Nunca poderemos conhecer o mundo real. Todas as coisas que percebemos como reais não passam de fenômenos. Fenômenos que são percebidos por meio de categorias que usamos na intermediação para vivenciarmos nossa experiência no mundo, como espaço, tempo, quantidade e outras. Categorias que funcionam como óculos irremovíveis e que sem os quais não conseguiríamos dar sentido a nossa experiência. Mas o que provoca esses fenômenos permanece sempre sem poder ser conhecido. Nada garante que a coisa em si deva assemelhar-se a como a percebemos.
Immanuel Kant levou a metafísica a um patamar nunca antes alcançado. Seus pensamentos iniciaram a impactante era da metafísica alemã na filosofia, que teria, além de Kant, as importantes contribuições de Hegel e Schopenhauer. Ele criou o maior sistema metafísico já concebido e fez isso rejeitando a metafísica como existia e estabelecendo uma alternativa.
Kant desenvolveu sua filosofia durante uma vida extremamente tediosa, solitária e rotineira. Emocionalmente bastante reprimido, ele voltou-se para uma vida mental intensa na qual buscou construir uma metafísica que fosse a base real de uma forma de conhecimento universal, que garantisse a verdade do nosso conhecimento. Nas próximas páginas, conheça mais sobre a vida e a obra filosófica de Immanuel Kant.
Este artigo é um resumo do livro “Kant em 90 minutos”, de Paul Strathern, da coleção “Filósofos em 90 minutos” da Jorge Zahar Editor, publicado em 1997.
Kant e seu sono dogmático
Immanuel Kant viveu toda a sua vida na cidade báltica de Königsberg (atual Kaliningrado, na Rússia), na antiga Prússia Oriental. De lá quase nunca saiu, salvo em raríssimas viagens que não o afastaram muito de sua cidade natal. Ele nasceu em 22 de abril de 1724, numa época em que a Prússia Oriental enfrentava as devastações trazidas por guerras e pela peste. Sua infância foi cercada de pobreza e religiosidade.
Kant foi educado dos oito aos 16 anos num ambiente fortemente religioso, no qual sua inteligência excepcional logo se destacou. Aos 18 anos ingressou na Universidade local para estudar teologia. Mas seu interesse pela religião logo se esgotou e transferiu-se para a matemática e a física. Em 1746, seu pai morreu e ele e seus irmãos ficaram na miséria. Kant foi obrigado a deixar a universidade e se manteve nos nove anos seguintes dando aulas particulares para as famílias ricas locais. O dinheiro extra que conseguia remetia para suas irmãs menos afortunadas. Apesar do suporte financeiro que deu às irmãs durante toda a sua vida, Kant manteve-se totalmente afastado de seus familiares.
Kant só foi conseguir se formar na Universidade de Königsberg quando tinha 31 anos de idade. Com isso, pôde trabalhar como professor-auxiliar naquela instituição. Nos 15 anos seguintes dedicou-se com afinco no ensino de matemática e física e publicou tratados sobre os mais variados assuntos científicos, da natureza dos ventos à antropologia. Apesar do interesse pelas ciências, o que mais chamava a atenção de Kant, desde que percebeu as implicações filosóficas da obra de Newton, era a filosofia. Outra influência importante sobre Kant foram os textos de Leibniz, que o levou a ver a humanidade como participante da finalidade última do universo.
Nessa época, ele passou a se interessar também pelos pensamentos de Rousseau, que conseguiam sensibilizar as emoções reprimidas de Kant, e pelas ideias do filósofo escocês Hume, que desenvolvia um radical empirismo. E foi justamente quando lia a obra “Investigação sobre o Entendimento Humano”, de Hume, que Kant despertou de seu sono dogmático. Naquele momento, uma inspiração lhe mostrou que poderia construir um sistema filosófico novo que se opusesse ao ceticismo destrutivo de Hume. Já como professor catedrático de lógica e metafísica da Universidade de Königsberg, ele iniciou uma jornada mental que construiria sua filosofia.
Kant e a crítica da razão pura
A rotina de Kant tornou-se lendária em sua cidade. Seus hábitos se repetiam com uma exatidão surpreendente. Todos os cidadãos sabiam que o relógio marcava três e meia quando Kant saía para seu passeio vespertino pelas ruas de Königsberg, em qualquer condição atmosférica. O único dia em que falhou nesse hábito foi quando começou a ler “Émile”, de Rousseau. A obra o absorveu tanto que ele perdeu seu passeio vespertino. Àquela altura de sua vida, quando estava na casa dos 40 anos, ele tinha também considerado se casar duas vezes, mas demorou tanto para responder às pretendentes que elas desistiram.
Nessa vida sem pressa e de extrema regularidade, Kant desenvolveu suas ideias filosóficas. Em 1781, ele publicou “Crítica da Razão Pura”, livro que inicia a obra-prima do filósofo. O estilo prolixo e difícil da escrita de Kant, além do fato dele ter retirado argumentos interessantes e exemplos concretos para reduzir o tamanho do livro, fazem desse texto um dos mais complexos de ser entendido. Na “Crítica da Razão Pura”, Kant pretendia uma restauração da metafísica em oposição ao avanço do empirismo. Apesar de concordar com os empiristas que não existiam ideias inatas, ele discordava que todo conhecimento somente se originava das experiências. Para Kant, era o contrário: toda experiência deve corresponder ao conhecimento.
Kant chamou de “razão pura” aquilo que se pode saber antes da experiência. Enquanto o empirismo negava esse conhecimento que transcende a experiência, a metafísica kantiana mostrava que há elementos subjetivos, como espaço e tempo, que ele chamou de categorias, que concebemos por meio de nosso entendimento, operando independentemente da experiência. Essas categorias seriam os óculos irremovíveis que usamos para ver o mundo. Mas com eles só conseguimos perceber os fenômenos do mundo, nunca a realidade mesma que sustenta ou origina o aparecimento desses fenômenos.
Kant e a noção de tempo
O tempo não possui realidade objetiva; não é um acidente, nem uma substância, e nem uma relação: é uma condição puramente subjetiva, necessária por conta da natureza do espírito humano, que coordena todas as nossas sensibilidades mediante determinada lei, e é pura intuição. Coordenamos da mesma forma substâncias e acidentes, segundo a simultaneidade e a sequência, através apenas do conceito de tempo.
De Mundi Sensibilis atque intelligibilis forma et principus, 3, 14.
A “Crítica da Razão Prática”, dedicada à ética, foi publicada por Kant sete anos após ele lançar a primeira parte de sua grande obra filosófica. Nesta segunda parte, ele busca as bases metafísicas para a moralidade. A terceira e última parte seria publicada em 1790, quando Kant tinha 58 anos de idade. A “Crítica do Juízo” trata de teleologia, mas principalmente do juízo estético. Nela, o filósofo também busca, à semelhança das partes anteriores, estabelecer uma base metafísica, só que desta vez para sua teoria do juízo estético. O objetivo dele era desenvolver um princípio a priori que tornasse possível nossa apreensão da beleza. Kant argumentava que quando alguém descreve algo como belo, acredita que todos deveriam dar a mesma avaliação para o mesmo objeto. Kant tenta nessa obra uma conciliação entre o juízo puro e o juízo prático, enquanto busca estudar juízos estéticos universais. As três partes da obra-prima de Kant foram publicadas numa época em que a Prússia Oriental vivia um momento de tolerância política sob o reinado de Frederico, o Grande.
À medida que envelhecia, Kant tornava-se cada vez mais solitário, misantropo e hipocondríaco. Em outubro de 1803, ele adoeceu pela primeira vez. Teve um derrame que deteriorou sua saúde nos quatro meses seguintes até sua morte em 12 de fevereiro de 1804.
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