A Compreensão Do Jogo Como Um Processo Educativo
INTRODUÇÃO
O período definido como infância é caracterizado pelo momento próprio da brincadeira. Para Piaget (1975), quando postula sua teoria sobre o desenvolvimento da criança, descreve-a, basicamente, em quatro estados, que ele próprio chama de fases de transição. Essas quatro fases são: Sensório-motor (0 – 2 anos), Pré-operatório (2 – 7,8 anos), Operatório-concreto (8 – 11 anos) e Operatório-formal (8 – 14 anos), em que a apreensão e a aprendizagem acerca do meio em que vive e até mesmo do mundo estão sendo construídas.
O jogo tem um papel de extrema importância nesse período, uma vez que, em determinados momentos, apresenta para as crianças situações limites a serem ultrapassadas e superadas, além de proporcionar a construção de sua própria autonomia através de modificações que possam vir a ser necessárias em determinado jogo.
Com essa proposta e através dos escritos deixados por pensadores da matéria, como é o caso de Freud, Gardner, Jung, Piaget e Erickson, entre outros, traremos a importância do auxílio do jogo no processo educacional de crianças dentro do espaço educacional, mas que também se estende para sua vida social, pois o jogo desenvolve um espírito participativo, construtivo e desperta a imaginação do consciente e inconsciente infantil.
O JOGO NA PERSPECTIVA HISTÓRICA
Quando se faz uma busca histórica com referência ao jogo e como referência dentro das mais diversas sociedades, não é difícil perceber que ele (o jogo) estava inserido nos costumes dos diferentes povos do planeta nas mais diversas épocas.
Conforme as diferentes manifestações culturais, os jogos apresentam expressões e características próprias na linguagem, no conhecimento, na arte, na poesia e na educação, pois a relação entre o jogo e a educação é mais antiga do que pensamos. Gregos e romanos já falavam da importância do jogo para educar a criança. Pode ser mais antigo até que a própria cultura, pois esta vem antes e determina a formação das sociedades humanas.
Por trás de toda uma carga de emoção e seriedade, a criança encara o jogo com um caráter subliminar – fictício e de faz de conta. Isso é que torna o jogo tão importante no aspecto do seu desenvolvimento. Piaget (1998) acredita que o jogo é essencial na vida da criança, pois, à medida que joga, ela vai se conhecendo melhor, construindo interiormente o seu mundo, pois a criança se deixa interagir com o outro e com o mundo, até então, não conhecido ou explorado por ela, fazendo ponto com J. A. Hadfield, que defende assim o jogo para a criança.
“O jogo da criança é frequentemente a resolução dos problemas usando símbolos concretos: ela imagina situações, assumindo atitudes (como em relação a uma boneca desobediente) sem se dar conta de que está tratando de seus problemas pessoais, que está tratando a sua própria desobediência” (p. 148).
Já para Vygotsky, o jogo leva a criança para a zona de desenvolvimento proximal.
“A criança se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que é na realidade” (p.117).
Os objetos de exploração pelo jogo podem melhorar o raciocínio e reflexão, os sentidos e desenvolver o pensamento, realizando algumas vezes sozinhos ou em outras na companhia de outras crianças, desenvolvendo também o comportamento em grupo. Através dos jogos, cada criança terá a oportunidade de expressar seus interesses, necessidades e preferências.
O jogo é também a linguagem simbólica natural que a criança utiliza para expressar sentimentos e angústias, se colocando dentro de e através de cada momento que está sendo jogado.
“Devíamos observar na criança os primeiros traços de atividade imaginativa. A ocupação preferida da criança e a que mais absorve é o jogo. Talvez possamos dizer que, no jogo, cada criança comporta-se como um escritor imaginativo, na medida em que cria um mundo próprio ou, mais verdadeiramente, organiza os elementos de seu mundo e os ordena de uma nova maneira que mais lhe agrada. Seria incorreto dizer que ela não leva seu mundo a sério; ao contrário, encara seu jogo muito seriamente e despende nele grande carga de emoção. O oposto ao jogo não são as ocupações sérias, mas a realidade. Não obstante a catexe efetiva de seu mundo do jogo, a criança o distingue perfeitamente da realidade” (Freud, 135).
As crianças podem expressar através de seus jogos grande parte dos usos e relações sociais que conhecem. O jogo é, por sinal, um meio para a formação da identidade e a diferenciação pessoal, estimulando e favorecendo o crescimento da identidade da criança.
O JOGO NO AMBIENTE ESCOLAR
Na perspectiva do ambiente educacional, o jogo ganha ainda mais importância no sentido da educação psico-comportamental, que tem um papel fundamental no planejamento de estratégias de aplicação educacional, levando o aluno a vivenciar situações para as quais ainda não havia atentado ou pensado a respeito.
Com relação a essa intervenção dentro da sala de aula, podem existir jogos voltados para reflexão, trabalhando esses jogos de forma pedagógica através de dinâmicas. Dependendo de suas finalidades, podem variar desde buscar uma conscientização sobre a própria identificação da pessoa que esteja participando até o desenvolvimento de integração de uma criança em um determinado grupo.
- Trazendo como destaque e referência o jogo dramático dentro de sala de aula, podemos destacar pontos que devam ser pensados e respeitados como premissas para execução da atividade: a aceitabilidade dos alunos frente ao jogo escolhido, pois uma vez não sendo aceito, a interrupção do jogo pode acontecer caso seja necessário; as regras do jogo têm que ser respeitadas, caso contrário, o objetivo do jogo será modificado; o coordenador do jogo deve compreender as variações que o espaço oferece para a execução do trabalho pensado; o jogo deve trazer o lúdico como ponto a ser respeitado.
- A formação lúdica traz em pressupostos que valorizam a criatividade, o exercício da sensibilidade, a busca da afetividade, proporcionando aos alunos vivências lúdicas e experiências corporais que se utilizam da ação, do pensamento e da linguagem, tendo no jogo sua fonte dinamizadora. Essas premissas trazem no seu contexto os objetivos básicos para o trabalho dentro de um âmbito educacional, não se limitando a isso, mas a partir disso começar um processo que possa levar o jogo a formar e não desprezar (pedagogicamente falando) o momento do “brincar” vivenciado pela criança.
Froebel introduz o brincar para educar e desenvolver a criança. Sua teoria metafísica acredita que o brincar permite o estabelecimento de relações entre objetos culturais e a natureza, unificados pelo mundo espiritual. Froebel concebe o brincar como atividade livre e espontânea, responsável pelo desenvolvimento físico, moral, cognitivo, e os dons ou brinquedos, objetos que subsidiam atividades infantis.
Entende, também, que a criança necessita de orientação para seu desenvolvimento, ou seja, é dada para a escola uma função mediadora dessa necessidade quanto a essa educação proposta por Froebel e que deve buscar caminhos e direcioná-los, elaborando formas de levar o jogo para dentro da sala de aula, pois a aquisição do conhecimento requer a auto-atividade, capaz de gerar auto-determinação que se processa especialmente pelo brincar, não apenas fora da sala de aula, mas principalmente orientada com uma proposta pedagógica.
“Entende que é destino da criança viver de acordo com sua natureza, tratada corretamente, e deixada livre, para que use todo seu poder. A criança precisa aprender cedo como encontrar por si mesma o centro de todos os seus poderes e membros, para agarrar e pegar com suas próprias mãos, andar com seus próprios pés, encontrar e observar com seus próprios olhos. Ao elevar o homem à imagem de Deus, criador de todas as coisas, postula que a criança deve possuir as mesmas qualidades e ser produtiva e criativa” (FROEBEL, 1912, p.11).
Howard Gardner traz a necessidade da criança viver o seu tempo de forma a não pular etapas ou momentos importantes de sua vida. Caso isso aconteça, pode levar a criança a não obter um desenvolvimento psicossocial completo.
“Brincar é um componente crucial do desenvolvimento, pois, através do brincar, a criança é capaz de tornar manejáveis e compreensíveis os aspectos esmagadores e desorientadores do mundo. Na verdade, o brincar é um parceiro insubstituível do desenvolvimento, seu principal motor. Em seu brincar, a criança pode experimentar comportamentos, ações e percepções sem medo de represálias ou fracasso, tornando-se assim mais bem preparada para quando o seu comportamento ‘contar’” (Howard Gardner).
A escola é um espaço primordial para a sociedade, pois tem os elementos necessários para o desenvolvimento psicossocial de cada indivíduo que nela atua diretamente, que são os profissionais, que deveriam estar preparados para lidar com os elementos obtidos pelas adversidades trazidas pela sociedade e o principal, que é a capacidade de criar de cada criança, capacidade esta que, por muitos momentos, é desprezada, com pouca perspectiva de exploração junto aos caminhos pedagógicos. Isso faz com que o profissional envolvido tenha a sua responsabilidade cada vez mais aumentada quanto a essa percepção, a percepção da sua conduta, do seu olhar, das suas atitudes dentro do espaço educacional.
O PROFESSOR COMO MEDIADOR
Quais acontecimentos estão se desenvolvendo durante um jogo em que crianças estão participando? É possível que, aos olhos de um observador que não esteja preparado ou ainda desatento, sejam apenas brincadeiras, coisas sem importância. Mas, na perspectiva de um educador que tenha um olhar educativo, muitas coisas de extrema importância estão ocorrendo, como, por exemplo, a compreensão e apropriação da realidade do seu mundo, construção e quebra de hipóteses, elaboração de soluções para problemas, autoafirmação da personalidade.
A espontaneidade com que a criança trata o jogo faz com que, em muitos momentos, os professores não ajam de forma efetiva no sentido de intervir, buscando a compreensão comportamental dos alunos. Compreendendo e dando a importância devida ao jogo no desenvolvimento infantil, deve-se ter uma pessoa que tenha um conhecimento quanto ao trato com as situações referentes à elaboração, criação e condução de cada jogo proposto, com o propósito de compreender o processo que está se desenvolvendo. Essa compreensão pode acontecer de forma sutil, ambientando e distribuindo materiais para execução dos jogos propostos, permitindo que os jogos possam ser repetidos, valorizando as atividades postas pelas crianças, estando como mediador delas nas atividades e nos conflitos, caso ocorram.
É importante que o educador busque caminhos que o levem à compreensão dos desejos trazidos pela criança com relação aos jogos ou brincadeiras para sala de aula, pois uma correta interpretação pode levar os educadores a serem jogadores juntamente com as crianças. A criança, quando brinca, vive todas as possibilidades de interagir com o outro, e o professor deve compreender isso, precisa estar junto estabelecendo uma interação aluno-professor-escola-aluno de forma prazerosa. O educador tem nos jogos um forte aliado para desenvolver conceitos e objetivos a partir da observação, do registro, da compreensão e conduta, e pode criar para cada ação lúdica um registro sobre o mesmo, ajudando a encontrar com mais eficiência científica os resultados das ações propostas a serem trabalhadas.
Os objetivos para cada jogo devem se tornar bem definidos pelo professor, para então, a sua aplicação ser eficaz. Para escolher um jogo, é necessário que o educador elabore um planejamento, no qual determine as especificidades do jogo e da equipe. As informações devem conter: nome do jogo; origem histórica do jogo; materiais necessários para o desenvolvimento da atividade; número de participantes; local disponível e necessário para o bom andamento da atividade; descrição da regra tradicional; interpretação da regra pelo grupo; variações do jogo; objetivos e observações específicas ao roteiro proposto. Além de realizado o diagnóstico do jogo, a ação do professor é fundamental para alcançar e ampliar os objetivos propostos.
Portanto, cabe ao educador favorecer o desenvolvimento de sujeitos autônomos, o que está intimamente ligado a um ambiente lúdico que permita a participação interativa, no entendimento de que as regras do jogo são resultados de decisões de quem está jogando e que o jogo tem início e é o meio que determina o seu fim. Para isso, é preciso ouvir para solucionar coletivamente os impasses apresentados pelo jogo.
REFERÊNCIAS
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 1984.
ALMEIDA, M.T.P. Jogos divertidos de brinquedos criativos. Petrópolis: Vozes, 2004.
BLOW, Susan E. Symbolic education: a commentary on Froebel’s mother play. Harris, W.T. (ed) New York and London.
Autor: Gilmar Caramurú de Sousa, Pedagogo pela Universidade Federal da Paraíba, participante de projetos desenvolvidos pela UFPB.
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