Desestabilização das escritas silábicas: alternâncias e desordem relevantes
Gerencie seu conteúdo de escrita silábica com destreza e pertinência. Saiba como se adaptar às alternâncias e desordem para maior eficácia e desempenho.
Introdução
Em 1979, foi publicado no México, o livro Los Sistemas de Escritura en el Desarollo del Niño3.
Na obra se sustenta o seguinte: “A criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá além da sílaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência da quantidade mínima de grafias (ambas as exigências puramente internas, no sentido de serem hipóteses originais da criança) e o conflito entre as formas gráficas que o meio propõe e a leitura dessas formas gráficas em termos da hipótese silábica (conflito entre uma exigência interna e uma realidade exterior ao próprio sujeito)”.
De acordo. Porém o que quer dizer “fazer uma análise que vá ‘além’ da sílaba”? O que ali se disse é basicamente correto (ainda que deveria ter posto palavras gráficas no lugar de formas gráficas). Correto, mas insuficiente. Nesse fragmento, somente se fala dos conflitos, mas não se diz nada acerca das maneiras peculiares e próprias de analisar a sílaba em função da escrita no momento de crise da hipótese silábica. Por acaso se passa do período silábico ao alfabético porque se abandona a análise oral em sílabas e se passa a uma análise em sequências de fonemas? O período seguinte (que chamamos silábico-alfabético) parece indicar que isso não ocorre, já que as produções desse momento da evolução são mistas por natureza: algumas sílabas se escrevem com uma única letra, como no período precedente, mas outras sílabas se escrevem com mais de uma letra, anunciando, ao que parece, o abandono da análise silábica.
Recentemente, comecei a prestar atenção em processos de produção que podem nos pôr na pista de um novo modo de compreensão desse período de transição. Dois exemplos enfocam a questão.
Maria (5 anos) vai escrever a palavra sopa. Vai dizendo as sílabas enquanto escreve as vogais correspondentes. O resultado é OA. Maria observa o resultado e diz “está faltando”. Típica situação em que o requisito de quantidade mínima se impõe. O interessante é que Maria, buscando outras letras para pôr, não repete nenhuma das anteriores, mas volta a dizer “so-pa” enquanto coloca as consoantes correspondentes a essas sílabas. (De fato, repete várias vezes “so” antes de pôr S e várias vezes “pa” antes de grafar P, como se buscasse essas letras). O resultado é OASP. Todas as letras da palavra estão ali, mas em desordem. Maria não consegue ler sua própria escrita. Poderíamos pensar que primeiro analisou as vogais, os núcleos vocálicos das sílabas e depois os ataques4 consonantais. Contudo, essa descrição me parece incorreta. Como veremos, se trata sempre de representar a sílaba, a mesma unidade, porém com base em perspectivas diferentes, ancoragens diferentes. O que Maria produz são duas escritas silábicas justapostas.
Um caso extraordinário é Santiago, também de 5 anos (Molinari e Ferreiro, 2007). A essa criança se solicita que escreva uma lista de compras, primeiro no papel e depois no computador. Dois desses pares de palavras são notáveis. Santiago já sabe que não se pode escrever somente com vogais. Produz SA no papel e OD na tela para soda; escreve SAM no papel e ALE na tela para salame. Por quê, se Santiago conhece todas as letras de soda e de salame, não pode colocá-las juntas? Temos chamado alternâncias grafo-fônicas esse fenômeno. Como explicá-lo? Creio que assistimos a alternâncias de centrações cognitivas sobre dois aspectos da unidade sílaba. A sílaba oral é considerada com base em suas ancoragens diferentes. As letras escolhidas correspondem a essas duas ancoragens. Uma centração no lado vocálico da sílaba ocorre depois uma centração no lado consonantal. A mesma sílaba é ouvida de outro lugar. (Ouvida e vista porque a escrita permite vê-la).
– Molinari, C. e Ferreiro, E. (2007). Identidades y diferencias en la escritura en papel y em computadora en las primeiras etapas do processo de alfabetização. Lectura y Vida. Nº 28.
– Olson, D. (1996). O mundo sobre papel. São Paulo: Ática.