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Diretrizes curriculares da Pedagogia: uma despedida da Pedagogia e dos pedagogos?

Saiba mais sobre as diretrizes curriculares da Pedagogia e descubra como esse novo direcionamento pode afetar os pedagogos e os alunos. Exploraremos tudo o que você precisa saber para tomar decisões informadas.

Diretrizes curriculares da Pedagogia: uma despedida da Pedagogia e dos pedagogos?

José Carlos Libâneo

Universidade Católica de Goiás

O texto apresenta, inicialmente, uma posição sobre o papel da ciência pedagógica na formação profissional de educadores frente a um mundo em mudança e sobre a necessidade social e institucional do pedagogo especialista na escola. Após explicitar conceitos relacionados à teoria pedagógica e ao ensino, procede a uma análise crítica da Resolução que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia, aprovada pelo CNE em 13/12/2005, e discute suas insuficiências e limites em relação à definição do sistema de formação de educadores e à orientação das práticas formativas. A parte final visa mostrar a intencionalidade que está por detrás da Resolução do CNE mediante uma interpretação de seus antecedentes históricos e ideológicos e de suas consequências para o funcionamento das escolas do ensino fundamental. Conclui pela proposição de apostas em favor do revigoramento da ciência pedagógica e do exercício profissional de pedagogos-especialistas, a par dos investimentos na formação de professores.

Considerações iniciais

            Há uma racionalidade no âmbito das instituições sociais e da legislação que consiste em dar forma àquilo que vai se instituindo na prática social de forma assistemática e espontânea. Leis e dispositivos normativos vão sendo exigidos para regular a variedade de soluções dadas a demandas e dilemas da prática social, atender à necessidade de se estabelecer normas comuns ou adequar o funcionamento das instituições a mudanças que vão ocorrendo em várias esferas da sociedade. Por outro lado, é frequente ocorrer a autonomização do institucional e do legal quando se sobrepõem aos ditames da realidade, assim como pode surgir uma legislação com baixo grau de generalização a setores da realidade quando se curva, demasiadamente, a interesses políticos, teóricos, corporativos, etc., dentro de um campo científico e profissional.

            A legislação educacional referente ao sistema de formação de educadores, no Brasil, desde os anos 1980, tem padecido dessas limitações, além da falta de coerência e sistematicidade, em parte devido a diferentes concepções de formação, em parte a certo distanciamento das necessidades e demandas da realidade escolar. A Resolução do CNE sobre as diretrizes curriculares do curso de Pedagogia, recentemente aprovada, é mais um acréscimo a esse distanciamento entre a lei e a realidade e à desorganização legal, mantendo inseguros educadores e alunos de diversas instituições formadoras, em relação a modelos de formação, ao perfil profissional, a formatos curriculares e a modalidades de exercício profissional.

Visando a análise dessas questões, serão abordados, a seguir, os seguintes pontos: 1) a necessidade social da formação de qualidade de educadores e o lugar da Pedagogia; 2) o conteúdo da Resolução do CNE e suas insuficiências e limites; 3) a intencionalidade da Resolução, antecedentes históricos e ideológicos e consequências pedagógicas, curriculares e institucionais; 4) posições em favor da ciência pedagógica e do exercício profissional de pedagogos-especialistas, a par dos investimentos na formação de professores.

1. Sobre a necessidade social da formação de qualidade de educadores e o lugar da Pedagogia

            A Pedagogia é um campo de conhecimento teórico e de práticas que integra e sistematiza diferentes conhecimentos e processos de outros campos científicos visando dar unicidade à investigação e às ações em relação ao seu objeto, a prática educativa. Como teoria e prática, a Pedagogia formula objetivos e propõe formas organizativas e metodológicas de viabilização da educação humana. A questão central da Pedagogia é, portanto, a formação humana mediante a qual os indivíduos adquirem aquelas características humanas necessárias para a vida em sociedade, considerando uma realidade sempre em mudança. Mas trata-se da formação humana de sujeitos concretos, com suas condições físicas, emocionais, intelectuais, sociais, culturais, vivendo num determinado contexto sócio-cultural hoje visto na relação entre o global e o local, entre o homogêneo e o diverso, entre o individual e o comunitário. É para esse mundo que a Pedagogia precisa dar sua contribuição para a formação das pessoas. Decorre daí o desafio social da Pedagogia que consiste em saber como ajudar os indivíduos a agir num mundo em mudança.

Desse modo, são duas as perguntas básicas que os pedagogos precisam se fazer. A primeira, é que tipo de sujeitos devem se tornar as pessoas que educam, de modo a se capacitarem a atuar de forma crítica e criativa na realidade em que vivem? A segunda é qual o caminho das ações individuais dos sujeitos para que aprendam a atuar de um modo transformador numa realidade em mudança. A resposta a estas perguntas indicará o sentido de educar pessoas, de formar profissionais, de formular leis e diretrizes curriculares.

            E o que é educar? Educar é intervir na capacidade de ser e de agir das pessoas. Para isso, são providas as mediações culturais, isto é, as ferramentas simbólicas e materiais, mediante um processo de comunicação. É disto que trata a Pedagogia: a mediação de saberes e modos de agir. O papel da Pedagogia é promover mudanças qualitativas no desenvolvimento e na aprendizagem das pessoas, visando ajudá-las a se constituírem como sujeitos, a melhorar sua capacidade de ação e as suas competências para viver e agir na sociedade e na comunidade.

São muitos lugares e as modalidades de cumprimento dessa tarefa. De fato, o pedagogo é o profissional que cuida da formação humana em todos os lugares onde essa formação acontece de forma intencional e sistemática. Assim, todo profissional que lida com a formação de sujeitos, seja em instituições de ensino seja em outro lugar, é um pedagogo. Entretanto, na realidade brasileira, as instituições de ensino formal ganham destacada importância, razão pela qual é crucial sabermos o que a Pedagogia pode fazer pelas escolas e pelos professores.

Conhecemos muito bem os componentes da aprendizagem escolar: o que deve ser aprendido, que são os resultados esperados; o como se aprende esses resultados, que são os processos de aprendizagem; as condições do ensino e aprendizagem, ou seja, que tipos de práticas são necessários para por em ação os processos de aprendizagem, onde, quando, com que recursos físicos e organizacionais, etc.

O essencial da relação pedagógica é educar e ensinar por meio da relação professor-aluno-conteúdo, viabilizada por condições concretas. Em outras palavras, o básico da escola consiste em formar a personalidade dos alunos e ensinar-lhes as ferramentas para o seu desenvolvimento cognitivo. Para isso, muitas condições precisam ser atendidas em relação aos níveis de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, à seleção e organização dos conteúdos, às formas de estimulação e motivação, ao espaço físico e ambiental, às formas de organização e gestão da escola e da sala de aula, aos instrumentos de avaliação da aprendizagem, aos meios de redução de dificuldades de aprendizagem, etc.

            São estas as tarefas a serem assumidas pelas escolas e pelos professores mas, principalmente, são estas as tarefas da Pedagogia para as quais são absolutamente imprescindíveis os professores. Porém, para emponderar a escola e os professores são necessários, também, os pedagogos especialistas com formação específica. Com isso, é a escola, a sala de aula e seu entorno sociocultural que devem ser a referência para as políticas educacionais, a legislação, o funcionamento das instituições de ensino, os sindicatos, as associações, etc. Escrevi recentemente em outro texto:

Em boa parte, as políticas de formação não têm sido bem-sucedidas porque não estão partindo de políticas educativas para a escola e para a aprendizagem dos alunos. Dizendo isso de forma: há uma ideia muito arraigada, embora bem-intencionada, em certos segmentos de educadores, de que os problemas da educação podem ser resolvidos de fora para dentro. Essa atitude se manifesta de duas formas: uns acreditam que se muda o ensino e a formação de professores com leis, regulamentos, reformas, mudanças curriculares etc.; outros acham que isso acontecerá fortalecendo as demandas dos movimentos sociais, das associações, dos sindicatos em torno da formação da consciência política dos professores. Não duvido que essas atitudes sejam bem-intencionadas. Mas, da minha parte, penso o contrário: o processo educativo tem caráter endógeno, de dentro para fora e, por isso mesmo, as políticas de formação devem ter como referência as políticas educativas e de aprendizagem. Sendo assim, a pergunta mais importante seria esta: como promover mudanças “por dentro” do sistema de formação de modo a garantir qualidade cognitiva e instrumental das práticas de formação de professores, considerando os influxos políticos, econômicos, culturais e institucionais? (Libâneo, 2004)

Tais demandas da realidade que condicionam os objetivos e as práticas de formação profissional são captadas tanto no âmbito dos fatores externos quanto dos internos. São notórias as mudanças que ocorrem no entorno econômico, social, cultural. Convivemos na sociedade globalizada com mudanças na economia, no sistema de produção, na oferta de empregos. Há novos requisitos de qualificação profissional. Há novas formas de fazer política, de formação do cidadão. Do ponto de vista cultural, temos o mundo da informação, das mídias, modificando modos de vida individual e social de todos os segmentos sociais, mas especialmente da juventude. Também vivemos uma crise moral sem precedentes, em boa parte induzida pelo relativismo ético. A intensificação da urbanização e a complexificação da vida na cidade ampliam as responsabilidades da escola ao mesmo tempo que destacam o papel educativo da cidade. A democratização do acesso à escolarização, a industrialização, a migração interna, o êxodo rural, o inchamento das grandes cidades resultam na diversidade social e cultural dentro da escola, tornando heterogêneas as necessidades individuais e sociais a atender. Os influxos da sociedade da informação, em especial dos meios de comunicação, produzem mudanças comportamentais na juventude e afetam as formas de aprender. São desafios de um mundo em mudança que atingem diretamente as escolas e o trabalho dos professores.

No âmbito do sistema de ensino, sabemos que a escola brasileira suporta há anos problemas crônicos – a pobreza das famílias, o baixo salário dos professores, a desvalorização social da profissão de professor, as precárias condições físicas e materiais das escolas, a repetência, a defasagem idade-série escolar, as dificuldades de aprendizagem dos alunos, fatores esses que contribuem para o rebaixamento da qualidade de ensino. Temos diagnósticos confiáveis mostrando o baixo rendimento da maioria das escolas de ensino fundamental. Constata-se que boa parte do professorado não tem domínio dos conteúdos e de métodos e técnicas de ensino, falta-lhes cultura geral de base, têm notórias dificuldades de leitura e produção de textos, estão despreparados para lidar com a diversidade social e cultural e com problemas típicos da realidade social de hoje como a violência, a influência das mídias, a indisciplina. São conhecidos também outros fatores que intervêm negativamente no trabalho da sala de aula como a desmotivação, a rotatividade, o absenteísmo e o estresse de professores; Junto a isso tudo, é notória a fragilidade das formas de organização e gestão da escola, que tornam ainda mais difíceis as ações efetivas em vista de uma escola e um ensino de qualidade.

Verifica-se, assim, que os problemas da formação profissional de educadores no Brasil são institucionais, históricos, legais etc., mas eles resultam de uma problemática que está em outro lugar, ou seja, no mundo real e concreto das escolas situadas, por sua vez, num mundo em mudança. Frente a esses fatos, instituições formadoras, escolas, educadores, pesquisadores se põem perplexos, inseguros, em parte pela magnitude dos problemas, em parte pelo sentimento de incompetência para enfrentá-los.

A melhoria do ensino e do trabalho dos professores não depende somente da formação dos pedagogos-especialistas, mas estes podem proporcionar às escolas uma ajuda inestimável para pensar teoricamente e atuar em relação à definição de objetivos sociais e culturais para a escola, das capacidades a formar, das competências cognitivas e habilidades, dos formatos curriculares, das metodologias de ensino, das práticas de gestão dentro da escola, dos níveis esperados de desempenho escolar dos alunos.

Penso que, em relação ao diagnóstico que acabo de desenhar, a Resolução do Conselho Nacional de Educação representa um fechamento nas perspectivas de formação. Ela exclui a Pedagogia enquanto campo científico em relação às demais ciências sociais, não favorece a inserção dos processos e práticas de formação na realidade do mundo contemporâneo, empobrece o campo de referência da investigação pedagógica, deixando de promover a grande guinada que favoreceria um sistema de formação profissional voltado para uma visão ao mesmo tempo mais global e mais diversificada do mundo, da cultura, dos problemas humanos.

Antes de tecer a crítica aos dispositivos da Resolução, faço um resumo das minhas posições sobre a Pedagogia e a formação profissional no campo educacional.

O pedagogo espanhol Quintanas Cabanas escreve que a Pedagogia é a ciência da educação em geral, ela apresenta as linhas diretrizes a que deve submeter-se a atividade educativa, ou seja, os fundamentos e fins da educação, o sujeito da educação, o educador e todos os tipos e modalidades de educação. (1995). Também o pedagogo francês Gaston Mialaret traz uma definição bastante esclarecedora:

A Pedagogia é uma reflexão sobre as finalidades da educação e uma análise objetiva de suas condições de existência e de funcionamento. Ela está em relação direta com a prática educativa que constitui seu campo de reflexão e análise, sem, todavia, confundir-se com ela” (Mialaret, 1991).

O pedagogo alemão, Schimied Kowarzik, chama a Pedagogia de ciência da e para a educação, portanto, é a teoria e a prática da educação. Investiga teoricamente o fenômeno educativo, formula orientações para a prática a partir da própria ação prática e propõe princípios e normas relacionados aos fins e meios da educação.

Muitas definições desse teor podem ser trazidas para contestar radicalmente a concepção de Pedagogia e docência supostamente encampadas pela Resolução do CNE, em que ela é tomada como curso de formação de professores. Tenho apresentado em vários documentos minhas posições sobre a Pedagogia (Libâneo, 1998; 2000; 2002; 2003; 2005), e as resumo aqui.

a) A Pedagogia é, antes de tudo, um campo científico, não um curso, cuja natureza constitutiva é a teoria e a prática da educação ou a teoria e prática da formação humana. O objeto próprio da ciência pedagógica é o estudo do fenômeno educativo, em todas as suas dimensões. O ensino do conteúdo desse campo científico pode dar-se num curso, que é o que se denomina apropriadamente Curso de Pedagogia.

b) O setor da realidade que se estuda, o fenômeno a investigar, a prática social a que se refere a Pedagogia é a educação, isto é, as práticas educativas. A educação é uma das práticas sociais, a grande área, pois o mundo do educativo é amplo, ele não se restringe à escola. Quando nos referimos à educação em escolas e outras instituições em que há educação formal, aí temos uma peculiar modalidade de educação, que é o ensino, a docência. A ciência que tem por objeto a educação chama-se Pedagogia. A ciência que tem por objeto o ensino, a docência, é a Didática. Pedagogia não é sinônimo de educação, assim como educação não é sinônimo de docência. Da mesma forma, Pedagogia não é sinônimo de docência.

c) Então, por respeito à lógica, à clareza de raciocínio, a base de um curso de Pedagogia não pode ser a docência. A base de um curso de Pedagogia é o estudo do fenômeno educativo, em sua complexidade, em sua amplitude.  Então, podemos dizer: Todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente. A docência é uma modalidade de atividade pedagógica, de modo que o fundamento, o suporte, a base, da docência é a formação pedagógica, não o inverso. Ou seja, a abrangência da Pedagogia é maior do que a da docência. Um professor é um pedagogo, mas nem todo pedagogo precisa ser professor.

d) Resulta dessas posições, uma conclusão muito clara: Se há uma imensa variedade de práticas educativas na sociedade, haverá também uma diversidade de Pedagogias, e uma diversidade de pedagogos. O que significa dizer que são pedagogos todas as pessoas que lidam com algum tipo de prática educativa relacionada com o mundo dos saberes e modos de ação.

e) A formação profissional do pedagogo pode, pois, desdobrar-se em múltiplas especializações profissionais, uma delas a docência, mas seu objetivo específico não é somente a docência. A formação de educadores extrapola o âmbito escolar formal, abrangendo também esferas mais amplas da educação não-formal e formal.

Essas afirmações levam, como se pode deduzir, a recusar inteiramente os termos da Resolução do CNE. A Resolução do CNE dispõe em seus artigos 2º e 4º que o curso de Pedagogia é um curso de formação inicial de professores para exercer funções de magistério. Portanto, pedagogo é o profissional que ensina na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Além disso, dispõe que todo profissional que atua na gestão e organização de sistemas de ensino, na coordenação, na elaboração e execução de projetos, na avaliação de sistemas, na pesquisa e difusão científica, é, também, professor. Entendo, primeiramente, que, por razões lógico-conceituais, o curso de Pedagogia pode incluir, mas não reduzir-se a um curso de Formação de professores de Educação Infantil e Anos iniciais do ensino fundamental. Segundo, porque não tem sustentação teórica afirmar que a base da formação do pedagogo é a docência. É simplesmente absurdo dizer que um coordenador pedagógico exerce nessa função o magistério; que o planejador da educação exerce magistério; que o especialista em avaliação está exercendo o magistério, que o pesquisador exerce o magistério. Podemos dizer que esses profissionais são pedagogos, mas docentes não. Resulta em empobrecimento do campo científico e profissional da Pedagogia atribuir a denominação pedagogo apenas aos professores que exercem o magistério na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do ensino fundamental.

2. O conteúdo da Resolução do CNE: insuficiências e limites.

            O projeto de Resolução aprovado pelo CNE tem como objetivo instituir as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação em Pedagogia. Farei uma análise crítica da Resolução considerando a concepção de Pedagogia e de docência, as modalidades de formação e o perfil do profissional a que chama de “pedagogo”.

A insuficiência mais evidente refere-se à falta de uma conceituação clara de Pedagogia. O texto estabelece a que se destina o curso, as modalidades de formação, as competências do egresso, mas não explicita a natureza e o objeto do campo do conhecimento pedagógico. Sem definir previamente o que é a Pedagogia, introduz no art. 2º a conceituação de docência nos seguintes termos:

Compreende-se docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído (sic) em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos e objetivos da Pedagogia (…)

Trata-se, em todo o texto da Resolução, da única definição teórica de termos. Observe-se, no entanto, que essa definição é logicamente insustentável, pois define o termo principal pelo secundário, ou seja, a docência, um conceito subordinado à Pedagogia, é identificado com a Pedagogia. Ao postular essa identificação, os legisladores desconhecem toda a tradição teórica e a estrutura lógico-conceitual da ciência pedagógica. Dessa insuficiência conceitual decorre (de) a confusão elementar entre o campo científico e seu objeto, entre Pedagogia e docência, entre ação educativa e ação docente e, afinal, a redução do curso de Pedagogia ao curso de formação de professores. Mais à frente serão feitos outros comentários sobre esse tema.

As imprecisões conceituais não param aí. No mesmo artigo 2º se afirma que “o curso de Pedagogia (…) propiciará o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas” (grifo meu). A Pedagogia, nessa frase, já não tem mais como objeto a docência, mas as atividades educativas. Afinal, qual o conceito de Pedagogia da Resolução?

            A insuficiência conceitual leva a definições operacionais muito pouco convincentes do ponto de vista teórico e o exemplo mais patente é a definição de atividades docentes, tal como consta no parágrafo único do artigo 4º:

As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:

I – planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da Educação;

II – planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares;

III – produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares.

            A imprecisão conceitual que salta aos olhos é o entendimento de que quaisquer atividades profissionais realizadas no campo da Educação, ligadas à escola ou extra-escolares, são atividades docentes. Ou seja, o planejador da educação, o especialista em avaliação, o animador cultural, o pesquisador, o editor de livros, todos eles estariam nessas atividades exercendo docência (são docentes). Em suma, é patente a confusão que o texto provoca ao não diferenciar campos científicos, setores profissionais, áreas de atuação, ou seja, uma mínima divisão técnica do trabalho necessária em qualquer âmbito científico ou profissional sem o que a prática profissional pode tornar-se inconsistente e sem qualidade.

            Em boa parte decorrente dessas insuficiências de base, são verificadas outras:

a) O art. 5º descreve as competências necessárias aos egressos do curso de Pedagogia dezesseis atribuições do docente. São descrições em que se misturam objetivos, conteúdos, recomendações morais, gerando superposições e imprecisões quanto ao perfil do egresso.

b) O art. 2º, § 2º, e o art. 3º apresentam orientações desconexas sobre a formação, distintas ou sobrepostas às competências do pedagogo mencionadas do art. 5.

c) Nos artigos 2º e 4º, que estão repetidos, são criadas cinco modalidades de magistério, a saber: Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Cursos de ensino médio na modalidade Normal, Cursos de Educação profissional na área de serviços e apoio escolar, outras áreas que requerem conhecimentos pedagógicos. São cinco as modalidades formativas, mas em todo o texto há referência apenas a duas, Educação Infantil e Anos Iniciais. Faltam orientações quanto ao percurso curricular e às modalidades de diplomação. Não se esclarece se são percursos curriculares separados ou se há uma base comum que depois se ramifica em habilitações (o texto não menciona o termo “habilitações”, nem outro equivalente). Do mesmo modo, o artigo que trata da formação dos profissionais da educação para administração, planejamento, supervisão, etc. (art. 64 da Lei n. 9.394/96) em nível de pós-graduação está inteiramente desconectado dos demais artigos, deixando dúvidas aos dirigentes de cursos de formação. Além disso, a Resolução ignora a prescrição legal da LDBEN de que essa formação deve ser feita também em cursos de graduação em Pedagogia.

d) O artigo 6º define a estrutura curricular em três blocos: núcleo de estudos básicos, núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos, núcleo de estudos integradores, onde supostamente se incluem disciplinas e atividades curriculares, mas isto não está suficientemente claro devido à redação confusa e à imprecisão.

e) O art. 9º exclui toda e qualquer outra modalidade de formação inicial que não sejam as estabelecidas na Resolução. O art. 10 determina a extinção de todas as habilitações existentes; o art. 14 estabelece a formação de especialistas em cursos de pós-graduação; o art. 11 mantém o Curso Normal Superior.

Em conclusão, a Resolução do CNE expressa uma concepção simplista, reducionista, da Pedagogia e do exercício profissional do pedagogo, decorrente de precária fundamentação teórica, de imprecisões conceituais, de desconsideração dos vários âmbitos de atuação científica e profissional do campo educacional. Após quinze anos de discussões e polêmicas, a Resolução não contribui para a unidade do sistema de formação, não avança no formato da formação de educadores necessários para a escola de hoje, não ajuda na elevação da qualidade dessa formação e, assim, afeta aspirações de elevação do nível científico e cultural dos alunos das escolas de ensino fundamental.

3. A intencionalidade da legislação. Antecedentes históricos e ideológicos da Resolução do CNE.

Abordarei neste tópico a intencionalidade da legislação, ou seja, em que rede de propósitos se insere o documento legal. Meu entendimento é de que, em boa parte, ele expressa a concepção sociologizada de educação e de escola que se origina no ano de 1980 em um contexto social, cultural e político bastante peculiar na história da educação brasileira. É evidente que a essa intencionalidade se associam outras mais recentes tais como as diversas concepções de formação de professores em voga no campo educacional. Entretanto, no momento, gostaria de me deter na visão sociologizante de escola.

Foi em 1999, na apresentação da 2ª. edição do meu livro Pedagogia e pedagogos, para quê, que formulei inicialmente o argumento de que as proposições defendidas pela ANFOPE representavam uma abordagem sociologizante da escola e, por consequência, da formação dos educadores. Escrevi nesse texto:

A abordagem sociologizada da formação do educador assumida pelos movimentos pela formação de educadores gerou uma visão “militante” do profissional da educação. (…) bastaria ao professor ter uma visão política, globalizante, das relações educação-sociedade, compromisso político, etc., e o resto viria por acréscimo. (…) Foi um grande equívoco dissolver o específico da prática educativa nas salas de aula (aprendizagem, desenvolvimento cognitivo etc.) na prática política. (…) O discurso especificamente pedagógico foi, assim, afastado das discussões e, em alguns casos, chegou a ser rechaçado, em decorrência de preconceitos sempre alimentados contra a Pedagogia como campo de conhecimento e contra os pedagogos de profissão. Na prática, essa tendência resultou, em vários lugares, na negação do campo próprio de estudos da Pedagogia (e por decorrência da Didática). É em boa parte por isso que a licenciatura para a formação de professores de 1ª. à 4ª. séries passou a ser chamada inadequadamente de Pedagogia. (Libâneo, 1999)

É notório que as definições e dispositivos da Resolução, já mencionados, correspondem em boa medida às ideias que vêm sendo defendidas há mais de 25 anos por associações de educadores que encamparam a causa da formação profissional da área. Esse núcleo de ideias é defendido hoje pela ANFOPE (Associação Nacional de Formação dos Profissionais da Educação), fundada em 1993, mas originada no Comitê Pró-Formação do Educador criado em 1980 por ocasião da realização da I CBE – Conferência Brasileira de Educação (Silva e Nonato, 2002). Não posso dizer que um documento legislatório por si só seja responsabilizado pelos problemas da educação básica no país, mas posso afirmar que ideias e proposições feitas por um movimento organizado de educadores, supostamente majoritário no meio educacional, podem responder, sim, por boa parte dos problemas gerados na formação profissional, no funcionamento institucional, organizacional, curricular e pedagógico das instituições formadoras e no reflexo disso nas escolas. Aliás, não é supérfluo dizer que a própria ANFOPE assume sua influência na mudança curricular de muitos cursos de Pedagogia, precisamente na direção do que agora ganha estatuto de lei.

A citação, a meu ver, continua pertinente, mas para argumentar criticamente quanto aos prejuízos sociais e pedagógicos da Resolução para o funcionamento das escolas, é necessário aprofundar a análise do que chamo de sociologização do modelo de formação.

Os antecedentes históricos e ideológicos da Resolução do CNE aos quais me refiro, podem ser apresentados em três teses. A primeira é a de que a partir dos anos 1980 desenvolveu-se no Brasil uma expressiva corrente no campo da educação defendendo uma concepção sociologizante de escola e de currículo, logo adotada na concepção de formação de professores e encampada por movimentos organizados de educadores até ser criada a ANFOPE, associação que deu o formato teórico dessa concepção na questão da formação de educadores. A visão sociologizante buscou sua fundamentação teórica na teoria da divisão social e técnica do trabalho do marxismo. Com base nessa teoria, passou-se a analisar a organização do trabalho nas escolas enquanto trabalho dividido, fragmentado, opondo duas categorias de profissionais, uma que pensava – os coordenadores pedagógicos -, outra que executava – os professores. A partir dessa crítica determinou-se a palavra de ordem: eliminemos a divisão do trabalho na escola, transformemos todos os seus membros em trabalhadores da educação, ou seja, todos são professores. Decorreu daí a transformação do curso de Pedagogia em curso de formação de professores sob o mote da docência como base da formação.

A segunda tese é a de que a transformação do curso de Pedagogia em formação de professores não resultou de um posicionamento pela qualidade do ensino e da aprendizagem, pelo êxito escolar dos alunos, enfim, por uma postura pedagógica, mas por um posicionamento político-ideológico desconectado das efetivas demandas e necessidades do trabalho de professor nas salas de aula. A terceira tese é a de que houve uma junção de interesses entre os militantes e adeptos da ANFOPE e as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação em torno da supressão das habilitações uma vez que, não sendo mais formados nas faculdades coordenadores pedagógicos, não haveria necessidade de contratá-los com salários diferenciados, o que representava expressiva redução de gastos. Deduzo daí que houve uma associação entre o sociologismo e o tecnicismo da qual resultou o simplismo da legislação educacional hoje expresso na Resolução do CNE.

A segunda e a terceira teses estão ligadas à primeira, de modo que me deterei mais nela. A relação ora pacífica ora conflituosa entre Sociologia e Pedagogia, ou entre cientistas sociais e pedagogos, no Brasil, tem sido marcada há quase 50 anos por controvérsias, tensões e disputas de campo. Entretanto, com o surgimento do já mencionado Comitê Pró-formação do educador em 1980, e depois a ANFOPE, inicia-se a efetiva influência da Sociologia da Educação nos currículos da Pedagogia. A natureza dessas relações conflituosas é muito simples: desde que se põem em discussão as relações entre educação e política surge a questão: a educação é mais predominantemente política ou mais predominantemente pedagógica? O entendimento de que a educação é uma prática política valoriza o papel dos condicionantes sociais e econômicos e dos fatores extra-escolares, dando pouca importância à especificidade pedagógica da escola. A meu ver, esta é a posição dominante em expressiva parte dos pesquisadores do campo da Sociologia da Educação no meio educacional brasileiro. O entendimento de que a educação escolar é uma atividade eminentemente pedagógica valoriza seus componentes didáticos, psicopedagógicos, técnicos, podendo-se admitir que frequentemente se descuida da sua dimensão política. Uma terceira posição, na qual o autor deste texto se inclui, busca uma inter-relação entre as duas anteriores. Entretanto, é forçoso dizer que as tensões entre os campos da Pedagogia e a Sociologia em nosso país perduram ainda hoje, com consequências para a concepção de escola, de ensino, de gestão escolar, de formação profissional.

As explicações desta polarização são bastante plausíveis. Entre o final da década de 1970 e início da década de 1980 ocorre um período de crise do regime militar, forçando certa liberalização. O arrefecimento do controle político, da censura, junto com resistências dos setores de esquerda organizados, favoreceu a produção de pesquisas e publicações no campo da educação contra práticas autoritárias e ideológicas no regime militar. Foi nesse contexto histórico que se realizou, em 1980, a I CBE – Conferência Brasileira de Educação. Uma das entidades que se fez presente nessa Conferência foi o Comitê Pró-Participação na Formação do Educador. O que movia a atuação desse Comitê era as críticas à legislação corrente no curso de Pedagogia, toda ela ligada aos pareceres e resoluções produzidos por Valnir Chagas ao longo das décadas de 1960 e 70. Essa legislação era denunciada como tecnicista, destinada a consolidar a educação tecnicista baseada na racionalidade técnica, na busca de eficiência e produtividade, contra uma educação crítica e transformadora. Havia um alvo paralelo das críticas, a Lei 5.540/68, produzida pelo regime militar, que regulava todo o ensino superior na perspectiva tecnicista e do qual resultou a Res. 2/69 do CFE de regulamentação do curso de graduação em Pedagogia. No dizer de Silva (1999), com a Lei da Reforma Universitária “a tradição liberal de nossa universidade fica interrompida e nasce o que alguns críticos passaram a chamar de universidade tecnocrática, ainda que mesclada com nuanças do pensamento liberal”.

O que desejo acentuar em relação ao movimento pela reformulação dos cursos de formação de educador iniciado por volta dos anos 1980, é que por detrás desses fatos havia um forte peso da discussão política e ideológica no meio educacional. Não foi casual que a base de sustentação teórica das críticas era o marxismo, em alta no meio educacional à época, e especialmente, a tese da divisão social do trabalho na sociedade capitalista e sua reprodução na escola, seja em relação aos objetivos de formação, seja na forma de divisão técnica do trabalho expressa, principalmente, no trabalho do pedagogo especialista e do professor. Já tratei desse assunto em outro texto, vou aqui apenas resumir o argumento principal. (Libâneo, 2005)

Segundo esse posicionamento, o que caracteriza a sociedade capitalista é a divisão social do trabalho em que os lugares na produção são ocupados por duas classes sociais antagônicas, uma que se ocupa do trabalho intelectual, outra do trabalho manual, uma classe social que pensa, outra que faz o trabalho físico. Resulta daí a cisão entre o trabalhador e os meios ou instrumentos de trabalho, em que esses meios são providos pelos gestores do processo de produção. Essa divisão social do trabalho, expressão das relações capitalistas de produção, e que se manifesta na organização do processo de trabalho, se reproduz em todas as instâncias da sociedade, inclusive nas escolas, nas quais haveria dois segmentos de trabalhadores opostos entre si, os especialistas (diretor, coordenador pedagógico) e os professores. Ou seja, tal como na fábrica, também na escola ocorre a divisão técnica do trabalho, levando à fragmentação do trabalho pedagógico, isto é, dividindo as tarefas escolares entre os que pensam e o que fazem, entre os que controlam e os que executam, instaurando a desigualdade na escola e promovendo a desqualificação do trabalho dos professores. E como se elimina essa fragmentação? Eliminando a divisão de tarefas que está na base da fragmentação do trabalho pedagógico e transformando todos os profissionais da escola em professores. Foi natural, daí, chegar à tese da docência como base do currículo de formação dos educadores, tese essa que se difundiu pelo país, bem como a supressão das habilitações, resultando na transformação do curso de Pedagogia em curso de formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental, e hoje, pela Resolução do CNE, ampliado para a formação de professores para a Educação Infantil. Algumas universidades e faculdades adotaram de pronto essa mudança, outras mantiveram o modelo curricular da Res. CFE n. 2/69, outras adotaram um sistema híbrido.

É pertinente a associação entre o sistema de produção capitalista e o papel das escolas, assim como a presença nas escolas, e nas demais instituições sociais, de elementos do processo capitalista de organização do trabalho. Entretanto, não se pode deduzir daí que a escola se constitua, ipso facto, local de trabalho capitalista. Se isto fosse possível, a escola seria considerada como um lugar de produção de mercadorias, valendo aí o raciocínio segundo o qual a produção de trabalhadores (o que faz a escola) seria idêntica ao processo de produção de mercadorias. Em verdade, os professores e pedagogos especialistas que atuam na escola não são agentes diretos do capital e nem os alunos mercadorias a serem produzidas. E é absurdo situar na estrutura escolar um pedagogo especialista que representa as classes dominantes para explorar o professor. No raciocínio que explica as desigualdades sociais básicas pela divisão do trabalho, ambos se encontram no mesmo lugar social.

Além do mais, se convém ao capitalista produzir trabalhadores assalariados automatizados, isso não significa que a subjetividade do trabalhador seja sempre subjugada ao capital. O que ocorre, pois, é que o trabalho escolar tem sua especificidade, mesmo considerando seus vínculos com as formas de organização social e econômica da sociedade. Isso significa que os resultados do processo de trabalho escolar, bem como as formas de organização interna, não estão pré-ordenados pelo capital. Ou seja, se há uma especificidade do trabalho pedagógico escolar, há também uma especificidade das formas de organização do trabalho pedagógico. Por exemplo, se é verdade que divisão do trabalho produz a desigualdade social, há outras desigualdades que podem ser geradas no interior da escola como as formas de relacionamento de homem e mulher, a discriminação social, a discriminação étnica, a exclusão de crianças que não conseguem aprender, o insucesso na aprendizagem por causa de uma professora despreparada. Dada a natureza da instituição escolar, os elementos presentes nas relações capitalistas de produção não incidem nela de forma igual. Nas atuais condições de funcionamento da escola, a divisão técnica do trabalho expressa na suposta fragmentação entre o trabalho de especialistas e professores, não se constitui o problema central, ao contrário, pode ser uma necessidade, pois um especialista profissionalmente preparado poderá fazer justiça no enfrentamento das desigualdades promovidas pela escola como são as práticas de exclusão social, de exclusão pedagógica, de marginalização cultural, de discriminação racial, de produção do fracasso escolar, etc. Cabe, pois, perguntar o que é pior: (a) a escola ter uma coordenadora pedagógica bem formada e capaz de prestar um auxílio efetivo às professoras, de modo a propiciar melhores condições de êxito escolar dos alunos ou (b) fazer uma criança fracassar na aprendizagem porque não há ninguém na escola capacitado e com formação específica, para ajudar a professora a melhorar seu trabalho, repercutindo assim na ampliação das chances de inclusão dos alunos?

            As considerações que acabo de expor invalidam afirmações de documentos da ANFOPE segundo as quais, ao valorizar a docência, se põe o foco no processo de ensino e aprendizagem. Na verdade, a visão sociologizada do discurso pedagógico está voltada muito mais para a normatização das formas de gestão, das relações de trabalho e das relações de poder do que para o trabalho pedagógico e técnico na sala de aula. Ao dizer isso, apenas realço que se trata de um posicionamento ideológico até certo ponto legítimo, de conceber a escola como um lugar onde interagem grupos sociais cuja dinâmica está impregnada de relações de poder, mas que omite a natureza e a função peculiar das relações de ensino, dissolvendo o pedagógico no sociológico, caindo no reducionismo sociológico[1].

            O que ocorre é que estamos, de fato, frente a duas concepções de escola já constatadas em outros países. Forquin (1993, p.165-167) identifica no pensamento pedagógico contemporâneo, com muita pertinência, duas “leituras” inconciliáveis do fenômeno educativo: uma, a abordagem interna da intencionalidade educativa prática em situações específicas de ensino; outra, a abordagem analítica externa que se volta para a análise de práticas e de instituições educativas por meio da busca de relações causais e determinismos provenientes dos contextos mais amplos da ação educativa. Escreve esse autor:

A razão sociológica está inteiramente voltada para a descrição, a explicação, a objetivação dos fenômenos. O determinismo é sua força heurística, o relativismo sua tentação natural, o cinismo teórico (…) sua atitude. Ao contrário, a razão pedagógica é essencialmente normativa e prescritiva, sua tentação natural é o universalismo, (…) sua postulação normal uma certa espécie de idealismo prático. É por isso que a colaboração entre sociologia e Pedagogia é objeto de um contencioso perpétuo e o teatro de um perpétuo mal-entendido (p.166).

            Forquin também alerta para o fato de que a intencionalidade educativa prática não pode prescindir das contribuições descritivas e analíticas da abordagem sociológica de cultura. Mas destaca que a cultura não pode ser tomada apenas como variável externa, mas conteúdo substancial do ensino, que requer levar o aluno a aceder um nível ou forma de desenvolvimento intelectual e pessoal por procedimentos cognitivos e atitudinais sistemáticos que não pertencem propriamente ao campo do sociológico. Eis, então, que, de um ponto de vista do campo pedagógico, a visão sociologizada da escola e da formação profissional demarca um viés reducionista no entendimento de objetivos e práticas escolares, que pode levar as consequências danosas para as políticas de formação e para o funcionamento das escolas.

Consequências pedagógicas, curriculares e institucionais

            Uma primeira consequência do predomínio da visão sociológica da formação foi a separação entre concepção política de formação e as formas “pedagógicas” e operativas de viabilização dessa formação, entre um “discurso sobre” e a intencionalidade prática da formação, derivando daí a desconexão entre a pesquisa acadêmica e as práticas escolares, pela dificuldade em articular de modo positivo a denúncia crítica ao trabalho das escolas e dos professores.

            Essa crítica estende-se a muitos sindicatos que se organizam para a defesa de interesses dos professores. A cultura sindical vigente, pelas dificuldades em articular política e Pedagogia, não consegue compreender a natureza da atividade profissional própria do professor do ensino infantil e fundamental. Não é que os sindicatos não tenham como propósito claro a emancipação do professor, pois efetivamente buscam dotar o professorado de consciência política e visão crítica, estimulam formas democráticas de participação nas decisões no âmbito da escola, etc. Entretanto, com raras exceções, se omitem em relação às formas de tornar o professor um profissional capaz de agir com competência nas tarefas de promover a aprendizagem dos alunos e sua formação como sujeito pensante e cidadão. Com isso, emancipa-se o professor, mas não se investe em ações para prepará-lo intelectualmente e metodologicamente para emancipar o aluno. Entendo isso como uma notória consequência da visão sociologizada da educação.

            A segunda consequência é que a abordagem analítica externa dos fenômenos escolares enquanto caracterizando o currículo dos cursos de formação resulta na desvalorização do trabalho pedagógico-didático na sala de aula, isto é, das atividades ligadas às aprendizagens dos alunos, resultando disso desqualificação social da profissão de professor, mas também numa desqualificação acadêmica da pesquisa nessa área. É óbvio que isso se projeta nos cursos pela valorização das chamadas “ciências da educação” e desvalorização das didáticas e metodologias de ensino. Tem-se aí, por um lado, o agigantamento da estrutura curricular com disciplinas teóricas desconectadas da problemática real das escolas e salas de aula e, por outro, de uma formação “prática” com conotação pragmática centrada nas metodologias de ensino, desmontando a propalada relação teoria-prática. E, paradoxalmente, quanto mais se apregoa a integração entre teoria e prática na formação, mais diminui a pesquisa pedagógica voltada para as reais questões da sala de aula[2].

            A terceira consequência, bem mais visível e concreta, foi a supressão, nos currículos, das habilitações profissionais, associada à descaracterização do campo teórico-investigativo da Pedagogia. Além disso, a sobreposição das ciências da educação e, paralelamente, o esvaziamento dos estudos de teoria pedagógica, eliminou a pesquisa específica voltada para os diversos campos de atuação profissional do pedagogo e para problemáticas específicas de currículo, desenvolvimento e aprendizagem, das dificuldades escolares, avaliação, etc. Com efeito, se não há formação específica de pedagogos especialistas, são desnecessários estudos teóricos de Pedagogia. Com isso, vemos o disparate de não ter Pedagogia na Pedagogia. O lugar do pedagógico foi tomado pelos sociólogos, pelos cientistas políticos, pelos especialistas em políticas educacionais, pelos psicólogos. Não há pedagogos para formular políticas para as escolas, para realidade das salas de aula, formular teorias de aprendizagem, métodos de ensino, para as crianças concretas de nossas escolas. Não é nada fora de propósito perguntar: onde se formam profissionais para pensar as políticas da educação? Onde se formam os administradores educacionais? E os diretores de escola? E quem forma os profissionais que irão cuidar do desenvolvimento profissional dos professores na escola? Quem ajuda nos problemas e nas dificuldades de aprendizagem dos alunos? A verdade é que a Pedagogia, quero dizer, a teoria pedagógica e a pesquisa pedagógica, estão ausentes das faculdades de educação. É por isso que o campo da educação hoje não tem um consenso mínimo sobre políticas para a escola básica, formas de organização e gestão da escola, formatos curriculares, níveis esperados de desempenho escolar dos alunos, a formação necessária de professores para determinadas demandas da prática. Desconhecendo-se as necessidades concretas das escolas, dos professores, dos alunos, não se sabendo para que realidade se formam pedagogos e professores, torna-se difícil formular um sistema integrado e articulado de formação de educadores.

As consequências institucionais referem-se aos aspectos organizativos e legais das instituições formadoras e das escolas da educação básica. Em primeiro lugar, é sabido que a concepção de formação hegemônica no meio educacional produziu, em muitos lugares, o desmonte das faculdades de educação. Com efeito, a transformação do curso de Pedagogia em curso de formação de professores para Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental desbanca a necessidade de existir as faculdades de educação. Nada melhor nesse caso que, ao invés de um arremedo de curso de Pedagogia, se aceitasse sem restrição o Instituto Superior de Educação, que reuniria num estabelecimento só, todas as licenciaturas da Educação Básica.

Associado a esse fato, vem ocorrendo uma tendência à queda de prestígio da formação fornecida nas faculdades de educação. O predomínio de docentes não-pedagogos induz à ausência, no projeto curricular, de uma cultura favorável à formação de professores com base nas necessidades concretas da realidade escolar. É muito comum na prática de professores universitários responsáveis pela formação pedagógica dos alunos, a despreocupação pela transposição didática do que está ensinando, pelas formas de instrumentalização didática, exercendo efeitos negativos sobre a identidade profissional dos licenciandos. Em muitas instituições de formação, a profissão de professor é ironizada, ou seja, difunde-se uma identificação negativa com a profissão no próprio lugar de formação do futuro profissional e, pior, isso acontece em cursos de Pedagogia onde o forte do currículo deveria ser precisamente a construção de uma identidade profissional positiva com a profissão. Com isso, os professores e pesquisadores universitários estudam as políticas educativas do Estado, dizem como deve ser o professor, e até pesquisam as práticas das escolas e dos professores de outros graus de ensino, mas não analisam e não refletem criticamente sobre suas próprias práticas e a cultura formativa negativa que transmitem aos alunos.

Entre as consequências mais danosas das mudanças curriculares foi a supressão, na rede de escolas, da exigência de formação profissional específica para os cargos de diretor e coordenador pedagógico. Muito provavelmente, boa parte da queda da qualidade de ensino pode ser atribuída ao rebaixamento das exigências de formação específica. Com efeito, a eliminação em muitos lugares, nos meados dos anos 1980, das habilitações, levou os sistemas de ensino à desregulamentação da exigência de formação específica aos ocupantes desse cargo. É surpreendente que profissionais ligados à escola, que se valorizam a escola, sensíveis ao mundo empírico das escolas e às suas necessidades, tenham consentido em suprimir a formação do pedagogo especialista, especialmente nas habilitações de direção e coordenação pedagógica. Com a eliminação das habilitações, as Secretarias de Educação retiraram das escolas ou deixaram de contratar coordenadores pedagógicos, prejudicando a coordenação do currículo e do ensino e o atendimento pedagógico-didático aos professores.

A terceira consequência é a sobrecarga curricular dos cursos de formação. A Resolução do CNE, seguindo a proposta da ANFOPE, insiste na formação docente para três funções: a docência, a gestão, a pesquisa. Não vou retomar a crítica à impropriedade terminológica do verbete gestão para designar o papel do diretor ou coordenador pedagógico de escola. Apenas reitero o total absurdo de se estabelecer um percurso de formação profissional para cobrir três especialidades ou três habilitações, cada uma delas com suas especificidades teóricas e práticas. Penso que essa pretensão de formar no professor esses outros profissionais é um fator de empobrecimento da formação profissional, pois leva a um inchamento e, logo, um aligeiramento do currículo. Em minha opinião, para se atingir nível mínimo de qualidade da formação num só curso de 3.200h, ou se forma bem um professor ou se forma bem um “gestor” ou coordenador pedagógico ou um bom pesquisador ou um bom profissional para outra atividade.

Finalmente, cabe mencionar entre as consequências da visão sociologizante, a extinção, há vinte anos atrás, pelos seus próprios associados, de três associações de pedagogos muito fortes e atuantes: a Associação Nacional de Supervisores, a Associação Nacional de OE, a Associação Nacional de Administração Escolar, todas elas.

4. Ainda posições em favor da ciência pedagógica e do exercício profissional de pedagogos-especialistas.

Que caminhos podem, ainda, ser trilhados para um sistema de formação de educadores que atendam às necessidades sociais e formativas num mundo em mudança?

Em primeiro lugar, os educadores que consideram necessária uma concepção mais aberta e mais abrangente de formação profissional para o campo da educação, devem continuar lutando por um projeto de legislação consistente de longo prazo. A Resolução do CNE, que estamos analisando, também perdeu essa oportunidade, pois o conjunto dos instrumentos legais continua assistemático, fragmentado, confuso, inconsistente teoricamente e formalmente.

Este projeto consistente de longo prazo deve contemplar no seu conjunto toda a formação dos profissionais da educação para atuação na educação básica e em outras instâncias de prática educativa. Considero um ato de coragem e de compromisso social com a educação, a ampla abertura de possibilidades legais para que as Faculdades de Pedagogia (ou de Educação) ofereçam o bacharelado em Pedagogia com todo o leque possível de habilitações, e os cursos de licenciatura para toda a educação básica, inclusive para professores de ensino superior em geral.

         Cada modalidade de curso de formação terá percurso curricular distinto. Por exemplo, o aluno que desejar formar-se como professor de Educação Infantil fará a licenciatura em Educação Infantil, obtendo a titulação de licenciado em Educação Infantil. Assim se fará com todas as demais licenciaturas. Se um aluno desejar formar-se como especialista em administração escolar, em coordenação pedagógica de escola, em psicologia da aprendizagem, em avaliação educacional, em políticas educativas, em planejamento educacional, etc., fará o bacharelado em Pedagogia, adquirindo habilitações como especialista.

A continuar o funcionamento das licenciaturas para a 2ª. fase do ensino fundamental e ensino médio em separado da Faculdade de Pedagogia, caberá à Universidade assegurar que os cursos de formação de educadores possam organizar seu currículo e sua metodologia compatíveis com as demandas reais das escolas e com a cultura profissional da docência. A universidade deve assegurar, institucionalmente, legalmente, estruturalmente, a especificidade pedagógica, curricular, organizacional dos cursos de formação de professores.

O que importa, no entanto, é a reivindicação de uma legislação aberta e inclusiva, disponível para acolher a complexidade e a diversidade da realidade, possibilitando a cada sistema de ensino estadual fazer suas opções, em função de suas necessidades, disponibilidade de recursos, demandas profissionais. Vivemos num mundo em mudança, numa realidade educativa muito complexa e diversa, há demandas formativas em vários âmbitos da prática social.

Em segundo lugar, cabe aos pedagogos lutar pela consolidação da especificidade do campo teórico-prático da Pedagogia, com a contribuição de outras ciências da educação, de modo que os pedagogos se capacitem para resistir a todas as formas e tentações de reducionismo, seja o sociológico, o político, o psicológico, o antropológico, ou outros.

Uma das consequências do viés reducionista é que intelectuais ligados a algumas das disciplinas especializadas insistem em negar identidade científica à Pedagogia, se recusando a aceitar seu campo teórico e sua problemática, muitas vezes sem o conhecer. Em alguns casos, chega-se a defender, explícita ou implicitamente, que somente sua área pode postular um discurso científico sobre educação, caso típico de certos setores ligados à Sociologia da Educação[3]. Por outro lado, a recusa dos reducionismos não impede o reconhecimento da falta de tradição teórica dos estudos propriamente pedagógicos, a falta de “massa crítica” no segmento de pedagogos de profissão, a assimilação passiva das críticas provenientes de setores intelectuais mais distanciados da prática cotidiana escolar resultando, em alguns casos, na desqualificação acadêmica da área.

É aos pedagogos que cabe convencerem-se de que a Pedagogia tem sua especificidade epistemológica e que isto é a condição para se recolher a contribuição, sem dúvida imprescindível, das demais ciências da educação. E quanto mais os pedagogos forem capazes de definir o específico da Pedagogia, tanto mais fácil será definir a identidade profissional dos educadores em suas variadas alternativas de exercício profissional. Para isso, é inadiável o esforço dos pedagogos em favor do bacharelado em Pedagogia, prestando atenção ao fato de que as disciplinas e as pesquisas vinculadas às ciências da educação (sociologia, psicologia, antropologia, história da educação, etc.), quando desenvolvidas no campo investigativo da educação, devem estar a serviço da Pedagogia e do trabalho dos professores.

Em terceiro lugar, destaca-se a necessidade de reforço, na formação de educadores, da formação científica e cultural, associando a esses conteúdos o desenvolvimento das capacidades e habilidades de pensamento teórico-científico. É preciso que seja contido, nas instituições formadoras, o tecnicismo ou o pragmatismo desmobilizadores do pensamento teórico, a perda da autonomia intelectual dos professores e a substituição do senso crítico pelo senso comum.

            A quarta das posições dos pedagogos deve ser a exigência de que os cursos de formação profissional tenham seus objetivos, currículo e metodologias fortemente vinculadas à realidade empírica, isto é, às necessidades e demandas concretas da sociedade, das escolas, dos professores e dos alunos. As políticas de formação devem surgir de necessidades postas à formação de professores originadas nos contextos concretos de ensino e aprendizagem das escolas e das salas de aula. Para isso, as faculdades de educação precisam conscientizar-se da necessidade de instrumentalização teórica, metodológica e procedimental dos professores formadores no ensino de suas disciplinas. A formação de professores implica competências teórico-metodológicas, modos de atuar, de saber fazer, de saber agir moralmente, etc. Penso que a formação de professores deve atender a demandas muito concretas, a decisões operacionais, que dizem respeito, primordialmente, a formas de se garantir uma aprendizagem de qualidade a todos os alunos.

            A quinta posição é que se torna imprescindível que as instituições formadoras se constituam como espaços integralmente formadores, admitindo-se resultados cada vez mais convincentes das pesquisas sobre o imenso efeito das práticas socioculturais e institucionais na mudança de comportamentos e atitudes de professores e alunos. Esta postulação é compatível com argumentos muitos sólidos já apontados (cf. Pimenta e Libâneo, 1999) favoráveis à defesa de um local institucional específico para a formação de professores, ou seja, as faculdades de educação. Conceber as práticas de organização e gestão (práticas institucionais) como práticas formativas para o futuro profissional significa compreender que não se ensina ou se aprende apenas na sala de aula, ensina-se e aprende-se com a dinâmica organizacional, com as práticas de gestão e de coordenação, com a manutenção de um ambiente de trabalho, com as metodologias de ensino desenvolvidas em classe, com as formas de relacionamento humano que vigoram na instituição. As expressões comunidade de aprendizagem, comunidades de prática, aprendizagem cooperativa estão associadas à ideia de que um curso, um departamento, é um espaço público em que se discute o conhecimento, a organização curricular, as relações sociais, os modos e critérios de avaliação, as normas, implicando práticas de cooperação e criação de uma cultura própria da instituição.

CONCLUSÃO

Os cursos de Pedagogia e de formação de professores estão localizados nos mais distantes municípios do país, formando profissionais, compondo as culturas locais, criando um tipo de cidadão, ajudando as crianças a terem um rumo na vida, ampliando as possibilidades de conquistar a dignidade humana. Há algo de imensurável quanto aos benefícios sociais e humanos que provêm do trabalho dos professores em cada recanto do país, especialmente no ensino fundamental. Nosso projeto comum deve ser a salvação da escola brasileira. Para isso são necessários os pedagogos e os professores. Melhorando as escolas e melhorando a formação de professores se possibilita a qualidade cognitiva das aprendizagens dos alunos, de modo a formar brasileiros mais cultos, mais cidadãos, mais participantes dos benefícios materiais e culturais a ser providos pelo desenvolvimento social e econômico. Todo educador que tem clareza do seu papel social e político sabe que a escolarização básica obrigatória tem um significado educativo, político e social, implicando o direito de todos, em condições iguais de oportunidades, ao acesso aos bens culturais, ao desenvolvimento das capacidades individuais e sociais, à formação da cidadania, à conquista da dignidade humana e da liberdade intelectual e política.

É por tudo isso que se requer uma legislação clara, consistente e, ao mesmo tempo, aberta à complexidade e diversidade da realidade, para além das divergências acadêmicas e políticas. A educação brasileira continua carente dessa legislação. O Ministério da Educação deve reavaliar a pertinência de homologar a Resolução que dispõe sobre as diretrizes curriculares para a Pedagogia porque não atende às necessidades sociais e pedagógicas de formação de educadores postas por um mundo em mudança.

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Silva, Carmem Silvia B. Da. Curso de Pedagogia no Brasil – História e identidade. São Paulo:Editora Autores Associados, 1999. (2ª. Edição revista e ampliada, 2003).


[1] Nem de longe os leitores deste texto podem concluir dessa crítica que minha posição de defesa do pedagógico signifique desconsideração dos fatores sociais e culturais da prática educativa e mesmo das relações de poder ou do caráter socialmente determinado dos saberes e práticas escolares. O problema é que a sociologização do discurso pedagógico descartou o pensamento pedagógico, desvalorizando a efetiva prática pedagógico-didática e produzindo no professorado a perda de sentido do seu trabalho pedagógico enquanto trabalho político.

[2] É oportuno lembrar duas coisas. A primeira é que há, de fato, nas faculdades de educação muitos formadores de professores muito mais preocupados com suas pesquisas e seus artigos do que com as escolas e seus professores. A segunda é que muitos pesquisadores originários da didática deslocaram seus trabalhos para a formação de professores cuja temática, em muitos casos, ao enfocar mais as formas de desenvolvimento profissional, o currículo, os locais de formação, etc., se distancia da vida real das escolas e das salas de aula e das questões da prática de ensino e da aprendizagem escolar. Isto me parece ser mais um efeito da sociologização do discurso pedagógico.

 

[3] Reitero que a crítica à sociologização do discurso pedagógico não pode ser entendida como negação da dimensão sociológica do educativo ou do caráter político da pedagogia. A pedagogia é uma prática política, é um saber voltado para a transformação da realidade educativa, entretanto, colada ao fazer educativo, não sendo subsumida pela ação política.

 


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