Resumo:
Este artigo trata das fases pelas quais a educação especial brasileira está evoluindo, partindo-se da exclusão dos alunos com deficiência em instituições especializadas de cunho eminentemente terapêutico até chegarmos aos dias de hoje, em que esta modalidade educacional está se chocando com as propostas de uma escola para todos, única, aberta às diferenças e, em consequência, inclusiva. O caminho percorrido é enfocado do ponto de vista dos documentos legais, dos planos e políticas educacionais. Finalizamos destacando a formação dos professores e apresentamos alguns indicadores pelos quais estamos avaliando os benefícios da inclusão, nas escolas brasileiras, por meio de investigações dos pesquisadores do LEPED/ Unicamp- São Paulo/Brasil.
Palavras-chave: educação especial; inclusão; políticas e legislação educacionais
QUADRO SITUACIONAL
Antecedentes históricos
O desenvolvimento histórico da educação especial no Brasil inicia-se no século 19, quando os serviços dedicados a esse segmento de nossa população, inspirados por experiências norte-americanas e européias, foram trazidos por alguns brasileiros que se dispunham a organizar e a implementar ações isoladas e particulares para atender a pessoas com deficiências físicas, mentais e sensoriais.
Essas iniciativas não estavam integradas às políticas públicas de educação e foi preciso o passar de um século, aproximadamente, para que a educação especial passasse a ser uma das componentes de nosso sistema educacional. De fato, no início dos anos 60 é que essa modalidade de ensino foi instituída oficialmente, com a denominação de “educação dos excepcionais”.
Podemos, pois, afirmar que a história da educação de pessoas com deficiência no Brasil está dividida entre três grandes períodos:
- de 1854 a 1956 – marcado por iniciativas de caráter privado;
- de 1957 a 1993 – definido por ações oficiais de âmbito nacional;
- de 1993… – caracterizado pelos movimentos em favor da inclusão escolar.
No primeiro período enfatizou-se o atendimento clínico especializado, mas incluindo a educação escolar e nesse tempo foram fundadas as instituições mais tradicionais de assistência às pessoas com deficiências mental, físicas e sensoriais que seguiram o exemplo e o pioneirismo do Instituto dos Meninos Cegos, fundado na cidade do Rio de Janeiro, em fins de 1854.
Entre a fundação desse Instituto e os dias de hoje, a história da educação especial no Brasil foi se estruturando, seguindo quase sempre modelos que primam pelo assistencialismo, pela visão segregativa e por uma segmentação das deficiências, fato que contribui ainda mais para que a formação escolar e a vida social das crianças e jovens com deficiência aconteçam em um mundo à parte.
A educação especial foi assumida pelo poder público em 1957 com a criação das “Campanhas”, que eram destinadas especificamente para atender a cada uma das deficiências. Nesse mesmo ano, instituiu-se a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro – CESB, seguida da instalação do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, que até agora existe, no Rio de Janeiro/RJ. Outras Campanhas similares foram criadas posteriormente, para atender à outras deficiências.
Em 1972 foi constituído pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC o Grupo-Tarefa de Educação Especial e juntamente com o especialista James Gallagher, que veio ao Brasil a convite desse Grupo, foi apresentada a primeira proposta de estruturação da educação especial brasileira, tendo sido criado um órgão central para geri-la, sediado no próprio Ministério e denominado Centro Nacional de Educação Especial – CENESP. Esse Centro, hoje, é a Secretaria de Educação Especial – SEESP, que manteve basicamente as mesmas competências e estrutura organizacional de seu antecessor, no MEC.
A condução das políticas brasileiras de educação especial estiveram por muito tempo nas mesmas mãos, ou seja, foram mantidas por um grupo que se envolveu a fundo com essa tarefa. Essas pessoas, entre outras, estavam ligadas a movimentos particulares e beneficentes de assistência aos deficientes que até hoje têm muito poder sobre a orientação das grandes linhas da educação especial. Na época do regime militar eram generais e coronéis que lideravam as instituições especializadas de maior porte e, atualmente, alguns deles se elegeram deputados, após assumirem a coordenação geral de associações e continuam pressionando a opinião pública e o próprio governo na direção de suas conveniências.
Foram muitos os políticos, educadores, pais, personalidades brasileiras que se identificaram com a educação de pessoas com deficiência e que protagonizaram a história dessa modalidade de ensino. Todos tiveram papéis relevantes em todos os períodos desse caminhar e não podem ser ignorados, pois atuaram em quadros político-situacionais que de alguma forma afetaram a educação de pessoas com deficiência, seja avançando, ousando, transformando as propostas, seja retardando-as, impedindo a sua evolução para novos alvos educacionais.
Os pais de pessoas com deficiência estão entre os que compõem essa liderança e a maioria deles têm sido uma grande força, mais para manter, do que para mudar as concepções e condições de atendimento clínico e escolar de seus filhos com deficiência.
Não podemos, pois, desconsiderar as iniciativas de caráter privado e beneficente lideradas pelos pais no atendimento clínico e escolar de pessoas com deficiência assim como na formação para o trabalho (protegido), apesar de suas intenções serem na maioria das vezes, respaldadas pela discriminação e pelo forte protecionismo.
Temos de destacar grupo os pais de crianças com deficiência mental, que são os mais numerosos e que fundaram mais de 1000 APAE em todo o Brasil.
A tendência do movimento de pais é ainda a de se organizarem em associações especializadas, gerenciadas por eles próprios, que buscam parcerias com a sociedade civil e o governo para atingir suas metas, sendo basicamente financiados pelos poderes públicos municipal, estadual e federal.
Contrariamente a outros países, os pais brasileiros, na sua maioria, ainda não se posicionaram em favor da inclusão escolar de seus filhos. Apesar de figurar essa preferência na nossa Constituição Federal, observa-se uma tendência dos pais se organizarem em associações especializadas para garantir o direito à educação de seus filhos com deficiência.
Só muito recentemente, a partir da última década de 80 e início dos anos 90 as pessoas com deficiência, elas mesmas, têm se organizado, participando de Comissões, de Coordenações, Fóruns e movimentos, visando assegurar, de alguma forma os direitos que conquistaram de serem reconhecidos e respeitados em suas necessidades básicas de convívio com as demais pessoas. Esses movimentos estão se infiltrando em todos os ambientes relacionados ao trabalho, transporte, arquitetura, urbanismo, segurança previdência social, acessibilidade em geral.
As pessoas buscam afirmação e querem ser ouvidos, como outras vozes das minorias, que precisam ser consideradas em uma sociedade democrática, como a que hoje vivemos neste país. Mas, infelizmente, apesar de estarem presentes e terem mostrado suas atuações em vários aspectos da vida social, os referidos movimentos não são ainda fortes no que diz respeito às prerrogativas educacionais, aos processos escolares, notadamente os inclusivos.
Legislação e concepções de atendimento escolar
Nossas leis educacionais sempre dedicaram capítulos à educação de alunos com deficiência, como um caso particular do ensino regular. A educação especial figura na política educacional brasileira desde o final da década de 50 e sua situação atual decorre de todo um percurso estabelecido por diversos planos nacionais de educação geral, que marcaram sensivelmente os rumos traçados para o atendimento escolar de alunos com deficiência.
A evolução dos serviços de educação especial caminhou de uma fase inicial, eminentemente assistencial, visando apenas ao bem-estar da pessoa com deficiência para uma segunda, em que foram priorizados os aspectos médico e psicológico. Em seguida, chegou às instituições de educação escolar e, depois, à integração da educação especial no sistema geral de ensino. Hoje, finalmente, choca-se com a proposta de inclusão total e incondicional desses alunos nas salas de aula do ensino regular.
Essas transformações têm alterado o significado da educação especial e deturpado o sentido dessa modalidade de ensino. Há muitos educadores, pais e profissionais interessados que a confundem como uma forma de assistência prestada por abnegados a crianças, jovens e adultos com deficiências. Mesmo quando concebida adequadamente, a educação especial no Brasil é entendida também como um conjunto de métodos, técnicas e recursos especiais de ensino e de formas de atendimento escolar de apoio que se destinam a alunos que não conseguem atender às expectativas e exigências da educação regular.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Nº 4.024/61, garantiu o direito dos “alunos excepcionais” à educação, estabelecendo em seu Artigo 88 que para integrá-los na comunidade esses alunos deveriam enquadrar-se, dentro do possível, no sistema geral de educação. Entende-se que nesse sistema geral estariam incluídos tanto os serviços educacionais comuns como os especiais, mas pode-se também compreender que, quando a educação de deficientes não se enquadrasse no sistema geral, deveria constituir um especial, tornando-se um sub-sistema à margem.
Esta e outras imprecisões acentuaram o caráter dúbio da educação especial no sistema geral de educação. A questão que se punha na época era: Enfim, diante da lei, trata-se de um sistema comum ou especial de educação? O mesmo está acontecendo atualmente com relação à inserção de alunos com deficiência no ensino regular, mas este caso abordaremos posteriormente, no contexto da discussão em torno da educação inclusiva.
Em 1972, o então Conselho Federal de Educação em Parecer de 10/08/72 entendeu a “educação de excepcionais” como uma linha de escolarização, ou seja, como educação escolar. Logo em seguida, Portarias ministeriais, envolvendo assuntos de assistência e de previdência social, quando definiram a clientela da educação especial, posicionaram-se segundo uma concepção diferente do Parecer, evidenciando uma visão terapêutica de prestação de serviços às pessoas com deficiência e elegeram os aspectos corretivos e preventivos dessas ações, não havendo nenhuma intenção de se promover a educação escolar.
Ainda hoje, fica patente a dificuldade de se distinguir o modelo médico/pedagógico do modelo educacional/escolar da educação especial. Esse impasse faz retroceder os rumos da educação especial brasileira, impedindo-a de optar por posições inovadoras, como é o caso da inserção de alunos com deficiência em escolas inclusivas.
O que parece estar claro é que os legisladores estabeleceram uma relação direta entre alunos com deficiência e educação especial. Essa correspondência binária nem sempre é a que mais nos interessa, principalmente quando temos como objetivo a inserção total e incondicional de todos os alunos, nas escolas regulares, ou melhor, em uma escola aberta às diferenças.
Apesar das definições, estudos, e demais maneiras de se diferenciar a clientela da educação especial, ainda não existem instrumentos legais e respostas conclusivas sobre qual é o verdadeiro alunado da educação especial, ou seja, qual é a sua clientela específica.
No discurso oficial, nos planos educacionais, nas diretrizes curriculares nacionais para o ensino de pessoas com deficiência a clientela é bem delimitada. Via de regra, os alunos que lotam as classes especiais ainda hoje não são, na grande parte dos casos, aqueles a quem essa modalidade se dirige e pela ausência de laudos periciais competentes e de queixas escolares bem fundamentadas, correm o risco de serem todos admitidos e considerados como alunos com deficiência. Trata-se de alunos que não estão conseguindo “acompanhar” seus colegas de classe ou que são indisciplinados, filhos de lares pobres, negros, e outros desafortunados da nossa sociedade entre alguns poucos realmente deficientes.
Essas indefinições justificam todos os desmandos e transgressões do direito à educação e à não discriminação que algumas redes de ensino estão praticando por falta de um controle efetivo dos pais, das autoridades de ensino e da justiça em geral.
Ressalta-se neste momento a existência de ações que buscam garantir a esses alunos o respeito às suas conquistas legais de estudar com seus pares em escolas regulares. Para tanto, têm-se mobilizado os procuradores e promotores de justiça responsáveis pela infância e juventude, pessoas idosas e deficientes. As Recomendações dessas autoridades têm dirimido dúvidas e resolvido com sucesso os casos de inadequação e de exclusão escolar, em escolas do governo e particulares.
Todas estas situações, que implicam problemas conceituais, desconhecimento dos preceitos da Constituição Federal e interpretações tendenciosas da legislação educacional, têm confundido o sentido da inclusão escolar e prejudicado os que lutam por implementá-la nas escolas brasileiras. Essa questões estão na base da compreensão das políticas de educação especial e regular e têm sido, ao nosso ver, responsáveis por caminhos incertos, trilhados pelos que pensam, decidem e executam os planos educacionais brasileiros.
O especial na educação x O especial da educação
A mudança da nomenclatura – “alunos excepcionais”, para “alunos com necessidades educacionais especiais”, aparece em 1986 na Portaria CENESP/MEC nº 69. Essa troca de nomes, contudo, nada significou na interpretação dos quadros de deficiência e mesmo no enquadramento dos alunos nas escolas.
O MEC adota até hoje o termo “portadores de necessidades educacionais especiais – PNEE ao se referir a alunos que necessitam de educação especial. Mesmo incluindo entre esses alunos os que apresentam dificuldades de aprendizagem, os que têm problemas de conduta e de altas habilidades, a clientela da educação especial não fica ainda bem caracterizada, pois mantém-se a relação direta e linear entre o fato de uma pessoa ser deficiente e frequentar, o ensino especial, na compreensão da maioria das pessoas.
A Constituição Brasileira de 1988, no Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, Artigo 205 prescreve: “A educação é direito de todos e dever do Estado e da família”. Em seu Artigo 208, prevê: “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:..”atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
Este e outros dispositivos legais referentes à assistência social, saúde da criança, do jovem e do idoso levantam questões muito importantes para a discussão da educação especial brasileira, não apenas com relação à adaptação de edifícios de uso público, quebra de barreiras arquitetônicas de todo tipo, transporte coletivo, salário mínimo obrigatório como benefício mensal às pessoas com deficiência que não possuem meios de prover sua subsistência e outros. Entre essas questões desponta atualmente a inclusão escolar e novamente se questiona aqui a destinação da educação especial.
O esclarecimento da referida questão envolve a consideração de três direções possíveis aos encaminhamentos dos alunos às escolas:
a) a que implica um sentido de oposição entre educação especial e regular, em que os alunos com deficiência só teriam uma opção para seus estudos, ou seja, o ensino especial;
b) a que implica uma inserção parcial, ou seja, a integração de alunos nas salas de aula do ensino regular, quando estão preparados e aptos para estudar com seus colegas do ensino geral e sempre com um acompanhamento direto ou indireto do ensino especial;
c) a que indica a inclusão dos alunos com deficiência nas salas de aula do ensino regular, sem distinções e/ou condições, implicando uma transformação das escolas para atender às necessidades educacionais de todos os alunos e não apenas de alguns deles, os alunos com deficiência, altas habilidades e outros mais, como refere a educação especial.
O debate atual está centrado nas direções b) e c) acima citadas, isto é, entre integração escolar e inclusão escolar. O assunto cria inúmeras e infindáveis polêmicas, provoca as corporações de professores e de profissionais da área de saúde que atuam no atendimento às pessoas com deficiência – os paramédicos e outros que tratam clinicamente de crianças e jovens com problemas escolares e de adaptação social e também “mexem” com as associações de pais que adotam paradigmas tradicionais de assistência às suas clientelas.
Afetam também, e muito os professores da educação especial que se sentem temerosos de perder o espaço que conquistaram nas escolas e redes de ensino. Os professores do ensino regular consideram-se sem competência para atender às diferenças nas salas de aula, especialmente aos alunos com deficiência nas suas salas de aulas, pois seus colegas especializados sempre se distinguiram por realizar unicamente esse atendimento e exageraram essa capacidade de fazê-lo aos olhos de todos. Há também um movimento contrário de pais de alunos sem deficiências, que não admitem a inclusão, por acharem que as escolas vão baixar e/ou piorar ainda mais a qualidade de ensino se tiverem de receber esses novos alunos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB mais recente, Lei nº 9.394 de 20/12/96 destina o Capítulo V inteiramente à educação especial, definindo-a no Artg. 58º como uma “modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos que apresentam necessidades especiais”. Este destaque seria de fato um avanço?
Sem dúvida, avançamos muito em relação ao texto da Lei Nº 4.024/61, pois parece que não há mais dúvidas de que a “educação dos excepcionais” pode enquadrar-se no sistema geral de educação, mas continuamos ainda atrelados à subjetividade de interpretações, quando topamos com o termo “preferencialmente” da definição citada.
No Artigo 59 a nova LDB dispõe sobre as garantias didáticas diferenciadas, como currículos, métodos, técnicas e recursos educativos; terminalidade específica para os alunos que não possam atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude da deficiência; especialização de professores em nível médio e superior e educação para o trabalho, além de acesso igualitário aos benefícios sociais.
A LDB definiu finalmente o espaço da educação especial na educação escolar, mas não mencionou os aspectos avaliativos em nenhum ítem e esta ausência gera preocupação, pois não se sabe o que fazer a respeito – pode-se tanto proteger esses alunos com parâmetros específicos para esse fim, como equipará-los ao que a lei propõe para todos.
Sobre a “terminalidade específica” dos níveis de ensino, o texto da lei fica também muito em aberto, principalmente no que diz respeito aos critérios pelos quais se identifica quem cumpriu ou não as exigências para a conclusão desses níveis e o perigo é que a idade venha a ser o indicador adotado.
A qualificação do professor para assegurar a operacionalização do ensino de alunos com deficiência suscita muitas questões, devidas igualmente à imprecisão do texto legal. Acreditamos que mais urgente que a especialização é a formação inicial e continuada de professores para atender às necessidades educacionais de todos os alunos, no ensino regular, como proposto pela inclusão escolar.
Pesquisas recentes de Mestrado e de Doutorado realizadas por membros do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – LEPED / Universidade Estadual de Campinas- São Paulo/ Brasil, do qual sou a coordenadora, mostram claramente que os professores carecem de uma boa formação para ensinar a todos e não especificamente os deficientes.
Como concluiu Brito de Castro (1997) em seu Mestrado sobre a implantação da inclusão escolar na rede municipal de ensino de Natal/ Rio Grande do Norte/Brasil, os professores têm evidenciado dificuldades para trabalhar com os alunos em geral, não apenas com aqueles com deficiência, dadas as precárias condições de trabalho e de formação docente. A pesquisadora constatou que as professoras necessitam de mais conhecimentos do que já possuem para desenvolver uma prática de ensino que considere as diferenças em sala de aula, e não uma capacitação especializada nas deficiências, como propõem a lei e as políticas educacionais brasileiras.
O mesmo foi reconhecido por nós em uma pesquisa realizada na região sudeste do Brasil em 1999, juntamente com outras pesquisadoras brasileiras, quando analisamos as respostas de 493 professores das redes públicas de ensino das quatro capitais dessa região sobre suas necessidades para atender aos alunos com deficiência em salas de aula do ensino regular.
Recentemente, em abril de 2001, foi colocado em discussão na Câmara do Ensino Básico do Conselho Nacional de Educação um documento que trata das Diretrizes Curriculares da Educação Especial.
O que mais nos surpreende, neste documento é que, a despeito da ampla discussão entre os educadores, legisladores, pais e pessoas com deficiência, o conceito de inclusão escolar não avançou, do ponto de vista das suas aplicações na mesma medida em que vem sendo esclarecido, do ponto de vista teórico.
No referido Documento como em muitos outros, fica evidente esse descompasso, quando se afirma, por exemplo, que:
“Operacionalizar a inclusão escolar de todos os alunos, independentemente de classe, raça, gênero, sexo ou características individuais é o grande desafio a ser enfrentado, numa clara demonstração do respeito à diferença” (p.21).
Ele defende a inclusão, mas sugere em todo o texto ações que não respeitam os princípios de uma escola para todos, sem discriminações e preconceitos, sem ensino à parte.
De fato, o Documento orienta confusamente essa operacionalização, quando se refere à educação escolar dos alunos com deficiência e à formação inicial dos professores, como comentaremos a seguir.
O especial na educação x O especial da educação
Existe, ao nosso ver, na base desses equívocos e restrições, uma indiferenciação entre o especial da educação e o especial na educação.
O especial na educação tem a ver com o que está posto no Documento, do ponto de vista operacional. Neste caso, o que se entende é que as condições da inclusão implicam a justaposição do ensino especial ao regular, ou seja, o inchaço deste, pelo carreamento de profissionais, recursos, métodos, técnicas da educação especial às escolas regulares. Em outras palavras, esta proposição tem a ver com o que já existe há muito tempo e que sustenta o modelo organizacional da integração escolar, entendida no Documento como integração parcial, na qual o aluno tem de se adequar ao ensino regular para cursá-lo e o staff do ensino especial vai lhe servir para isso.
O que define o especial da educação não é a dicotomização e a fragmentação dos sistemas escolares em modalidades diferentes, mas a capacidade de a escola atender às diferenças nas salas de aula, sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns, sem estabelecer regras específicas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avaliação da aprendizagem especiais).
O especial da educação tem a ver com a inclusão total, incondicional de todos os alunos às escolas de seu bairro, como cita Salamanca, e que ultrapassa o âmbito dos alunos com deficiência, englobando-os, sem dúvida. Este especial da educação não é requerido apenas para a inserção de alunos com deficiência, mas para que possamos reverter uma situação vergonhosa da escola brasileira, hoje, marcada pelo fracasso e pela evasão de uma parte significativa dos seus alunos.
É certo que os alunos com deficiência constituem uma grande preocupação para os educadores inclusivos, mas todos sabemos que a maioria dos alunos que fracassam na escola são crianças que não vêm do ensino especial, mas que possivelmente acabarão nele!
Outro ponto a ser lembrado é a exequibilidade da inclusão escolar. É importante destacar que as transformações exigidas pela inclusão escolar não são utópicas e que temos meios de efetivá-las. Essas mudanças já estão sendo implementadas em alguns sistemas públicos de ensino e em escolas particulares no Brasil e no exterior, que aceitaram o desafio de se tornar verdadeiramente inclusivos e estão fundamentados nas teorias educacionais pós-modernas, no multiculturalismo, e em novos paradigmas que emergem no cenário da educação neste início de século.
As implicações pedagógicas que podemos retirar dessas novas contribuições teóricas são inúmeras e a LDB já indica algumas delas em seu texto, quando se refere, por exemplo, a novos critérios para a formação de turmas escolares (ciclos de formação e de desenvolvimento), quando sugere planos de desenvolvimento individualizados das escolas, respeitando a identidade social e cultural dos alunos, participação ativa dos pais nas decisões das escolas e outros meios pelos quais podemos compatibilizar os princípios de uma educação verdadeiramente inclusiva, com alternativas pedagógicas e organizacionais necessárias à sua consecução.
Em uma palavra, mudam as escolas e não mais os alunos!
Pensar, decidir e trabalhar em favor da inclusão é deflagrar por essa tão óbvia concepção uma revolução no ensino!
SOBRE A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
Quanto à formação dos professores na ótica do especial na educação, já temos muitos meios de capacitar esses profissionais: nas Habilitações dos Cursos de Pedagogia, nas inúmeras especializações que se criam nos cursos de pós-graduação, na formação continuada oferecida pelas redes de ensino como “cursos preparatórios para a inclusão”, no acervo de clínicas e instituições que atendem a alunos e pessoas com deficiência. Trata-se da velha e conhecida formação que é necessária para manter a ideia de que a escola-clínica é a que resolve os problemas das deficiências e, em consequência, da inclusão escolar.
A formação tradicional em educação especial não se destina a profissionais que terão o compromisso de incluir os excluídos da escola, pois não lhes incute a ideia do especial da educação, que redireciona objetivos e práticas de ensino, pelo reconhecimento e valorização das diferenças. Porque continua a dividir, a separar, a fragmentar o que a escola deve unir, fundir, para se fortalecer e tornar-se justa e democrática, cônscia de seus deveres e dos preceitos constitucionais que garantem a todos os cidadãos brasileiros uma escola sem preconceitos, que não discrimina, sob qualquer pretexto – Art.3º parágrafo IV do Título I da Constituição da República Federativa do Brasil.
Na perspectiva da educação aberta às diferenças e do ensino inclusivo a formação dos professores não acontece pelos mesmos caminhos acima referidos; ela é construída no interior das escolas, continuamente, à medida que os problemas de aprendizagem dos alunos com e sem deficiência aparecem e considerando-se concomitantemente o ensino ministrado, suas deficiências, inadequações, conservadorismo.
Trata-se de uma nova formação, que busca aprimorar o que o professor já aprendeu em sua formação inicial, ora, fazendo-o tomar consciência de suas limitações, de seus talentos e competências, ora, suplementando esse saber pedagógico com outros, mais específicos, como o sistema braile, as técnicas de comunicação e de mobilidade alternativa/aumentativa, ora aperfeiçoando a sua maneira de ensinar os conteúdos curriculares, ora levando-o a refletir sobre as áreas do conhecimento, as tendências da sociedade contemporânea, ora fazendo-o provar de tudo isso, ao aprender a trabalhar com as tecnologias da educação, com o bilinguismo nas salas de aula para ouvintes e surdos….
Mas tudo isso sendo entendido como um processo de trabalho que é necessário para que a escola acolha a todos os alunos, sem preconceitos e cônscia de seus compromissos de formadora e não apenas de instrutora das novas gerações e transmissora de um saber, que é ultrapassado continuamente e que, assim sendo, não pode ser sistematizado aprendido/ensinado, como antes.
Como ensinar aos professores em formação inicial ou em serviço práticas heterogêneas e inclusivas, a partir de uma política de formação de professores que enfatiza a deficiência, que categoriza os aprendizes e seus professores e que, assim procedendo, opta pela homogeneidade das práticas e exclui os que nela cabem em uma modalidades específica de educação?
Na verdade, o ensino dicotomizado em regular e especial, define mundos diferentes dentro das escolas e dos cursos de formação de professores. Essa divisão perpetua a ideia de que o ensino de alunos com deficiência e com dificuldades de aprendizagem exige conhecimentos e experiência que não estão à altura dos professores regulares. Há mesmo um exagero em tudo o que se relaciona à educação especial, que desqualifica o ensino regular e os professores que não têm a habilidade de ensinar essa clientela.
Temos, então, de recuperar, urgentemente, a confiança que os professores do ensino regular perderam de saber ensinar todos os alunos, sem exceção, por entenderem que não há alunos que aprendem diferente, mas diferentemente.
Resumindo o que acabamos de descrever e comentar, podemos afirmar que existiu e ainda existe uma ambiguidade na direção dos atendimentos da educação especial. As principais tendências de nossas políticas nacionais de educação especial até 1990 foram o atendimento terapêutico e assistencial, em detrimento do educacional, propriamente dito. A ênfase no apoio do governo às ações das instituições particulares especializadas nas deficiências continua acontecendo, o que marca a visão segregativa da educação especial no Brasil.
Infelizmente, ainda não se tem uma clara definição das nossas autoridades educacionais sobre a adoção de uma política verdadeiramente inclusiva em nossas escolas regulares. Se a educação especial se protege, ao se mostrar temerosa por uma mudança radical da escola, a educação regular se omite totalmente, passando pela questão muito rapidamente, mas protegendo-se da mesma forma de toda de qualquer transformação de seu trabalho nas escolas, alegando falta de preparo dos professores e de condições funcionais para atender a todas as crianças, inclusive as que têm deficiências.
Nesse jogo político-institucional quem perde são sempre as crianças e a nação brasileira, que tem suas novas gerações mais uma vez privadas dos benefícios de uma escola que ensinaria justiça, democracia e abertura às diferenças, pelo método mais eficiente – a convivência entre pares.
A educação especial e todas as utilizações dessa adjetivação nos programas, projetos, planos de ação para desenvolver a escolaridade de alunos com deficiência ainda têm um peso muito forte e ajudam a dividir os alunos, professores, sistemas, escolas, ideias, legislação, ao invés de ampliar a especialização do ensino em todos os alunos.
E O QUE HÁ DE NOVO?
O movimento inclusivo, nas escolas, por mais que seja ainda muito contestado, pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, especialmente no meio educacional, é irreversível e convence a todos pela sua lógica e pela ética de seu posicionamento social.
A inclusão está denunciando o abismo existente entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira. A inclusão é reveladora dessa distância que precisa ser preenchida com as ações que relacionamos anteriormente.
Assim sendo, o futuro da educação inclusiva está, ao nosso ver, dependendo de uma expansão rápida dos projetos verdadeiramente embuídos do compromisso de transformar a escola, para se adequar aos novos tempos.
Não se muda a escola com um passe de mágica, mas a implementação da escola inclusiva é um sonho possível e estamos trabalhando nesse sentido, colhendo muitos resultados animadores em redes de ensino e em escolas particulares brasileiras.
O LEPED/Unicamp tem assessorado inúmeros projetos em todo o Brasil, nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e ao mesmo tempo pesquisado o que está sendo realizado diretamente nas salas de aula, produzindo dessa maneira conhecimento a respeito da inclusão escolar.
Os principais indicadores de sucesso dos nossos projetos têm a ver com as mudanças atitudinais de professores, diretores e da comunidade escolar, assim como dos pais e alunos das escolas, diante da inclusão. Não se trata aqui de alunos com deficiência, mas de todos os alunos que estão na escola, mas marginalizados, e dos que estão fora dela, porque foram excluídos ou ainda não conseguiram nelas penetrar, por preconceitos de toda ordem: sociais, culturais, raciais, religiosos. Somos um país transcultural dada a nossa forte miscigenação, mas nem por isso deixamos de discriminar e de isolar os grupos minoritários mais estigmatizados e também outros, que foram e são considerados inferiores, como os negros, índios, imigrantes e migrantes do Norte e Nordeste, entre outros.
No âmbito das escolas com as quais estamos trabalhando, os indicadores de sucesso aparecem também atrelados ao cumprimento dos planos de ação dos sistemas de ensino e das escolas, individualmente.
Salientamos que esses sistemas em que trabalhamos todos eles excluíram a educação especial de seus organogramas e com isso temos outras condições de tratar as novas propostas de organização do ensino nas escolas, livres de toda saída possível para fugir da inclusão. Uma modalidade de ensino única reduz as chances de se encaminhar os problemas e as dificuldades para ensinar algumas crianças, com ou sem deficiências, em ambientes à parte e remete os problemas de ensino às escolas, aos professores, à estrutura e ao funcionamento geral dos sistemas. Essa situação desafiadora, faz com que se ultrapassem os limites pedagógicos e administrativos das escolas, na direção da inclusão.
Em uma palavra, o desafio da inclusão está desestabilizando as cabeças dos que sempre defenderam a seleção, a fragmentação do ensino em modalidades, as especializações e especialistas, o poder das avaliações, da visão clínica do ensino e da aprendizagem. E como não há bem que sempre ature, está sendo difícil manter resguardados e imunes às mudanças todos os que colocam nos alunos a incapacidade de aprender.
PENSANDO E FAZENDO UMA ESCOLA PARA TODOS: a inclusão escolar
O momento é de descartar os subterfúgios teóricos, as distorções propositais do conceito de inclusão, condicionada à capacidade intelectual, social e cultural dos alunos, para atender às expectativas e exigências da escola. Porque sabemos que podemos refazer a educação escolar, segundo novos paradigmas, preceitos, ferramentas, tecnologias educacionais.
De fato, as condições que temos, hoje, para transformar as escolas brasileiras nos autoriza a propor uma escola única, em que a cooperação substitui a competição, pois o que se pretende é que as diferenças se complementem e que os talentos de cada um sobressaiam. Dentre as inúmeras reformas que estamos realizando nas escolas e redes de ensino em que estamos implementando uma escola para TODOS, a elaboração e a execução de currículos, em todos os níveis de ensino, implicam em interação e não mais em distribuição e transmissão do saber por via unilateral e hierarquicamente direcionada, do professor para o aluno. Ambos podem e devem ser co-autores dos planos escolares, compartilhando todos os seus atos, do planejamento à avaliação, e respeitando-se mutuamente.
As turmas escolares organizadas por ciclos de desenvolvimento e formação fazem desaparecer as séries escolares e o tempo de aprender passa a ser um aliado e não mais um inimigo dos alunos.
A avaliação da aprendizagem torna-se um processo de duas mãos em que não se analisa apenas um de seus lados, o do aluno, sem conhecer o outro, o do ensino e atuação do professor.
Estamos, a duras penas, combatendo a descrença e o pessimismo dos acomodados e mostrar que a inclusão é uma grande oportunidade para que alunos, pais e educadores demonstrem as suas competências, poderes e responsabilidades educacionais.
As ferramentas estão aí, para que as mudanças aconteçam, urgentemente, e re-inventemos a escola, desconstruindo a máquina obsoleta que a dinamiza, os conceitos sobre os quais ela funciona, os pilares teórico-metodológicos em que ela se sustenta.
Os pais são os grandes aliados dos que estão empenhados na construção da nova escola brasileira – a escola inclusiva, aberta às diferenças. Eles são uma força estimuladora e reivindicadora dessa tão almejada recriação da escola, exigindo o melhor para seus filhos, com e sem deficiências, e não se contentando com projetos e programas que continuem batendo nas mesmas teclas e/ou maquilam o que sempre existiu.
Os pesquisadores do LEPED/Unicamp têm trabalhado sobre os resultados desses projetos e também sobre as condições mais favoráveis à inclusão escolar. Muitos desses estudos foram concluídos, e estão em andamento. São teses de Doutorado em Educação, dissertações de Mestrado que orientamos na Faculdade de Educação e que constituem já um acervo pertinente a questões relativas à inclusão.
Pensamos que o essencial é que todos os investimentos atuais e futuros da educação brasileira não devem repetir o passado, mas considerar, verdadeiramente, o papel da escola e de seus educadores ao ensinar a importância da diversidade em todas as suas manifestações, inclusive na nossa própria espécie. E para termos sempre presente que o nosso problema mais urgente e relevante, antes de toda e qualquer preocupação que possamos ter com os alunos que já estão nas escolas, é com os que estão fora delas e com tudo o que as torna injustas, discriminadoras e excludentes.
Autora: Maria Teresa Eglér Mantoan
Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Educação
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – LEPED/Unicamp
Educação Especial e Aprendizagem
Brinquedos adaptados para crianças com deficiência podem ser uma excelente ferramenta para promover a inclusão e o desenvolvimento.
Inclusão na educação: O papel da psicomotricidade como auxílio
Escreva um comentário