e propõe uma classificação geral, partindo da ideia de que o jogo evolui e muda ao longo do desenvolvimento humano em função da estrutura cognitiva, do modo de pensar concreto de cada estágio evolutivo. Em consequência, podem ser destacadas quatro categorias de jogos: de exercício, de construção, simbólico e de regras.
Segundo Bettelheim (1988), para crescer e ser bem-sucedido, é fundamental enfrentar a realidade em todos os seus aspectos e isso é possível através do jogo, uma vez que permite à criança aprender prazerosamente, encorajando-a a fazer novas descobertas. O prazer do jogo contrapõe as frustrações envolvidas; a derrota pode ser suportável, já que o jogo em si e as interações propiciam compensações.
Para Fernández (1991), o aprender é um diálogo com o outro. Supõe a energia desejante, o desejo de dominar. Saída da onipotência, contato com a fragilidade humana, alegria da descoberta, desprender-se, libertar-se.
Para Baltazar (2001), o psicopedagogo pode e deve ocupar o seu lugar de mediador e desequilibrador nas construções e reconstruções cognitivas de seus pacientes, trabalhando inclusive com seu funcionamento a fim de que possam buscar cada vez mais a adaptação (no sentido piagetiano). É preciso, no entanto, estar ciente de que não se pode construir por eles, já que este processo é, em última instância, individual – porque envolve coordenação de ações e pontos de vista em nível endógeno, tornando-o um movimento realizado única e exclusivamente pelo sujeito.
Para Weiss (2004), a relação entre terapeuta e paciente nasce de maneira aberta, relaxada, acolhedora, sorridente, com que nos dirigimos à criança e ao adolescente. Para que essa relação seja possível, é imprescindível para as sessões a presença da alegria, palavra derivada de Alicer que significa vivo, animado. A alegria é a luz que distingue a vida. Da alegria nasce a esperança, pois permite sustentar os momentos necessários de desilusão.
Segundo Weiss (2004), é fundamental falar dos aspectos positivos do paciente, nos aspectos que levam à valorização do que faz melhor, nas relações desses pontos com a perspectiva de melhoria escolar ou de seu futuro em geral. Esse momento é importante para a reformulação da autoimagem e de avaliações distorcidas feitas pelos pais.
Para Melillio (2005), aquele que fracassa, para nós, é alguém a quem algo pode acontecer: Aquele a quem nada pode acontecer chamamos de vítima. Esta é a diferença entre um menino pobre e um pobre menino. A compaixão e a piedade pelas vítimas tiram de nós a responsabilidade de pensar naquilo que possa fazer de alguém outra coisa radicalmente diferente do que ele é.
Vivemos em uma época de supervalorização dos sintomas e diagnósticos, transformando nossos pacientes em vítimas com pouca esperança de superação de seus problemas. Para além dos laudos, é necessário valorizar o paciente e construir caminhos de reformulação da autoimagem, recuperando a esperança e fazendo nascer a alegria que só nasce da autoria e da ressignificação (FERNÁNDEZ, 2001).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho sobre a importância dos jogos e brincadeiras na clínica psicopedagógica, pode-se refletir a sua relevância para que a criança construa seu conhecimento.
Para que as etapas de construção do conhecimento ocorram, é importante a estimulação através dos jogos e brincadeiras, pois a criança sente prazer em brincar. Por meio deles, a criança passa a conhecer a si mesma e os papéis de outras pessoas na sociedade.
Os jogos e brincadeiras realmente contribuem para a construção da inteligência, desde que sejam usados em atividade lúdica prazerosa e com questionamentos do psicopedagogo, respeitando as etapas de desenvolvimento intelectual da criança.
Os benefícios de uma infância bem vivida em termos lúdicos fazem-se sentir ao longo da existência do indivíduo. As múltiplas possibilidades de autoconhecimento possibilitadas pelas brincadeiras contribuem para tornar a criança mais segura, autoconfiante, consciente de seu potencial e de suas limitações.
O bom uso de atividades lúdicas na clínica psicopedagógica contribui para que os alunos possam obter melhores resultados em seu desempenho. Porém, somente atividades lúdicas não resolvem o complexo processo educativo; elas podem auxiliar em favor de promover mudanças, buscando, por parte dos psicopedagogos interessados, promover mudanças e melhores resultados.
Espera-se que este trabalho possa servir de fundamentação para que psicopedagogos que queiram inovar sua prática tenham nos jogos e brincadeiras aliados permanentes, possibilitando às crianças uma forma de desenvolver as suas habilidades intelectuais, sociais e físicas, de forma prazerosa e participativa, uma vez que os jogos e brincadeiras são de grande contribuição para o contexto das dificuldades de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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