A História da Educação no Brasil
O objetivo inicial deste trabalho é o resultado de um posicionamento crítico em relação aos dois primeiros capítulos da obra História da Educação no Brasil, da autora Otaíze de Oliveira Romanelli, que nos foi proposto como tema para uma resenha crítica, dentro da disciplina de Estrutura e Funcionamento do Ensino Médio e Fundamental do IV Semestre do curso de Matemática, Campus Universitário de Sinop – MT.
De antemão, fica evidente que esse posicionamento crítico foi construído ao analisarmos os textos, discordando ou concordando com eles, de acordo com nossa própria concepção crítica, levando também em consideração a opinião de outros autores, estudiosos nessa área, para uma formação de um posicionamento coerente com outras linhas de pensamento.
Analisamos o papel histórico da educação, sua evolução, demanda e o papel que a ela foi atribuído pelo desenvolvimento econômico. Nesse sentido, a questão nos embaraça: há um modo de produção dominante – o capitalista – quais suas consequências na atividade educacional?
Pois a educação escolar sempre esteve atrelada às exigências de uma sociedade histórica qualquer, cujas camadas dominantes lhe determinam as tarefas. Logo, vincula-se a educação às funções diretamente requeridas pelas facções dominantes do processo econômico e social.
No entanto, não nos cabe adentrar nessa polêmica com tal tipo de alegação, pois a análise da Educação no Brasil tem sofrido diversos tipos de abordagens. Coube-nos apenas, dentro dessa análise crítica, contribuir com uma pequena parcela que seja, para identificar as raízes da verdadeira crise da Educação brasileira e seus pressupostos.
Capítulo I
Abordagem Teórica
Como acadêmica, devo reconhecer que desconhecia alguns suportes que foram dados à nossa educação e como ela foi e é usada de certa maneira para manipulação das massas, visando assim somente o consumo de produção estabelecido pelo regime capitalista, criando uma sociedade de fantoche nas mãos de quem detém o poder neste país, servindo apenas para satisfazer seus interesses econômicos, não pleiteando assim o desenvolvimento intelectual crítico que se fez e se faz necessário.
“Sem o poder do conhecimento, como as camadas populares poderiam se organizar de uma maneira eficaz? Como poderiam elas desenvolver a capacidade de análise e de crítica tão necessárias para melhor compreender o fenômeno social e natural? (…) A crítica torna-se então, a chave de toda a apropriação e o princípio educativo fundamental que deveria guiar o processo educativo (…)” (FAUNDEZ, 1994, pg.185-186)
Dentro deste contexto, fica evidente a necessidade de nós, como acadêmicos e futuros educadores, criarmos a partir de então, essa consciência crítica do saber, para deixar de sermos classe dominada e lutarmos pelo que nos é de direito, principalmente ao que diz respeito à educação, buscando resoluções para alguns dos problemas entrelaçados a ela, em todos os níveis de ensino.
Para facilitar essa criação de uma consciência crítica, faz-se necessário que observemos e analisemos como se deram esses fatores, utilizando assim como base de estudo os textos a nós destinados.
Primeiramente, como ordem metodológica, analisar a definição dada pela autora dos conceitos estabelecidos para situar os problemas relativos à educação num contexto mais amplo, a interligação desses conceitos para melhor compreender o nosso sistema educacional e sua evolução, o controle político do sistema, a correlação dos fatores para análise dessa evolução e também ao fato da educação sempre ter atentado aos interesses do processo de desenvolvimento econômico.
Dos conceitos estabelecidos, é certo e correto o que nos foi afirmado pela autora, de que a cultura de desenvolvimento, de educação e de evolução da demanda social de educação são importantes para esclarecer esses problemas. A compreensão da evolução do referido sistema, à expansão do ensino e os caminhos que ele tomou torna-se mais fácil a partir do momento que voltarmos nosso olhar à nossa herança cultural, a evolução da economia e a estrutura do poder político, fazendo assim a interligação dos mesmos com os valores propostos na escola pela demanda social de educação, refletindo sobre o interesse do poder político de controlar e monopolizar a mesma, de acordo com o que vem de encontro aos interesses da elite dominante que perpetuam até os dias atuais no Brasil. O controle da organização do sistema educacional vem sendo feito de forma bastante defasada em relação aos anseios da sociedade e às necessidades crescentes do desenvolvimento econômico. Nesse contexto, seguem algumas reflexões encontradas na obra Filosofia da Educação Brasileira.
“… o Estado não quer, nem nunca quis, resolver o problema educacional brasileiro…” (SAVIANI, 1985, pg. 50).
Continua:
“As elites forjavam, e forjam, a educação para reproduzir as elites, ignorando a qualificação e a participação do povo (…). O ensino mascara o saber para subsidiar o poder.” (SAVIANI, 1985, pg. 56).
E enfatiza:
“Se o ‘desengrossamento’ do povo, até a limpidez, é tão dispendioso e ‘incerto’, por que não admitirmos a meia educação?…” (SAVIANI, 1985, pg. 58).
Reflexões essas que vêm de encontro ao que nos diz a autora: “… A superação da crise tentada pela nova política educacional teve como base o antecedente remanejamento do poder político e a reorientação do processo econômico. E muitos valores culturais herdados acabaram sofrendo a evolução da demanda social de educação, que, a cada dia, procura mais intensamente na escola os valores ditados pelo processo do desenvolvimento econômico.” (ROMANELLI, 1999, pg. 19). Ficando assim claro a quantas andou e ainda anda a evolução da educação no país, e grande é a evidência de que ela caminha atrelada aos interesses do sistema econômico, sendo ele o determinante da sua transição, fazendo com que a escola prepare a sociedade para exercer o que lhe é imposto camufladamente pelos desenvolvimentistas e pelo poder político.
“… estabelece uma nítida divisão entre elite e massa, reservando às elites o monopólio das virtudes necessárias para dirigir, e assegurando às massas apenas o direito de realizar seu destino de massas.” (SAVIANI, 1985, pg. 228).
Cabendo apenas uma consideração a ser feita sobre os conceitos abordados, foi a exclusão da finalidade a que se destina a educação para melhor expor sua conjectura dentro da sua problemática. Referente a esta finalidade, segue:
“A finalidade de qualquer ação educativa deve ser a produção de conhecimentos que aumente a consciência e a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos.” PAULO FREIRE
Ainda nesse contexto:
“… a educação se destina à promoção do homem. Assim, um processo de desenvolvimento que efetivamente considere o homem como preocupação central, terá a educação como setor fundamental…” (SAVIANI, 1996, pg. 01).
Concluindo:
“… à educação compete também a tarefa de ajudar o homem a situar-se no meio físico e a tirar maior proveito possível das condições que este lhe oferece…” (SAVIANI,1996, pg. 36).
Toda educação deve ser uma atividade mediadora no seio da prática social global, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade.
Considerações em Torno do Conceito de Cultura
Uma cultura define bem a evolução do processo educativo, nessa equivalência a autora tece considerações sobre o conceito de cultura e o processo de formação da cultura brasileira, o que também nos é dito por CIRIGLIANO.
“… se a educação está centrada não na sociedade, mas na cultura (…) a tarefa educativa consiste em pôr em contato o indivíduo com a Cultura – com as conexões de sentido – e não estritamente com as formas vigentes na sociedade …” (CIRIGLIANO, op.cit., pg. 107).
Cultura é muito mais que somente a letrada, vai além do que a escola transmite. A história do homem, como história da cultura, é assim, “o processo de transformação do mundo e simultaneamente do homem” (LATERZA, 1976, pg. 19).
Esse conceito fica bem definido pela autora:
“… Que a cultura se define como algo muito mais abrangente do que o simples resultado da ação intelectual do homem; ela é o próprio modo de ser humano, ‘o mundo próprio do homem.’ Distingue-se por seu duplo aspecto de processo e de produto, o primeiro definindo a ação contínua e recíproca do homem e do meio e o segundo, resultado dessa ação definindo o conteúdo dos bens culturais conquistados, os quais, por sua vez, condicionam novos desafios à capacidade perceptiva, à sensibilidade, à inteligência e à imaginação humanas.” (ROMANELI, 1999, pg. 20).
A importância da cultura na evolução e expansão da educação nos fica evidente ao analisarmos os conceitos dados. É certamente correta a explanação feita, pois a cultura vai muito além dos limites da chamada cultura letrada e do que é transmitido pela escola.
CIRIGLIANO faz algumas distinções sobre cultura:
“… distinguindo entre Cultura (as formas mortas, as realizações individuais através dos tempos, que constituem o patrimônio comum da humanidade) e cultura (as formas vivas vigentes na sociedade, aquela parte da Cultura que é socializada) assim se exprime …” (CIRIGLIANO, op.cit. pg. 107).
É lícito admitir que certas trocas culturais são enriquecedoras, acontece, porém, que nem sempre essas trocas se efetuam num mútuo enriquecimento.
“A imposição cega de uma cultura dominante tem desencadeado resistências radicais e extremas, justificando todos os excessos…” (FAUNDEZ, 1994, pg. 176).
E ainda:
“… toda cultura é contraditória e possui em si mesmas elementos positivos e negativos…” (FAUNDEZ, 1994, pg. 181).
Basta que comprovemos analisando a história dos povos durante o colonialismo, iniciado na Idade Moderna, que foi a imposição da Cultura Européia sobre as outras culturas como: as indígenas, as africanas e muitas outras, tendo como aspecto redundante que somente esse tipo de cultura era a certa e correta perante Deus, utilizando assim do poder do misticismo, apoiada muitas vezes pela Igreja da época, que dava sustentação, fechando os olhos aos abusos que eram cometidos contra as outras formas de culturas, pois a formação de uma nação está baseada nela. É lógico que se trata de uma nação diferente, mas composta de um povo, de uma religião, de uma extensão territorial, que acabou sendo extirpada perante uma cultura dominante que se sentia dona de uma verdade absoluta, apesar desse episódio estar escondido em muitos livros de história.
“… O que em verdade ocorreu foi uma transferência pura e simples dos padrões culturais europeus para as terras das Américas. A cultura indígena foi praticamente aniquilada e a transferência desses padrões se fez mais ou menos na base de um transplante, na expressão de Nelson Wernek Sodré, expressão que nos afigura adequada, tanto mais quanto sabemos que se trata de enxertar uma espécie de corpo estranho em um meio que não era ao menos semelhante ao da origem (…) que a cultura não é independente das circunstâncias em que foi gerada e que ela tem, nessas circunstâncias criadoras, sua razão de ser …” (ROMANELLI, 1999, pg. 21).
Esta forma de transplante teve como consequência uma falta de enraizamento da nossa cultura, devido à maçante imposição de outras culturas na época da colonização do Brasil, que acabou gerando “formas de comportamento intelectual destituídas de conceitos e sentido. O que conseguiu foi imitar desde a época (…) o aspecto formal do modelo cultural (…) a característica dominante da cultura intelectual …” (ROMANELLI, 1999, pg. 22).
Dentro dessa concepção, SAVIANI tece também alguns comentários:
“Em termos de História, desde a implantação da cultura letrada portuguesa no Brasil, ficaram abaixo do limiar da escrita quase todos os conteúdos da vida indígena, da vida escrava, da vida sertaneja, da vida artesanal, da vida proletária, da vida marginal; abaixo do limiar da escrita ficaram as mãos que não puderam contar, no código erudito, a sua própria vida…” (SAVIANI, 1985, pg. 192).
Cultura, Educação e Desenvolvimento
O conceito de educação para o desenvolvimento não é fácil de ser construído, ainda mais uma educação marcada profundamente por desníveis.
As escolas nascem da necessidade das gerações repassarem as outras os resultados de suas experiências, objetivando também a preservação e recriação desses modelos culturais importados, não se importando em possibilitar a criação e inovação cultural. Criando um espírito ilustrado e não criador.
Mantendo assim os desníveis sociais, através da educação escolar, assegurando os privilégios da burguesia dominante. Fazendo-se necessária a seleção dos educandos, escolhendo e impondo os conteúdos culturais, que não serviram adequadamente nem para uma preparação eficiente na formação de mão-de-obra qualificada para o trabalho, com isso afunilando também o caminho da classe operária ascendente que tinha como objetivo o “status” de ingressar em uma universidade, podendo conquistar assim um saber intelectual mais voltado à crítica do que à submissão. Cabendo à escola o papel de mera produtora de mão-de-obra especializada (ineficiente), deixando de lado o fator principal, aquisição de conhecimentos (apenas para as classes menos favorecidas).
“… o planejamento educacional constitui uma forma específica de intervenção do Estado em educação, que se relaciona, de diferentes maneiras, historicamente condicionadas, com as outras formas de intervenção do Estado em educação (legislação e educação pública), visando a implantação de uma determinada política educacional do Estado, estabelecida com a finalidade de levar o sistema educacional a cumprir as funções que lhe são atribuídas enquanto instrumento deste mesmo Estado.” (SAVIANI, 1985, pg. 195).
A educação no Brasil vem caminhando sempre um passo atrás do seu desenvolvimento.
“… Razões intrínsecas à nossa cultura separam a educação do desenvolvimento…” (SAVIANI, 1985, pg. 52).
E prossegue ainda em sua afirmação:
“A educação para o desenvolvimento é a que promove o povo para desempenhar funções hoje reservadas às elites. Mas o desenvolvimento exige rupturas no sentido de construção de equilíbrio. Ruptura com o estilo liberal a que estamos abraçados, às vezes sem o saber.” (SAVIANI, 1985, pg. 70).
Com isso, acontece que na educação, em vez de mudar os modelos para se adequar à realidade, tentam mudar a realidade para se adequar aos modelos preestabelecidos.
“… A mais impressionante manifestação de coerência na organização cultural do país está no repúdio ao real….” (SAVIANI, 1985, pg. 67).
Busca-se então modernizar a estrutura da educação para acompanhar o desenvolvimento econômico e esquecemos de procurar onde está a falha que provocou e alimentou essa defasagem educacional.
Demanda Escolar e Desenvolvimento
Os rumos tomados pela economia com a crescente necessidade de qualificação profissional, a expansão da educação escolarizada e a herança cultural influenciaram diretamente sobre os objetivos perseguidos pela demanda escolar, e obedecendo à pressão desses fatores, é que formou o quadro das situações de relações entre educação e desenvolvimento.
“… pode-se identificar uma profunda racionalidade, uma coerente lógica, na estrutura do ensino no Brasil. A lógica, a racionalidade, encontram-se não na sua estrutura externa, mas na vinculação existente entre a estrutura e o funcionamento da escola brasileira e o projeto de desenvolvimento econômico capitalista industrial privilegiado…” (RODRIGUES, 1987, pg. 140).
Numa perspectiva social, a educação escolar pode ser considerada uma necessidade que gera uma demanda capaz de determinar uma oferta, e que todos os fatores acima citados, como a herança cultural, a ordem política e o próprio sistema econômico, podem orientar a demanda social de educação e controlar a oferta de escolas.
Podemos observar claramente:
“A política educacional do Estado Novo não se limita à simples legislação e sua implantação. Essa política visa, acima de tudo, transformar o sistema educacional em um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas. Outrora totalmente excluídas do acesso ao sistema educacional, agora se lhes abre generosamente uma chance. São criadas as escolas técnicas profissionalizantes (‘para as classes menos favorecidas’). A verdadeira razão dessa abertura se encontra, porém, nas mutações ocorridas na infraestrutura econômica, com a diversificação da produção…” (FREITAG, 1980, pg. 52).
Essa demanda acabou gerando descompassos e desequilíbrios em dois aspectos concomitantes: quantitativo – a demanda acaba sendo maior que a oferta de ensino que a estrutura acadêmica é capaz de oferecer; estrutural – o aumento de escolas favorece um tipo de ensino que já não condiz com as necessidades de qualificação para o trabalho. Havendo assim um desequilíbrio entre as reais necessidades do desenvolvimento, a demanda social e a oferta de ensino.
Podemos observar que, após a II Guerra Mundial, houve uma crescente aceleração da demanda social de educação, que acabou gerando pressão sobre a oferta de ensino, fazendo com que o sistema escolar experimentasse uma notável expansão. Por outro lado, temos também a explosão do sistema capitalista com suas novas e diversas necessidades econômicas, muito mais acelerada ainda.
Criando assim obstáculos e sérias contradições ao desenvolvimento, pois acaba a sociedade tentando reformular o sistema de ensino “elitista”, em um que sirva para utilizá-lo como força de desenvolvimento nacional e se depara com inúmeros e desconhecidos problemas. Um desses problemas é fazer da escola uma porta para que estudantes possam se adequar, para ingressar no mercado competitivo de trabalho, este uma exigência do sistema capitalista, procurando assim fugir de se aglomerarem à massa de desempregados (mesmo qualificados), ao mesmo tempo criar um cidadão crítico com pensamento ideológico e intelectual.
Para sustentação, faço minhas as palavras da autora: “… consiste na afirmativa de que no Brasil, a partir de 1930, a expansão do ensino acabou por acentuar a defasagem entre educação e desenvolvimento, por causa do ritmo e da caracterização da expansão da demanda e, ainda, por causa de fatores de ordem política e econômica. Isso se exprime, de um lado, pela falta de oportunidades educativas (defasagem quantitativa) e, de outro, por um desequilíbrio entre os produtos acabados fornecidos pela escola e as necessidades econômicas de qualificação de recursos humanos (defasagem estrutural).” (ROMANELLI, 1999, pg. 29).
Estrutura do Poder e Organização do Ensino
Além da cultura letrada e do sistema econômico, a maneira como se originou e evoluiu o poder político teve grande influência na evolução da educação escolar, sendo este poder que organiza e desenvolve todo um aparato em volta do sistema educacional, quer espontaneamente ou deliberadamente, para atender aos interesses das camadas representadas pelo poder político.
“… no início do período que caracterizava o modelo econômico da substituição de importações, uma tomada de consciência por parte da sociedade política, da importância do sistema educacional para assegurar e consolidar as mudanças estruturais ocorridas tanto na infra como na superestrutura. Por essa razão, a jurisdição estatal passa a regulamentar a organização e o funcionamento do sistema educacional, submetendo-o, assim, ao seu controle direto …” (FREITAG, 1980, pg. 52).
Organizando, a partir de 1930, um Plano Nacional de educação, estruturando e unificando a educação em todo o território nacional. Apesar dessa unificação, durante muito tempo a educação foi feita de forma fragmentada. Atualmente, o remanejamento das estruturas de poder possibilitou certas mudanças na organização de ensino, organizando a educação escolar não mais de forma fragmentada, devido ao avanço e do fortalecimento do regime centralizado, poder responsável pela mudança das formas tradicionais de controle, que a criação de formas novas.
Fatores Atuantes na Evolução do Sistema Educacional Brasileiro
Evolução do Ensino no Brasil
O modelo de economia trazido ao Brasil pelos portugueses no colonialismo foi um modelo voltado às grandes propriedades e mão-de-obra escrava, que gerou implicações profundas na ordem social e política. Favoreceu o aparecimento da unidade básica de produção, de vida social, fundado pelo poder da família patriarcal. Fazendo com que os grandes senhores de terras obtivessem uma autoridade sem limites.
Essa família patriarcal também favoreceu, por sua receptividade, a implantação de pensamentos e ideias dominantes da cultura medieval europeia, e encontrou na obra dos Jesuítas um aliado na difusão dessa forma de importação. Pois ao branco colonizador, cabia diferenciar-se e impor-se, por sua origem europeia, ao restante da população – nativa, negra e mestiça – então existentes. A essa classe dominante, que detinha o poder político e ao mesmo tempo econômico, de ser também detentora dos bens culturais importados, que acreditavam ser de fato um exemplo.
Com isso, vingou-se na Colônia hábitos aristocráticos de vida. Fazendo com que as outras camadas da sociedade – latifundiária e escravocrata – copiassem o modelo aristocrático da camada nobre portuguesa. Contribuindo significativamente para esse fator a obra educativa da Companhia de Jesus.
O favorecimento dessa ação educativa foram a organização social e o conteúdo cultural transplantado para a Colônia, através da formação dada pelos padres da Companhia de Jesus.
Dentro da organização social consistia na predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho, sobre um contingente de agregados e escravos. Apenas a eles cabia o direito à educação, e mesmo assim, em um número pequeno, pois estavam excluídos desse contexto, as mulheres e os filhos primogênitos, aos quais cabia a direção futura dos negócios paternos. Sendo assim, a escola só era frequentada pelos filhos homens mais novos, recebiam apenas uma modesta educação escolar, a preparação para assumir a direção da família e dos negócios futuramente; limitando o número de pessoas da classe dominante que se destinava à educação escolarizada.
“Num contexto social com tais características, a instrução, a educação escolarizada só podia ser conveniente e interessar a esta camada dirigente (pequena nobreza e seus descendentes) que, segundo o modelo de colonização adotado, deveria servir de articulação entre os interesses metropolitanos e as atividades coloniais.” (RIBEIRO, 1991, pg. 22).
Já o conteúdo cultural consistia no próprio espírito da Contra-Reforma, que caracterizava uma reação agressiva contra o pensamento crítico que começava a despontar na Europa, seu objetivo acima de tudo religioso, era voltado ao humanismo e às letras, formando letrados eruditos, afastando-os do conhecimento científico, com um apego às formas dogmáticas de pensamento.
“… a metodologia dos cursos inferiores (humanidades), que culminava com o movimento denominado ‘imitação’, ou seja, a prática destinada à adquirir o estilo literário de autores clássicos…” (LARROYO, 1970, pg. 390).
O ensino que era transmitido pelos jesuítas estava totalmente à parte da realidade da vida na Colônia. Voltado somente à cultura básica, sem preocupação de qualificar para o trabalho, esse ensino servia tão somente a alguns espíritos ociosos (assim era visto na época, aqueles que não se dedicavam ao cultivo da terra), ou seja, desocupados sociais que não exerciam tarefas manuais, que era reservada aos cativos. A esses indivíduos, interessa bem a educação dos Jesuítas.
Missão centrada numa agregação que não abria para outras discussões e a reprodução de ideias. Os objetivos da Companhia de Jesus foram: recrutamento de fiéis e servidos; objetivos esses que foram atingidos.
A obra da catequese, que no início se dedicara à população indígena, acabou cedendo lugar à educação da elite, que perdurou até a expulsão dos Jesuítas, ocorrida no século XVIII, sendo conhecida como educação de classe, que atravessou todo o período colonial e imperou e atingiu o republicano, sem qualquer modificação estrutural, apesar do aumento da demanda social de educação, e o fato dela ter começado a atender as camadas mais baixas da população, obrigando à uma ampliação da oferta escolar. Esse modelo de educação transformou-se em símbolo da própria classe, que era desejado por quem procurava adquirir status.
“A reduzida camada média, que vai ampliando-se nas últimas décadas do Império, é que pressiona pela abertura da escola. Como o preparo intelectual representava oportunidade de ascensão social, os poucos alunos que conseguiam matricular-se nos colégios, nos liceus, não tinham outro objetivo senão o de ingressar no curso superior, qualquer que fosse sua origem social – média ou alta.” (RIBEIRO, 1991, pg. 57).
A crise econômica em que entrou o Reino Português, principalmente com a queda da mineração e o atraso cultural, entre outros, fez surgir um descontentamento geral em relação aos jesuítas, que surgiu na Metrópole, que acabou resultando na expulsão dos mesmos em 1759. O Estado, pela primeira vez, assumiu os encargos da educação, resultando daí inúmeras dificuldades para o sistema educacional, da expulsão até as primeiras providências decorreram 13 anos. Sem outra base de sustentação, acabaram os formados nos seminários dirigidos pelos jesuítas, assumindo o papel de educadores, sendo continuadores da mesma ação pedagógica que antes vigorava, fazendo com que esses métodos se voltassem para os mesmos objetivos antes existentes.
Surgiu no século XIX mudanças econômicas, mais acentuadas na mineração, que fez crescer uma camada intermediária visível na zona urbana. Passando a ter participação mais ativa na vida social, sobretudo pelo comprometimento público, pessoas ligadas ao jornalismo, letras e políticas, isto fez com que diversificasse um pouco a demanda escolar, deixando de ter somente acesso à escola à classe oligárquico-rural. Apesar desse fator, a educação continuou exercida e voltada às classes dominantes, pois a pequena burguesia (classe intermediária) via na educação uma forma de status, o que fez com que ela se ligasse à aristocracia rural, para alcançar o que desejavam, ascensão social.
Criou-se uma dependência entre a pequena classe e a burguesia, mas a pequena vinculou-se às ideias liberais dominantes, enquanto a outra firmou-se em ideais aristocrático-feudal. Essa contradição de ideias é que teriam provocado não só a ruptura das duas classes, como a vitória dos ideais liberais, vitória essa que observamos com a abolição da escravatura, proclamação da República e, posteriormente, com a introdução do capitalismo industrial.
A presença do príncipe Regente, D. João, por 12 anos, mudou o quadro das instituições educacionais da época. A mais importante foi a criação de cursos superiores (não-teológicos) na Colônia. Dentre as escolas superiores foram criadas: Academia Real da Marinha, Academia Real Militar, Economia Política, Curso de Agricultura, Faculdades de Medicina; Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, entre outras. Todavia, essa iniciativa foi de proporcionar educação para uma elite aristocrática e nobre que compunha a corte. Ficando abandonados os demais níveis de ensino que eram destinados à ralé.
A independência política não trouxe de imediato mudanças na situação de ensino, o que houve foi uma simples transferência de poderes, pois os letrados passaram a ocupar os novos cargos políticos administrativos, fazendo com que as novas Faculdades de Direito – a partir de 1820 – fossem fornecedoras de pessoal qualificado para essas funções.
A forma assumida pelo ensino superior acabou condicionando à uma estrutura do ensino secundário, responsabilidade que foi deixada a cargo das Províncias. A composição do currículo e estrutura da escola secundária foi dado um caráter propedêutico, sobreviveu até há pouco e constitui no atraso cultural de nossas escolas.
“… ora uma reforma pende para uma predominância, ora para outra, sem contudo, progredir no sentido de conseguir-se um ensino secundário mais adequado às novas tendências sociais no Brasil.” (RIBEIRO, 1991, pg. 70).
A descentralização com o Ato Adicional de 1834 dá às províncias o direito de regulamentar e promover a educação. Isto fez com que fossem criados os liceus, sem muita organização, pois não havia uma renda para financiar essas escolas. O que resultou foi que a iniciativa privada acabou tendo nas mãos, sobretudo, o ensino secundário, enquanto o ensino primário ficou relegado ao abandono. Esse fato acentuou ainda mais o caráter classista, esses colégios tinham como fundamento preparar apenas para o ensino superior (humanística e retórica). Se observarmos, veremos como a educação foi extremamente prejudicada com esse tipo de estrutura, tornando-se mera ilustração.
A Constituição da República de 1891 descentralizou o ensino, delegou aos Estados poder para prover e legislar sobre a educação primária e ensino profissional. Para a classe dominante, escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores, e para a educação do povo, escola primária e profissional, acarretando uma dualidade própria da organização social brasileira. Na República, a nova sociedade era mais complexa que a escravocrata, com algumas classes emergentes, esse complexo social não podia mais ligar-se a uma estrutura simplista, pois essa dualidade passou a ter sua sustentação comprometida pelo crescimento dessas camadas.
Com a vitória das ideias federalistas, consagrou-se autonomia aos poderes estaduais e fez com que o Governo Federal encarregasse uma parte da tarefa de proporcionar educação à nação, não interferindo na jurisdição relacionada à educação dos Estados, que acabou gerando uma desorganização na construção do sistema educacional.
Na I República tentou-se organizar esse quadro com algumas reformas. A primeira foi a de Benjamin Constant, que nem chegou a ser posta em prática, tentava substituir o currículo acadêmico por um enciclopédico, com a introdução de disciplinas científicas. Para a execução da reforma faltava infraestrutura institucional que assegurasse a sua implantação e o apoio político das elites. Só que não teve, porém, o conceito de pensar a educação dentro da realidade social.
Muitas outras reformas se seguiram a essa, tentando, mas não conseguindo nenhuma mudança significativa. Dentre elas, podemos citar: a criação do Ministério da Instrução, a lei Orgânica Rivadávia Corrêa em 1911, a Reforma Carlos Maximiliano, a Reforma Rocha Vaz, que não passaram de tentativas sem êxito.
Sendo assim, continuou o sistema de imitação dos modelos de educação latifundiária, pois ela tinha fornecido parte do capital humano e econômico que contribuiu para o processo de industrialização, que buscava nela exemplos a serem seguidos.
Tornava-se cada vez mais difícil a situação dada pela estrutura econômica ao acesso à uma educação técnica em quantidade, devido à escassez de recursos e demanda de mão-de-obra qualificada de que necessitava a industrialização, nem a população tinha interesse por esse tipo de ensino, símbolo da classe dominada.
“… o povo, principalmente as camadas médias que almejavam ascender na escala social, afastou logo de si a ideia de educar-se para o trabalho…” (ROMANELLI, 1999, pg. 44).
A I República conseguiu, de certa maneira, equilibrar a educação com sua demanda, suprindo as necessidades da época sentidas pela população, devido ao baixo índice de urbanização e industrialização. Só mais tarde, quando essa estrutura deu sinais de rachaduras, é que proporcionou à educação a tomar novos horizontes. Isso ocorreu porque surgiram correntes impulsionadoras. No campo das ideias, iniciaram-se mudanças com movimentos culturais pedagógicos em prol de reformas profundas; outra no campo social com aumento da demanda escolar, que foi impulsionada pela aceleração da urbanização e implantação da industrialização após a I Guerra, e muito mais acentuada depois de 1930.
Da decorrência de todos os fatores que analisamos, cabe-nos concluir que a educação brasileira teve como influência o poder exercido, tanto interno quanto externo, juntamente com o desenvolvimento dos processos econômicos que passou o país e que também houve uma falta de visão dos colonizadores, e, até mesmo, quem sabe, de acreditar que o Brasil viria a ser uma grande nação, e em contrapartida, o ensino também influenciou o meio social a buscar novos rumos à história política, econômica, social e cultural, começando a criar em nós um pouco mais de consciência crítica aos limites que o poder pode exercer.
“O homem é um ser de poder, e então um ser de amor. O indivíduo tenta simplesmente poder, como Alexandre, ou simplesmente amor, como Cristo. Mas a humanidade sempre terá sua natureza dual, o velho Adão do poder, o novo Adão do amor. E deve haver um equilíbrio entre os dois. O homem vai atingir sua natureza elevada e suas maiores realizações quando ele tentar atingir um modo de viver equilibrado entre sua natureza de poder e sua natureza de amor, sem negar a qualquer delas. É um equilíbrio que nunca será atingido, salvo em momentos, mas toda flor somente floresce por um momento, então morre. Isto faz dela uma flor.” (LAWRENCE, 1929)
A conclusão deste trabalho nos levou a um ponto de reencontro com a nossa pergunta originária e condutora de certa forma de nossa reflexão: há um modelo de produção dominante – o capitalista – quais suas consequências na atividade educacional?
Para tentar responder tal pergunta, foi preciso um esforço de identificação dos fatores que determinaram a formulação de uma política educacional no Brasil, como foi originada a ação educativa no período colonialista e qual foi a importância relevada na época para a educação dentro do contexto da produção econômica.
Primeiramente, temos que atentar para alguns aspectos da época do colonialismo no Brasil, que foi inicialmente uma educação voltada para o catecismo, que ficava a cargo do poder da Igreja, Companhia de Jesus, educação essa voltada para uma pacificação, para tornar dóceis o povo (nativo, mestiço, negro e até mesmo os portugueses que aqui residiam), para assim submetê-los ao poder e ordem da Coroa Portuguesa, sendo que ademais, não havia necessidade de uma educação primorosa, pois à sociedade cabia o serviço braçal, fazendo da educação algo dispensável aos interesses das classes dominantes da época.
Dando início assim a um sistema falho, deixando de lado a construção de indivíduos críticos participativos, para a criação de um indivíduo submisso e acomodado. E que esse modelo de produção vigente determinou os rumos da sustentação da educação no Brasil imperialista, gerando um desequilíbrio que acabou fazendo com que a educação ande sempre um passo atrás do desenvolvimento, tendo que se adequar cada vez que o modelo econômico sofre transformações.
Tendo como consequência a expansão, as crises econômicas que acabaram gerando o êxodo rural e o crescimento da população urbana, que obrigou o Estado a repensar o conceito de educação, não deixando de lado o fator de que ela tinha que atentar principalmente aos interesses do desenvolvimento.
Diante de tal realidade, é preciso que se entenda que tal concentração capitalista é um produto que foi construído em substituição às estruturas anteriores que obtinham a concentração em outras condições.
Sendo esse produto, que a partir de um determinado ponto, possível e necessário que venha a ser substituído por outro, isto é, por uma estrutura econômico-política que produza a distribuição (socialização) segundo os interesses da maioria.
Espero com a finalização deste trabalho ter contribuído um pouco mais para um esclarecimento dos problemas que envolvem a educação brasileira e encontre nele algum caminho para resolvê-los.
CIRIGLIANO, Gustavo F. G. Fenomenologia da Educação, Trad. do castelhano por Isaída Bezerra Tisott, Editora Vozes. Petrópolis RJ, 1969.
FAUNDEZ, Antônio. Educação, Desenvolvimento e Cultura, Cortez: São Paulo SP, 1994.
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade, Coleção educação universitária – 4ª ed. São Paulo SP, 1980.
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Autor: Kelli C. F. Boeing
A História da Educação no Brasil
Material didático de qualidade pode ser essencial para o aprendizado.
Achei muito interessante esse artigo, pois estou trabalhando um tema de TCC, que em que abordo essa temática educação, muito obrigado. Este artigo muito bom parabéns.