À Deus autor da vida. Aos nossos pais e familiares pelo incentivo e apoio.
“Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; Se é triste ver meninos sem escola, mais triste é vê-los sentados enfileirados, em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem”.
Drummon
RESUMO
O trabalho tem por objetivo discutir as grandes transformações que marcam a educação infantil que vem se refletindo num processo histórico desde o século XVI até nossos dias, fazendo uma abordagem de como surgiram os primeiros pensadores dessa área. Questiona-se as transformações apontadas por este recorte interpretativo ao longo da história, analisando-se as mudanças que vêm ocorrendo, principalmente no mundo globalizado, onde os valores éticos e morais vêm sofrendo profundamente mudanças que precisam ser revistas e repensadas, a fim de que se alcance uma educação, onde os educandos possam tornarem-se sujeitos do seu próprio conhecimento e assim, construir uma sociedade mais justa e mais humanitária. Enfim, propõe-se sugestões como solução para melhorar o processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Ética, Moral, Sócio-cultural, Educação
1 INTRODUÇÃO
No âmbito atual, onde determinadas características são identificadas no que tange à nova estrutura econômica e social, devido à globalização, o indivíduo que se forma neste contexto, recebe influência desse meio e participa dessa sociedade com suas ações e reflexões, o que tem sido cada vez mais objeto de interesse e preocupação.
Os dados encontrados na pesquisa bibliográfica visam acima de tudo, delinear o perfil do educando hoje, apontando algumas tendências que permitem ensaiar inferências educacionais que contribuam para abordagem de propostas de construção de valores morais.
Percebe-se, no quadro de características analisadas nesta amostragem, que a criança, com seus medos, sonhos e conflitos pessoais devem ter valores para fundamentar suas ações. E, é neste contexto que se percebe a necessidade de a escola proporcionar juntamente à família as condições ideais para que a mesma possa re-significar a sua realidade construindo a sua identidade baseada em valores que permitam a sua formação sócio-econômico-político-cultural voltada para uma sociedade mais justa e fraterna.
O resultado do trabalho Monográfico pretende entre outros fatores através dessa dissertação meditativa, oportunizar novas reflexões sobre a escola ser um lugar, por excelência, significativo e próprio para que os alunos possam alcançar além de sua autonomia intelectual, e a sua autonomia moral. Alerta também a família quanto o seu papel primordial de ser a precursora na solidificação de valores no educando.
Será discutido durante toda a dissertação itens como: Contexto histórico na Educação Infantil, A Educação Infantil brasileira, Valores: conceito e crise, Valores e Família, O Desenvolvimento Moral numa visão construtivista, bem como a Proposta Metodológica para solidificação na construção de valores Éticos e Morais.
Sabe-se que essa construção requer mudança também, no que se entende por formação do aluno enquanto sujeito de sua própria história. Esta deve ser uma busca para a formação da cidadania: o sujeito que sabe, que faz, que pensa, que se emociona e que pode participar, criticar e conscientemente agir na sociedade em que vive.
2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Para compreender a arte no espaço da educação infantil no momento atual, mesmo que brevemente, é preciso situar o panorama histórico ao longo da história da humanidade. Para isso buscou-se explicar esse fato a partir das grandes civilizações, onde a educação sempre foi questionada, a fim de se encontrar soluções para que resolvesse uma questão tão antiga quanto a própria história – a educação.
2.1 Educação Infantil surgimento
Os fundamentos sociais, morais, econômicos, culturais e políticos da sociedade antiga foram sendo superados desde a instauração da sociedade moderna no século XVI. A constituição de modos de vidas passou a ser exigência do novo contexto social. A burguesia, classe em franca expansão passou a reivindicar formas mais concretas de vida, não mais lhes bastava uma educação dogmática, era preciso recorrer a uma educação que lhes desse condições de dominar a natureza.
Houve por parte do papado católico e do império, reações contra as tentativas de inovação ocasionadas pela rejeição ao mundo medieval. Nesse contexto, a instrução passou a chamar a atenção, tanto daqueles que desejavam manter, quanto dos que almejavam subverter a ordem vigente. De um lado, os defensores da manutenção da estrutura social e das prerrogativas da igreja reorganizaram suas escolas de modo a garantir uma educação religiosa e a instrução em disciplinas eclesiásticas.
Por outro lado, aqueles que se rebelaram contra a estrutura social vigente, clamavam por uma instrução mais democrática, calcada em modelos populares e modernos, que permitissem ao homem lidar com os novos modos de produção, subvertendo as velhas corporações artesanais, permitindo-lhes descobrir e conquistar a nova sociedade.
Baseado em vários teóricos preocupados em delinear uma nova proposta educativa para adolescentes, jovens e homens. Uns com o propósito de salvar-lhes as almas, através do restabelecimento da disciplina e do ensino do cristianismo, outros na tentativa de lhes garantir uma socialização e um conseqüente domínio das ciências letras e instrumentos de produção.
Entretanto, somente no início do século XVII é que surgiram as primeiras preocupações com a educação das crianças pequenas que foram resultantes do reconhecimento e valorização que as mesmas passaram a ter no meio em que viviam. Mudanças significativas ocorreram nas atitudes das famílias em relação às crianças que, inicialmente, eram educadas a partir de aprendizagens adquiridas junto aos adultos e, aos sete anos, a responsabilidade pela sua educação era atribuída a outra família que não a sua.
Apesar de uma grande parcela da população infantil continuar sendo educada segundo as antigas práticas de aprendizagem, o surgimento do sentimento de infância provocou mudanças no quadro educacional. Começaram a surgir as primeiras preocupações com a educação das crianças pequenas. Campanella (1568-1639), em sua obra “Cidade do Sol”, criticou o ensino servil da gramática e da lógica aristotélica e ressaltou a importância das crianças aprenderem ciências, geografia, os costumes e as histórias pintadas nas paredes das cidades,“sem enfado, brincando”.
Podemos constatar que Campanella já demonstrava uma preocupação com a educação da criança pequena e, desde então, podemos verificar, surgiram as primeiras propostas educativas contemplando a educação da criança de 0 a 6 anos.
2.2 A Educação Infantil no Século XVII
Vários teóricos desenvolveram seus ideais sobre educação, incluindo aí a educação para a infância, influenciados por idéias de universalização dos conteúdos da instrução, seu caráter moderno e científico, a didática revolucionária, a articulação da instrução com o trabalho, a importância do trabalho agrícola, sempre marginalizado na reflexão dos filósofos e pedagogos (MANACORDA 1989, p. 218). Procurou-se rastreá-los enfatizando suas contribuições para o delineamento da educação da criança pequena.
João Amós Comênio (1592 – 1657) é considerado como o maior educador e pedagogista do século XVII e um dos maiores da história. Foi em 1657 que Comênio apresentou à sociedade européia a sua “Didática Magna”, obra considerada como um dos mais brilhantes tratados educacionais que se tenha escrito até atualidade.
Nela, Comênio enfatiza a importância da economia do tempo em seu capítulo XIX, “Bases para a rapidez do ensino, com economia de tempo e de fadiga”. Organizou a sua didática em quatro períodos considerando os anos de desenvolvimento, quais sejam: a infância, puerícia, adolescência e juventude, sendo que cada um desses períodos durava seis anos. Ao ler o plano da escola materna, pode-se constatar que ele foi elaborado atribuindo aos pais uma tarefa educativa de muita responsabilidade, pois cabia-lhes a responsabilidade pela educação da criança antes dos sete anos.
Todos os ramos principais que uma árvore virá a ter, ela fá-los despontar do seu tronco, logo nos primeiros anos, de tal maneira que, depois apenas é necessário que eles cresçam e se desenvolvam. Do mesmo modo, todas as coisas, que queremos instruir um homem para utilidade de toda a vida, deverão ser-lhes plantadas logo nesta primeira escola. (COMÊNIO, 1985, p. 415)
Ao atribuir aos pais a tarefa pela educação da criança pequena, o que na época representava um grande avanço, pelo fato dos pais, até então, não terem essa responsabilidade, Comênio chamou a atenção para a importância desse período e suas repercussões na vida do ser humano.
2.3 A Educação infantil no século XVIII
A busca por uma sistematização definitiva do saber levou o homem desse século a realizar novas tentativas de ação para transmitir às crianças, a “moderna instrução“. Carregada, segundo MANACORDA (1989 p. 227), de um conteúdo ‘real’ e ‘mecânico’, isto é, científico-técnico em vista de atividades trabalhistas ligadas às mudanças que vinham acontecendo nos modos de produção.
A revolução burguesa introduziu a necessidade de elaboração de novos métodos educacionais, adequados à nova ordem social e “sob a forma oblíqua do deísmo, primeiro, e depois sob a forma mais crua do ceticismo, a burguesia se esforçou por expulsar a igreja dos seus últimos redutos” (PONCE,1989, p.129). É nesse contexto que destacamos as contribuições de Jean Jacques Rousseau (1712-1772), no delineamento da educação da criança pequena de sua época. Considerado como uma das personalidades mais destacadas da história da pedagogia, apesar de não ter sido propriamente um educador. Todavia, suas idéias muito influenciaram na educação da modernidade. Foi ele quem centralizou a questão da infância na educação, evidenciando a necessidade de não mais considerar a criança como um homem pequeno, mas que ela vive em um mundo próprio cabendo ao adulto compreendê-la.
Ao ressaltar esse aspecto, direciona a discussão para o reconhecimento da necessidade de se enxergar a infância com um período distinto, que apresenta características peculiares, as quais precisam ser estudas e respeitadas.
Rousseau chamou atenção para esse aspecto ao afirmar:
Procuram sempre o homem no menino, sem cuidar no que ele é antes de ser homem. Cumpre, pois, estudar o menino. “Não se conhece a infância; com as falsas idéias que se tem dela,quanto mais longe vão mais se extraviam”. A infância, tem maneiras de ver, de pensar, de sentir, que lhes são próprias. (ROUSSEAU, 1979, p. 118)
Ainda no Século XVIII, no auge da Revolução Francesa6, destacamos a figura de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), considerado o “educador da humanidade“. Influenciado por Rousseau, preocupou-se com a formação do homem natural, contrariamente ao seu antecessor, buscou unir esse homem à sua realidade histórica.
O sistema pedagógico de Pestalozzi tinha como pressuposto básico propiciar à infância a aquisição dos primeiros elementos do saber, de forma natural e intuitiva. Foi considerado um dos precursores da educação nova que ressaltou a importância de se psicologizar a educação e defini-la em função das necessidades de crescimento e desenvolvimento da criança.
Apesar de tê-lo situado no Século XVIII, é importante destacar que suas contribuições foram de grande valia para a estruturação do pensamento educacional do século XIX. MANACORDA (1989, p.261) afirmou que “Seu exemplo concreto e suas intuições de psicologia infantil e didática constituíram um dos pontos de partida de toda a nova pedagogia e de todo o novo engajamento educativo dos Oitocentos”.
2.4 A educação infantil no século XIX
No século XIX destacamos a figura de Friedrich Fröebel (1782 – 1852), educador protestante alemão que desenvolveu suas teorias arraigadas em pressupostos idealistas inspiradas no amor à criança e à natureza. Foi notadamente reconhecido pela criação dos “Kindergartens” (jardins de infância), nos quais destacava ser importante cultivar as almas infantis e para isso o fundamental era a atividade infantil.
Considerado como o clássico da primeira infância, Fröebel (1988) fez suas primeiras incursões no campo educativo, dando aula em uma escola que fundamentava seu trabalho nas idéias de Pestalozzi. Posteriormente, organizou suas idéias educacionais em vários livros. Essas idéias tiveram uma aplicação prática na primeira infância, mas considerava-se que elas se estendiam a todos os níveis educacionais pois, para ele o conhecimento se dá em:
Exteriorizar o interior, interiorizar o exterior, unificar ambos, esta é a fórmula geral do homem. Por isso, os objetos exteriores excitam o homem para que os conheça, em sua essência e em suas relações; para ele o homem está dotado de sentidos, isto é, de instrumentos com os quais possa interiorizar as coisas que o rodeiam. Mas nenhuma coisa pode ser mais conhecida quando são comparadas com os seus opostos e se encontram as suas semelhanças, o ponto de união/intersecção. Tanto mais perfeito será o conhecimento de um objeto, quanto melhor se realiza a comparação com o seu oposto e a unificação dos dois. (PESTALOZZI, 1988, p. 54)
Concomitantemente às suas produções teóricas, Fröebel concretizou o seu projeto educativo com a criação do chamado Kindergarten (Jardim de infância), em 1837, em Blankenburg, na Alemanha. Desde então, todos os estabelecimentos criados para crianças pequenas passaram a receber essa denominação. Segundo Richter (1988) Fröebel é, ao mesmo tempo, o máximo teórico do jogo e o seu mais ilustre realizador prático. Ao compreender o aspecto educativo do brinquedo ou das atividades lúdicas, Fröebel enfatizou seu papel ativo no processo de desenvolvimento na infância, isto é, destacou a auto-atividade como o caminho mais viável para determinação de um processo educacional.
2.5 A educação Infantil no século XX
Foi no final do Século XIX e no decorrer do Século XX, que aconteceram, na Europa e nos Estados Unidos da América, mudanças significativas no campo educacional. As escolas laicas marcaram a ruptura do domínio da Igreja sobre a educação, reafirmando a hegemonia da burguesia liberal. Um grande movimento de renovação pedagógica denominado “movimento das escolas novas“, também, aconteceu nesse período.
Nesse contexto destacamos Ovide Decroly (1871 – 1932) que, inicialmente, desenvolveu suas atividades educativas junto a crianças anormais (1901). Sua proposta de trabalho estava alicerçada nas atividades individual e coletiva da criança, sustentadas em princípios da psicologia. Inicialmente, suas experiências foram concretizadas em sua própria residência, onde pôde observar, diretamente, o desenvolvimento infantil.
Em conseqüência, concluiu que o que mais interessa ser conhecido pela criança é, em primeiro lugar, ela mesma, para depois conhecer o meio em que vive. Foi em função dessas conclusões e das características e domínios, que apresentou seu programa de idéias associadas, concebido da seguinte maneira: a criança e suas necessidades; a criança e seu meio.
Partir do interesse da criança significa respeitar o seu desenvolvimento e suas necessidades, é desenvolver uma proposta educativa que considere o seu universo real e respeite seus desejos.
John Dewey (1859 – 1952) denominado como o máximo teórico da escola ativa e progressista foi considerado um dos mais importantes teóricos da educação americana e, por que não dizer, da educação contemporânea. Em sua abordagem sobre educação considerava que o método científico deveria subsidiar o trabalho em sala de aula, de tal maneira que o conhecimento fosse trabalhado de forma experimental, socialmente, desde a infância, com o intuito de torná-la um bem comum.
Partia do princípio de que o caminho mais viável para o aprender é o fazer, isso significou, superar aquela visão de que cabia ao professor a responsabilidade integral pelo conhecimento a ser adquirido pelo aluno. Ao definir os objetivos, o professor poderá dimensionar um plano de ação e, conseqüentemente, os recursos disponíveis, condições, meios e obstáculos para sua exeqüibilidade.
Maria Montessori (1870 – 1952). O que mais chamou a atenção foi o fato de que foram os homens que começaram a se preocupar com a educação infantil, uma tarefa atribuída, quase que exclusivamente, à mulher. Vale destacar que dos dez teóricos arrolados, somente um, Maria Montessori, é mulher. É considerada, uma das mais importantes representantes dessa mudança radical que se dá na escola com relação à concepção de ensino e aprendizagem. Seu envolvimento com a educação da criança pequena data de 1907, quando fundou em Roma a primeira “Casa dei Bambini“, para abrigar, aproximadamente, cinqüenta crianças normais carentes, filhas de desempregados.
Nessa casa-escola, Montessori realizou várias experiências que deram sustentação a seu método, fundamentado numa concepção biológica de crescimento e desenvolvimento. Por ser médica preocupou-se com o biológico, contudo, não deixou de lado, em seu método, o aspecto psicológico bem como o social. Montessori, ao referir a seu próprio método enfatiza:
Se abolíssemos não só o nome, mas também o conceito comum de método para substituí-lo por uma outra indicação, se falássemos de “uma ajuda a fim de que a personalidade humana pudesse conquistar sua independência, de um meio para libertá-la das opressões, dos preconceitos antigos sobre a educação”, então, tudo se tornaria claro. É a personalidade humana e não um método de educação que vamos considerar, é a defesa da criança, o reconhecimento científico de sua natureza, a proclamação social de seus direitos que devem substituir os falhos modos de conceber a educação. ( MONTESSORI, 1986, p. 12)
Por outro lado, a complexidade e a extensão da obra de Jean Piaget (1896 – 1980), evidencia aspectos que estão mais diretamente ligados à educação, numa perspectiva de ensaio. Criador, como se sabe, de uma epistemologia, “a epistemologia genética” e sempre esteve preocupado em investigar como se dava a construção do conhecimento no campo social, afetivo, biofisiológico e cognitivo, mais especificamente, qual é a sua gênese, seus instrumentos de apropriação e, em como se constituem, sendo as crianças o seu objeto de investigação, para a construção de seu conhecimento científico.
Quanto à aplicabilidade de sua teoria no campo pedagógico, é fundamental reafirmar que esse não foi seu objetivo, seu interesse voltava-se para o campo epistemológico. O próprio Piaget adverte:
Estou convencido de que os nossos trabalhos podem prestar serviços à educação, na medida em que vão além de uma teoria do aprendizado e permitem vislumbrar outros métodos de aquisição de conhecimentos. Isso é essencial. Mas como não sou pedagogo, não posso dar nenhum conselho aos educadores. A única coisa que posso fazer é fornecer fatos. Além do mais, considero que os educadores estão em condições de encontrar por si mesmos novos métodos pedagógicos”. (LERNER. Apud PIAGET, 1994, p. 15)
Tratou-se, pois, de constatar, experimentalmente, como se processa a aquisição do conhecimento, evidenciando que esses conhecimentos são mutáveis ao longo de todas as fases da vida humana. Constatamos que para a realização de tal feito, Piaget desenvolveu longos estudos e pesquisas nos mais diversos campos do saber. Somente um estudo exaustivo de suas obras nos permitiria dominar a gama de contribuições, por ele deixadas, para que compreendamos suas concepções a respeito da gênese e desenvolvimento do conhecimento infantil.
Por certo, poderíamos destacar, nas obras de Piaget, vários aspectos relevantes para a educação infantil, dentre eles a construção do real, a construção das noções de tempo e espaço, a gênese das operações lógicas.
A preocupação com o desenvolvimento cultural da humanidade, levou Lev Semenovich Vygotsky (1896 – 1934) a envolver-se com a infância, através de alguns estudos que lhe permitissem compreender o comportamento humano, justificou que “a necessidade do estudo da criança reside no fato de ela estar no centro da pré-história do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos da fala”. (REGO. 1996, p. 15)
Para isso dedicou-se ao estudo da “pedologia” – ciência da criança, voltada para o estudo do desenvolvimento humano, articulando os aspectos psicológicos, antropológicos e biológicos. O caminho trilhado por Vygotsky baseou-se sempre nas contribuições de Marx, buscando sempre compreender o homem em processos constantes de interação social. Vale ressaltar que o interesse por questões educacionais, diferentemente de Piaget, sempre esteve presente em sua obra, sendo considerado por muitos, como que responsável pela elaboração de uma teoria de educação, enquanto atividade sócio-historicamente determinada.
“[…] tais processos psicológicos superiores se desenvolvem nas crianças por meio da imersão cultural nas práticas das sociedades, pela aquisição dos símbolos e instrumentos tecnológicos da sociedade e pela educação em todas as suas formas”. (MOLL. 1998, p. 98)
[…] desenvolvimento e aprendizagem são processos interativos, no entanto, cabe ao processo de aprendizagem, realizado em um contexto social específico, possibilitar o processo de desenvolvimento, o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam. (VYGOTSKY, 1986. p. 54)
3 A EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA
3.1 Uma pequena explanação sobre a história da Educação Infantil no Brasil
No Brasil, as idéias da Escola Nova foram introduzidas já em 1882 por Rui Barbosa (1849-1923). No século XX, vários educadores se destacaram, especialmente após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Podemos mencionar Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), grandes humanistas e nomes importantes de nossa história pedagógica.
Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Heloísa Marinho foram discípulos de Dewey na Universidade de Chicago e responsáveis pela introdução da Escola Nova no Brasil, da qual forma grandes defensores. Dewey foi o responsável pela difusão de currículo por atividades e respectiva extensão à escola de Primeiro Grau.
Anísio Teixeira e Lourenço Filho divulgaram a filosofia educacional de Dewey e lutaram pela implantação na escola primária e, a convite de Dewey, Heloísa Marinho foi trabalhar no Instituto de educação do RJ, no Centro de Pesquisa da Criança. Nesta escola, a mesma criou o curso de formação de professores pré-escolares, que funcionou a partir de 1949, com duração plena. O Instituto de Educação, graças ao esforço destes três eminentes educadores, funcionou como órgão formador de Jardineiras dentro da filosofia que tem no homem e no seu desenvolvimento pleno o fim da educação (segundo a orientação de Froebel).
Dessa forma as idéias de Froebel, continuadas por Alice Temple e Dewey, foram introduzidas no Brasil por três educadores famosos: Anísio Teixeira, Lourenço Filho e, especialmente no âmbito da pré-escola, por Heloísa Marinho.
Com Froebel nasceu o Jardim de Infância e a concepção de educar crianças, de idade inferior a sete anos, em ambiente especialmente criado para tal. Foi o Jardim de Infância de Froebel, o berço de toda a filosofia da educação ocidental que nasceu sem pretensões de prejudicar, alterar ou substituir o ensino tradicional das escolas primárias e ginásios existentes. Ela foi concebida para estimular o desenvolvimento da criança que não tinha idade para freqüentar a escola comum e, talvez, por este motivo, com esta conviveu por tantos anos, sem choques. No Brasil, tomaram o nome oficial de Pré-escola, deixando clara a sua abrangência, crianças de idade inferior à idade escolar.
As idéias de Froebel (1782) “contaminaram” toda a educação, estendendo-se seus princípios à educação de primeiro grau e sua filosofia, que tem por fim o desenvolvimento do homem, a toda Educação Nacional. Tendo como princípios permanecidos atualmente como: as visões de Potencialidade, que tem por função encarar a criança como uma semente que encerra em si a potencialidade de vir a ser; e a de escola como meio ambiente especial, com o intuito de encarar a escola como ambiente especialmente criado para oferecer as condições necessárias para cultivo das crianças.
Quanto ao currículo por atividade, propôs oferecer atividades responsáveis pelo crescimento da criança, e ainda princípios de organização do mesmo, alertando ao respeito por aspectos importantes na educação e quanto ao papel do professor, o viu como estimulador.
Em termo de linguagem, acredita ser a oral-afetiva a forma saudável de comunicação com a criança, e ainda o uso de materiais concretos, atividades lúdicas, brinquedos cantados e historinhas, estas como recurso de educação, pois educa e desenvolve a imaginação.
Por outro lado, o professor deve aprender observando as crianças, utilizar com estas as artes, ciências e literatura no processo educacional e ainda dar importância à filosofia, como essencial para determinação dos fins da educação e escola do caminho a seguir.
O professor deve ter conhecimento da criança, esta como ser motor, que tem que agir para aprender e dar importância à experiência da mesma e estimular a aprendizagem como modificação de conduta e atitude.
O civismo passa a ser apresentado como educação, na concepção de consciência cívica como educação e da necessidade de aprender a viver junto, utilizando material comum para saber viver em sociedade e respeitar o direito alheio (Froebel almejava uma sociedade onde os direitos do homem fossem respeitados).
A conquista da independência de cada criança se dá através do estímulo e do encorajamento materno frente às solicitações do meio, e é feito de forma não sistemática, oral-afetiva, diretamente ligada às situações do meio e da vida natural.
4 VALORES: CONCEITO E CRISE
4.1 Conceito de Valores
Quando se decide fazer algo, está se realizando uma escolha. Manifestando certas preferências por umas coisas em vez de outras. Evocam-se então, certos motivos para justificar as decisões, os valores.
Com isso, designa-se em sentido muito amplo tudo aquilo que é bom, útil, positivo, ou algo que se deve realizar. Valores são também coisas como a justiça, o amor, o prazer, a solidariedade. São critérios segundo os quais se valorizam ou desvalorizam-se as coisas, contudo são também razões que justificam ou motivam as ações, tornando-as preferíveis a outras, por isso os valores reportam-se, em geral, sempre em ações que as justificam.
Dessa forma, dentro de uma sociedade os valores estão presentes com significados dispostos nas entrelinhas, na dimensão entre ações e na construção do pensamento. Portanto, não são coisas, nem simples ideais que se adquirem, mas conceitos que traduzem as preferências. Assim, existe uma enorme diversidade de valores, os quais podem ser agrupados em:
-Valores éticos – referem-se às normas ou critérios de conduta que afetam todas as áreas da atividade humana como: solidariedade, honestidade, verdade, lealdade, bondade e o altruísmo. Já os valores estéticos, esses visam expressões como harmonia, belo, feio, sublime e o trágico.
Em se tratando de valores religiosos, estes estão relacionados com a transcendência do homem encontrados no sagrado, na pureza, na santidade, e na perfeição. E os valores políticos concentram-se na justiça, na igualdade, na imparcialidade, na cidadania, e na liberdade, não podendo ser esquecido a saúde e a força estabilizando os valores vitais.
Contudo, não se atribui a todos os valores a mesma importância, pois na hora de tomar uma decisão, cada ser, hierarquiza os valores de forma diversa. A hierarquização é a propriedade de que tem os valores de se subordinarem aos outros, isto é, de serem uns mais valiosos que outros. As razões porque se fazem são múltiplas.
É através de escolhas de valores que se cria o juízo de valor, ou seja, juízos (idéias) sobre os fatos ou atos em função de valores ou preferências. E assim, forma-se a consciência moral, que nada mais é que uma espécie de “juiz interior” que ordena o que deve ser feito, através de um ponto de vista crítico no ato de agir, permitindo um bom convívio social.
4.2 Crise: O descuido aos valores aparentemente imutáveis
A sociedade atual mudou, tem-se uma inversão de papeis e valores, mais informações do que se pode absorver, a mulher trabalha fora, o avanço tecnológico foi grande, a família mudou, a criança mudou, o aluno e a escola também mudaram. Tanta mudança gera confusão e expectativas.
Dessa forma, buscando proteger de forma excessiva os filhos das mudanças, os pais podem impedir o desenvolvimento da maturidade emocional e psicológica, ao invés de desenvolver nos filhos a capacidade de auto-estima e autonomia para escolhas seguras na sociedade a qual pertence. Por outro lado, a família encontra-se num momento de transição ficando assim confusa diante das várias mudanças que vêm ocorrendo na sociedade.
Por isso acaba transferindo a responsabilidade da educação dos filhos somente para a escola que tem agora a função de educar seus filhos e geralmente esta tende a assumir um papel que não é seu, acarretando equívocos quanto a distinção de papéis na construção de valores entre família e escola. Sabe-se que cabe principalmente à família o alicerce de valores e à escola a continuação desta construção e a formação de habilidades para competências na vida adulta.
Portanto, vive-se numa época que aceita como dado adquirido que os valores estão em crise. Neste sentido, com certa insistência são feitas duas afirmações similares; a de que não existem atualmente critérios seguros para distinguir o justo do injusto, o bem do mal, o belo do feio; tudo é relativo, subjetivo e que também não existem mais valores, tudo depende das circunstâncias e dos interesses em jogo.
Com essas afirmações, conclui-se que os valores que tradicionalmente eram dados como imutáveis, ou foram postos em causa, ou foram abandonados, pois o que predomina hoje segundo muitos autores são apenas posições relativistas que variam com as circunstâncias.
No entanto, para explicar esta crise de valores que atravessa todos os domínios da sociedade são apontadas algumas razões como a crítica sistemática que muitos fizeram aos valores tradicionais, que segundo Karl Marx, defende a construção de valores de uma sociedade pela classe proletária, por ser mais humanitária, ao invés de valores típicos da classe dominante privilegiando a mesma, reinante na época.
Já Nietzsche ao falar de crise afirmou por seu turno que não existiam valores absolutos. Os valores são sempre produtos de interesses egoísta dos indivíduos. Não podendo esquecer das palavras de Freud ao mostrar que os valores morais fazem parte de um mecanismo mental repressivo formado pela interiorização de regras impostas pelos pais.
Em se tratando da crise nos modelos e nas relações familiares, a família é onde, em princípio, qualquer ser humano adquire os seus primeiros valores. Por tudo isto, muitos pais manifestam cada vez mais dificuldade em elegerem um conjunto de valores que considerem fundamentais na educação dos seus filhos. Contudo, observa-se que as estruturas familiares estão em crise. Dessa forma, as profundas alterações econômicas, científicas e tecnológicas que a sociedade moderna tem conhecido não apenas estimulam o abandono dos valores tradicionais, mas parecem ter conduzido a humanidade para um vazio dos mesmos.
5 VALORES E A FAMÍLIA
Ao longo da história brasileira a família veio passando por transformações importantes que se relacionam com o contexto sócio-econômico-político do país. No Brasil-Colônia, identificava-se um modelo de família tradicional, extensa e patriarcal, onde a mulher era destinada à castidade, à fidelidade e à subserviência. Os filhos eram cuidados pelas amas de leite.
A partir das últimas décadas do século XIX, identificava-se um novo modelo de família. A Proclamação da República trouxe a industrialização e a urbanização do país, alterando a família brasileira aos moldes da burguesia européia. Trata-se de uma família constituída por pai, mãe e poucos filhos. O homem continuava detentor da autoridade e a mulher passava à “rainha do lar”. Desde cedo a menina era educada para desempenhar papel de mãe e esposa, zelar pela educação dos filhos e pelos cuidados do lar.
No âmbito legal, a Constituição Brasileira de 1988, aborda a questão da família nos artigos 5°, 7°, 201, 208 e 226 a 230. Admitindo no artigo 226 um novo conceito de família peculiar à época: união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. E ainda reconhece que: os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Nos últimos vinte anos, várias mudanças ocorridas no plano sócio-político-econômico relacionadas ao processo de globalização da economia capitalista vem interferindo na dinâmica e estrutura da família e possibilitando mudanças em seu padrão tradicional de organização. Houve um aumento de famílias chefiadas por uma única pessoa, perdendo-se um pouco o foco da família enquanto formador de valores, por não ter mais tarefas coordenadas ao pai e à mãe, e ainda a falta de tempo destes para a educação devida e a correria da vida moderna.
Mostra-se uma preocupação de toda a sociedade, quanto ao dever da família com o processo de escolaridade e a importância da sua presença no contexto escolar, por isso, publicamente reconhecido na legislação nacional e nas diretrizes no Ministério da Educação aprovadas no decorrer dos anos 90, tais como:
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), nos artigos 4° e 55;
Política Nacional de Educação Especial, que adota como umas de suas diretrizes gerais: utilizar mecanismos que oportunizem a participação efetiva da família no desenvolvimento global do aluno. E ainda, conscientizar e comprometer os segmentos sociais, a comunidade escolar, a família e o próprio portador de necessidades especiais, na defesa de seus direitos e deveres. Entre seus objetivos específicos, temos: envolvimento da família e da comunidade no processo de desenvolvimento da personalidade do educando;
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), artigos 1°, 2°, 6° e 12.
Sem falar da recente iniciativa do MEC que instituiu a data de 24 de abril como o Dia Nacional da Família na Escola. Pois, conforme declaração do Ministro Paulo Renato Souza “quando os pais se envolvem na educação dos filhos, eles aprendem mais”.
Atualmente, como se vê a responsabilidade primária (dos pais) está sendo passada para uma instituição secundária (escola). É preciso alertar que a família independente do modelo como se apresente, é um espaço de afetividade e de segurança.
La Taile (2002) descreve o cenário da educação infantil apontando as duas grandes fontes educacionais da criança: família e escola como agentes que devem tornar claras os valores e definições sobre uma vida plena.
Só não pode ser esquecido que, papel da escola é papel da escola. Papel de pai é papel de pai. Ambos precisam definir claramente seus códigos de conduta e têm o dever de fazer com que sejam seguidos pelos jovens.
Os laços afetivos entre pais e filhos são dos mais fortes. Hoje, sabe-se que o ambiente moral da casa tem grande importância na formação moral das crianças. Os filhos acabam assumindo os valores da família. O papel da escola também é fundamental, mas não pode ser comparado ao da família.
Os filhos são frutos do meio, porém é na relação familiar que os verdadeiros valores se formam e se consolidam. De nada adianta os pais darem limites, proibir certas atitudes, cobrar respeito ao próximo, exigir que não falem palavrão, se eles burlam as leis e os valores morais e adotam a postura: “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”. Suas atitudes valem mais que mil palavras. Devem buscar ações simples e concretas que possam ajudar seu filho a assumir responsabilidades de forma coesa e concreta, pois a criança que aprende a ter responsabilidades desde pequena, enfrenta melhor a escola e a própria vida.
Por outro lado, os educadores têm um papel relevante para com seus alunos, bem como aos seus pais. O papel da liderança dos pais e dos educandos que deve estar presente todo dia na vida das crianças e adolescentes. Declarar valores pessoas e estimular o seu desenvolvimento pode auxiliar nesta tentativa. Em qualquer oportunidade de tempo, desde que seja feito.
6 O DESENVOLVIMENTO MORAL SEGUNDO UMA VISÃO CONSTRUTIVISTA
Para Piaget, (1999) o desenvolvimento moral é concomitante ao desenvolvimento lógico, com aspectos paralelos de um mesmo processo geral de adaptação. Existe uma reflexão consciente da prática passando por estágios, indo da moral heterônoma – baseado na obediência – à moral autônoma – baseada na igualdade – baseando-se nas relações sociais. Em um primeiro momento, a relação da criança com o adulto se estabelece na relação baseada na autoridade, em um segundo momento se firma na relação entre companheiros num sistema de reciprocidade.
Piaget (1999, p.13), compara o desenvolvimento psíquico ao orgânico em busca do equilíbrio:
Da mesma maneira que um corpo está em evolução até atingir um nível relativamente estável – caracterizado pela conclusão do crescimento e pela maturidade dos órgãos, também a vida mental pode ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto.
Para Piaget, este desenvolvimento é explicado pela maturação dos indivíduos, afirmando que a ação humana é desequilibrada a cada instante pelas transformações que aparecem interior ou exteriormente, e a cada nova conduta além de restabelecer o equilíbrio, que se mostra mais estável que o estágio anterior a esta perturbação. A ação humana consiste neste movimento contínuo e perpétuo de reajustamento ou de equilíbrio.
Para uma maior compreensão desse processo de reajustamento, Piaget dividiu o desenvolvimento da criança em fases, já que além de uma constante, existem aspectos variáveis que distinguem uma fase da outra. Afirma ele, que através da análise destas estruturas progressivas de equilíbrio que marca as diferenças de um nível de conduta para outro, desde os comportamentos elementares até a adolescência. Dividindo essas variáveis por fases, que o mesmo as denomina em: anomia, heteronomia e autonomia.
6.1 Anomia
Para Piaget, este período vai do nascimento até a aquisição da linguagem marcado por um extraordinário desenvolvimento mental. Esta fase é decisiva para todo o curso da evolução psíquica, pois a inteligência aparece, com efeito, antes da linguagem. Para a criança, o “eu”, está no centro da realidade, mesmo sendo inconsciente de si mesma, e a partir do momento que toma consciência de si própria, o mundo exterior passa a ser real, obsessivo como nos afirma Piaget (1999, p. 20):
Em outras palavras, a consciência começa por um egocentrismo inconsciente e integral, até que os progressos da inteligência senso-motora levem à construção de um universo objetivo, onde o próprio corpo aparece como um elemento entre os outros, e ao qual se opõe a vida interior, localizada neste corpo.
Percebe-se que a evolução nesta fase, vai do egocentrismo integral primitivo à elaboração final de um universo exterior, através da percepção de objetos sólidos e permanentes. Piaget acredita que o desenvolvimento motor está intimamente ligado à afetividade, em qualquer fase da criança. A conduta humana é marcada pelo valor dos fins que são os sentimentos, por isso afirma que a afetividade e a inteligência são indissociáveis e constituem o fundamento da conduta humana. E nessa fase, a criança age por reflexo, por instinto alimentar, sendo esta sua emoção primária, como reflexo afetivo. Aparecendo também os primeiros medos.
Ao segundo estágio, quando a criança já percebe objetos exteriores, e tem a inteligência senso-motora desenvolvida, aparecem sentimentos ligados a atividades próprias, como a idéia de agradável e o desagradável, o prazer e a dor, assim como, o sucesso e o fracasso, embora sejam para a criança estados afetivos próprios de sua ação e não de relação com outras pessoas, formando a consciência de si próprio, uma espécie de amor a si mesma. Pois é nessa fase que Tiba (2002, p.54) acredita desenvolver a auto-estima, um valor essencial para a formação de um adulto valorizado e honrado.
A auto-estima começa a se desenvolver numa pessoa quando ela é ainda um bebê. Os cuidados e os carinhos vão mostrando à criança que ela é amada e cuidada. Nesse começo de vida, ela está aprendendo como é o mundo a sua volta e, conforme se desenvolve, vai descobrindo seu valor a partir do valor que os outros lhe dão. E quando se forma auto-estima essencial.
Daí a necessidade de atenção, cuidados e carinho, pois a consciência moral surge bem depois da sensação moral, que nesta fase é desencadeada pelo sentimento da criança ser bem aceita pelos que a cercam, além da segurança, por isso Piaget chama a atenção da educação para as relações sociais, na troca e na comunicação com os demais indivíduos.
As relações interindividuais existem desde a segunda metade do primeiro ano, graças à imitação, e com esta surgem os sons e assim a linguagem, que vai aperfeiçoando e capacitando a criança a exteriorizar o seu pensamento. Assim como a linguagem, o desenvolvimento senso-motor é também por via de imitação, pois a criança descobre as riquezas de um mundo de realidades superiores a ela, e tende a imitar os adultos que a cercam, estes vistos como grandes, fortes e misteriosos, como afirma Baldwin, quando o mesmo propõe que ao “eu” da criança, e que os exemplos vindos do alto serão modelos que a criança deve procurar copiar ou igualar, alertando aos adultos quanto o seu papel.
A partir desta admiração ao ser visto superior, e pela sua imitação surge o respeito, como salienta Bovet, (1983) quando afirma ser o respeito do pequeno pelo grande que os tornam aceitáveis e obrigatórios para as crianças. Mas, mesmo fora deste núcleo de obediência, desenvolve-se toda uma submissão inconsciente, intelectual e afetiva, devida à coação espiritual exercida pelo adulto.
O desenvolvimento intelectual da criança, nesta fase, é por um processo de imitação, e agem simplesmente por necessidades individuais, são egocêntricas, não se interessam por pensamentos reais e alheios. No final desta fase, a criança continua egocêntrica, porém, no que se refere à realidade exterior, deixa de ser o objeto para se focar no indivíduo. A inteligência deixa de ser senso-motora e prolonga-se em pensamentos sob a dupla influência da linguagem e da socialização.
A partir dos dois até por volta dos sete anos, aparece uma forma diferente de jogo, que é o jogo simbólico ou jogo de imaginação e imitação. Para Piaget, sua função consiste em satisfazer o “eu” por meio de uma transformação do real em função dos desejos. Assim sendo, a criança que brinca de boneca refaz sua própria vida, corrigindo-a a sua maneira, e revive todos os prazeres e conflitos, resolvendo-os, compensando-os, ou seja, completando a realidade através da ficção, nesta fase, é através do brincar que se contrai a realidade, contribuindo para a formação de sua identidade.
Em outro extremo, há um pensamento mais adaptado ao real que a criança conhece, podendo chamar de pensamento intuitivo. É, em certo sentido, a experiência e a coordenação senso-motoras, seria a lógica da primeira infância. Esta nova forma de pensar afeta profundamente a vida afetiva, surge três novidades neste campo, que são: o desenvolvimento dos sentimentos interindividuais (afeição, simpatias e antipatias), a aparição de sentimentos morais, intuitivos e as regularizações de interesse e valores.
A criança deixa de agir por necessidade, como as necessidades biológicas, a alimentação, e passa a agir por interesse como prolongamento desta necessidade. Assim começa a vida psíquica. Mas estes interesses implicam em um sistema de valores, pois a realidade adquire valor para o sujeito na medida de suas necessidades, estão ligados de perto aos sentimentos de auto-valorização: os famosos “sentimentos de inferioridade ou de superioridade”.
Todos os sucessos e fracassos da ação registram segundo uma escala permanente de valores, os primeiros elevam a pretensão do sujeito e os segundo abaixam-nas com respeito às ações futuras. Daí faz-se um julgamento de si mesmo para o qual o indivíduo é conduzido pouco a pouco e que pode ter grandes repercussões sobre todo o desenvolvimento. Certas ansiedades, em particular, resultam de fracassos reais e imaginários.
Esses valores aparecem também das relações interindividuais, já que os valores advêm da troca de sentimentos entre pessoas. Surge na criança um jogo sutil de simpatia e antipatia, sendo que o primeiro aparece em relação às pessoas que a valorizam, pois através da linguagem “concordam entre si”, “têm gostos comuns”. Ao contrário, a antipatia nasce da ausência de gostos comuns e da escala de valores comuns. Segundo estes princípios, a criança escolherá seus primeiros companheiros ou até na relação com adultos estranhos à família, e pelo mesmo princípio explica-se o amor da criança pelos pais, pois para eles, o laço do sangue está longe de explicá-lo, logo há uma íntima valorização entre pais e filhos, já que os valores destes são moldados à imagem de seu pai e de sua mãe.
Entre os valores interindividuais, a criança reserva aqueles que julgam superiores a si, a algumas pessoas mais velhas e aos pais que é o respeito, composto de afeição e temor. Segundo Bovet, o respeito está na origem dos primeiros sentimentos morais, quando afirma com efeito, que é suficiente que os seres respeitados dêem aos que os respeitam ordens e sobretudo avisos para que estas sejam sentidas como obrigatórias e produzam assim o sentimento do dever.
Para Bovet, (1996) é desta forma que vai formar na criança a primeira moral, esta é unilateral que é a obediência, e o primeiro critério do bem, que é a vontade dos pais. Incutindo os valores morais como valores normativos, como regras e não mais como simples regulamentação espontânea como a simpatia e a antipatia. Embora os valores ainda visto como impostos por seres superiores, intuitivos e não por vontade interior. E pelo mesmo motivo a criança aceita a regra de conduta que impõe a veracidade, antes de compreender o valor da verdade, por isso julga a mentira “ruim” quando dirigida aos adultos, mas não quando aos companheiros.
Em suma, nesta fase, os interesses, as auto-valorizações, os valores interindividuais espontâneos e valores interativos, marcam o processo de construção para o pensamento lógico da criança, só a partir desse pensamento lógico será capaz de formar valores morais mútuos, ao invés de valores unilaterais características da primeira infância.
Segundo Piaget, (1987) a criança na educação infantil não é capaz de ter uma educação moral como regra social, pois para ele, a fase de anomia, que é do nascimento aos seis / sete anos, a criança necessita de carinho, ternura, afeto, necessita também da compreensão do não, dos limites claros, da coerência na afetividade que a ela se entrega, mas também deve haver cobrança, pois esta implica na passagem para a segurança. Então quem deve ser instruído nesta fase, quanto aos valores morais, são os adultos que acompanham o desenvolvimento destes seres.
Segundo Antunes, (2001) baseando-se nos estudos de Piaget, dita ferramentas essenciais aos adultos que educam emocionalmente a criança nessa fase, a saber: propõe uma relação marcada sempre pela espontânea alegria; o emprego sempre possível de uma voz com entoação serena, tranqüila e segura; dar preferência na hora de ficar com a criança a momento em que se está em estado emocional favorável;
Antunes diz que “é sempre importante que outras crianças brinquem com outras crianças” e que se deve incorporar o hábito de se ouvir músicas em momentos específicos do lazer e do som, pois o efeito da música suave como tranqüilizante para a mente constitui hoje inabalável certeza.
Celso Antunes afirma que se devem legitimar os atos emocionais da criança e ainda saber ouvi-la com empatia. Caso tenha que apresentar uma crítica, criticar o ato e não a pessoa que o causou;
Segundo Antunes (2001, p. 22), “todos os princípios são importantes”, como é importante a quem quer que esteja junto à criança – da babá à servente, da professora à secretária – saber ser meiga sem mimar, mostrar paixão sem entrega ilimitada, ou, como diziam e ensinavam nossos avós, ser doce, sem “melar”.
6.2 Heteronomia
A idade média de sete anos, que coincide com o começo da escolaridade da criança, marca uma modificação decisiva no desenvolvimento mental. Esta fase é chamada por Piaget de heteronomia, na qual surge de forma evidente interesse em participar de atividades coletivas e regradas, portanto, já abrigando procedimentos que podem envolver uma educação moral.
Quanto às relações inrterpessoais, a criança, depois dos sete anos, torna-se capaz de cooperar, pois já percebe o ponto de vista do outro. Isto é visível na linguagem entre crianças. Pois já discutem, logo são capazes de ouvir opiniões de outros e tentam justificar ou provar sua própria afirmação. Com esta idéia de justificação lógica, a linguagem egocêntrica desaparece quase que totalmente.
Quanto ao comportamento coletivo das crianças, constata-se mudança nas atitudes sociais, ao aceitar jogos com regras tornam-se suscetíveis a um começo de reflexão. Ao invés da conduta impulsiva da primeira infância e do egocentrismo intelectual, a criança, a partir dos sete anos tende a pensar antes de agir, começando o processo de reflexão. Assim, surgem novas coordenações tanto na inteligência quanto na afetividade.
Na afetividade, produz uma moral de cooperação e de autonomia pessoal. Este novo sistema de valores representa, no campo afetivo, o equivalente da lógica para a inteligência. Permitindo a dupla coordenação entre lógica e moral, são construídos pela operação, no tocante à inteligência, e pela vontade, no plano afetivo, são duas realidades novas, muito próximas uma da outra.
É depois dos sete anos que um espaço racional começa a se construir. A ação passa de intuitiva à operatória, e os valores existem em função de um sistema total ou “escala de valores”, pois as noções e relações se organizam em conjuntos, nas quais os elementos são solidários e se equilibram entre si. Assim, quando a criança se liberta do seu ponto de vista imediato para “grupar relações”, o espírito atinge um estado de coerência, paralelo à cooperação no plano social, que subordina o “eu” às leis de reciprocidade.
Por ser um solidário, a afetividade na heteronomia, caracteriza-se pela aparição de novos sentimentos morais, e por uma organização da vontade, que regula o “eu” à uma vida afetiva. O novo sentimento, que intervém em função da cooperação entre as crianças, e das formas de vida social dela decorrentes, consiste essencialmente em mútuo respeito. Este advém do respeito unilateral da fase anterior. De maneira geral, existe respeito mútuo em toda amizade fundada na estima, em toda colaboração que exclua a autoridade, e ainda leva a novos sentimentos morais, distintos da obediência exterior inicial.
Como conseqüência afetiva do respeito mútuo, surge o sentimento de justiça. Este é um dos sentimentos morais mais fortes na criança. A honestidade, o sentido de justiça e a reciprocidade, em geral, constituem sistema racional de valores pessoais, agrupados segundo uma “escala” e não mais relações objetivas, são expressos pela própria vontade.
Piaget (1999, p.53) acredita que nessa fase a criança desenvolve um realismo moral, e defende duas idéias que devem ser conhecidas por todos os alfabetizadores emocionais. Uma das idéias diz que todo ato que é desenvolvido de acordo com as regras ou de acordo com as normas passadas pelos adultos é sempre um bom e justo e, a outra diz que as regras valem pelo que dizem e não pela intencionalidade que as envolvem, julga muito mais as conseqüências que e intencionalidade.
Ao observar o quadro típico e geral da heteronomia, deve-se fazer uma reflexão sobre em que bases devem estar apoiadas a alfabetização moral. Esta educação, segundo Antunes (2001, p. 25) embasado nos estudos de Piaget, deve além de incorporar sugestões apresentadas para a fase da anomia, precisa sempre alternar três possibilidades invariavelmente presentes, ainda que não simultâneas: o exemplo, a coação e a cooperação.
Para Antunes (2001), “a relação de cooperação”, como o nome indica, é uma relação na qual os dois pólos – adulto e criança – interpõem formas de pensar, critérios e verdades. É vista de uma maneira literal, como uma relação sem reciprocidade, mas nem por isso pode estar ausente de uma educação moral. As leis, normas religiosas e valores sociais nos chegam através de princípios de coação, sem que entretanto estes possam ser execradas”.
Quanto à relação de coação, Celso Antunes acredita que cabe aos pais e à escola estabelecer regras e fazer com que as mesmas sejam cumpridas, embora não necessite de um exercício autoritário na cobrança de seu cumprimento. E ainda que o “não” necessite ser dito, mas há abismos profundos separando o “não” porque não de um “não” acompanhado de uma opção. Use o “sim” sempre que possível e o “não” apenas em circunstâncias imprescindíveis.
Quanto às relações de cooperação, Celso Antunes acredita que ao lado dessas relações educativas através do exemplo e de inevitáveis coações, é sempre necessário estar presente as relações de cooperação que, como descrevia Piaget, são simétricas, portanto surgidas pela reciprocidade entre educadores e educandos, pois exige que as crianças se descentrem de seus egoísmos para compreender um ponto de vista alheio e fazê-lo comum.
Antunes (2001, p. 26) propõe que os pais escolham uma escola que saiba proporcionar a relação de cooperação. A reciprocidade não surge porque as crianças simplesmente estão juntas, mas porque junto a elas estão educadores que orientam, norteiam, mostram e estimulam essa coordenação entre o ponto de vista próprio e o ponto de vista do outro. Não se chega à máxima “não faça a outros o que a ti não desejas”, senão pela aprendizagem prática do mesmo.
Afirma que uma boa educação moral não convive com estereótipo, abomina abrir exceções que não possam ser plenamente justificadas, assimiladas e compreendidas, e que é essencial que a criança aprenda a não generalizar julgamentos e procedimentos. Outra importante tarefa da educação moral ligada às relações de cooperação é a escola fazer-se desejada pela criança. Sabendo seduzi-la por sua alegria, animá-la por sua espontaneidade, encantá-la por abrigar pessoas felizes em acolhê-las.
Uma ferramenta também imprescindível é fazer com que a criança descubra que pode aprender a organizar o seu tempo e, dessa maneira, ter oportunidade para tudo fazer sem sobrecarga. Além de a escola adequar-se ao nível de compreensão, é importante que discutam em um círculo de debates “estudos de casos”, envolvendo virtudes e valores. Histórias contadas, vídeos assistidos, transposição de cenas reais são importantes meios para se abrir discussões e permitir espontânea troca de pontos de vista diferentes.
É importante elogiar atitudes de solidariedade e empatia, ajudar a construção de auto-estima, observar com lente de aumento seus acertos e acentuar a percepção de sua individualidade. Como crê Celso (2001, p. 28).
“A alfabetização moral nessa fase, em síntese, não precisa estar institucionalizada no “engessamento” de aulas definidas e marcadas para esse fim, mas necessita-se insinuar em todas as oportunidades, estruturar-se em todos os instantes”.
Acredita-se que a educação moral, nesta fase, não precisa ser realizada em aulas prontas e disciplinadoras, mas este aprendizado deve se fazer em todos os momentos da vida do educando, seja no ambiente escolar ou no familiar, através de discussões sobre o assunto e pelo exemplo.
6.3 Autonomia
Esta é a terceira e última etapa do desenvolvimento moral, quando o (a) pré-adolescente já estaria pronto para aceitar que toda moral é, realmente, um sistema de regras e sua essência deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras.
A palavra adolescência vem do latim, e significa processo de crescimento. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente considera-se adolescente aquela pessoa entre doze e dezoito anos de idade. Porém, devido às questões socioculturais atuais os limites se ampliaram e podemos dizer que o período é compreendido entre doze e vinte anos, podendo no caso dos rapazes chegarem aos vinte e cinco anos (KNOBEL, 1992, p. 84).
Quanto ao pensamento, segundo Piaget, por volta de onze a doze anos efetua-se transformação fundamental no pensamento da criança, que marca o término das operações construídas durante a segunda infância, é a passagem do pensamento concreto para o “formal”, ou, como se diz em termo bárbaro, “hipotético-dedutivo”.
O pensamento formal é, portanto, “hipotético-dedutivo”, isto é, capaz de deduzir as conclusões de puras hipóteses e não somente através de uma observação real, o pensamento formal torna-se possível, isto é, as operações lógicas começam a ser transpostas do plano de manipulação concreta para as idéias.
Assim, servindo para mediar a relação dos seres humanos, entre si e a natureza, aqueles elegem valores para construir o seu pensamento. Já que este é constituído ou mediado pelo conhecimento, e o mesmo será acessado pelo que a cultura dispuser ou eleger como referência para uma determinada sociedade.
O adolescente é quem mais sofre com a falta de uma cultura do conhecimento na formação de valores, pois nesta fase de postura eminentemente interdisciplinar, onde ele faz a negação, o confronto, a complementaridade e o enriquecimento de valores, é impossibilitado de estabelecer por si próprio uma hierarquia de valores, compondo o problema fundamental. Falta-lhe referência. Os jovens de hoje comportam-se de uma maneira entre um misto de alienação e indiferença ao sistema.
No adolescente, a educação tem como ponto estratégico a revisão de valores justamente por se tratar de um momento de superação, de conflito, de busca, “metamorfose”. Surge um novo corpo, uma nova cabeça, uma nova emoção, a busca do “eu” no outro, surge o contraponto da lógica estabelecida, surge a esperança.
Quanto à vida afetiva do adolescente, afirma-se através da dupla conquista da personalidade e de sua inserção na sociedade adulta. Mas, o que vem a ser a personalidade e por que sua elaboração final se processa apenas na adolescência?
A personalidade começa resultar da submissão, ou melhor, da auto-submissão do “eu” a uma disciplina qualquer. A personalidade implica cooperação; a autonomia da pessoa opõe-se ao mesmo tempo à anomia, ou ausência de regras e à heteronomia, ou submissão às regras impostas do exterior. Neste sentido, a pessoa é solidária com as relações sociais que mantém ou produz.
A personalidade começa a ser estruturada por volta do fim da infância (8 a 12 anos) com a organização autônoma das regras, dos valores e a afirmação da vontade, com a regularização e hierarquização moral das tendências.
O adolescente, graças à sua personalidade em formação, coloca-se em igualdade com os mais velhos, mas sentindo-se outro, diferentes deles, pela vida nova que o agita. E, então, quer ultrapassá-los e espantá-los, transformando o mundo. É este o motivo pelo qual os sistemas ou planos de vida dos adolescentes são, ao mesmo tempo, cheios de sentimentos generosos, de projetos altruístas ou de fervor místico e de inquietante megalomania e egocentrismo consciente.
Quanto à vida social do adolescente, pode-se encontrar como nos outros campos uma fase inicial de interiorização (chamada negativa) e uma fase positiva. Durante a primeira fase, o adolescente aparece, muitas vezes, completamente anti-social. Além disso, a sociabilidade do adolescente se afirma muitas vezes desde o início, com o contato dos jovens entre si. A sociedade dos adolescentes é de discussão: a dois, ou em pequenos cenáculos, o mundo é reconstruído em comum, sobretudo através de discursos sem fim, que constatam o mundo real.
A existência de normas é especialmente importante para o adolescente, porque lhe dão segurança e permitem-lhe confiar que não será rejeitado pelo resto do grupo. A norma está relacionada com os valores ou com o que o grupo considera digno de ser tomado em consideração (estilo de se pentear, de se vestir, de falar, o tipo de música preferida, as inclinações, etc.). Portanto, o grupo de coetâneos é fundamental para a construção da identidade do adolescente como pessoa.
A verdadeira adaptação à sociedade vai-se fazer automaticamente, quando o adolescente, de reformador transformar-se em realizador. E a afetividade liberta-se pouco a pouco do “eu” para se submeter, graças à reciprocidade e à coordenação dos valores, as leis da cooperação, e torna-se autônomo, segundo Piaget (2001, p.31).
[…] o sujeito autônomo não é alguém reprimido pelas imposições sociais, mas uma pessoa livre, pois livremente convencido de que o respeito mútuo é bom e é legítimo. Essa liberdade, assim, estrutura a razão e a afetividade incorpora espontaneamente esses limites.
Os adolescentes vêem na família o ponto de referência, principalmente para a consolidação de valores afetivos e morais, ao mesmo tempo em que, reconhecem a necessidade da escola enquanto instituição educativa, porém muito mais informativa que formativa.
Sabe-se que para construir para si próprio uma escala de valores, o jovem precisa do referencial do mundo adulto, como o contraponto necessário no processo de superação que ele vai viver em direção à sua autonomia moral.
Segundo Arruda (2001) os valores são num primeiro momento herdados pela sociedade vigente. E, durante o processo de desenvolvimento da moralidade, o sujeito vive diferentes estágios onde valores são construídos. Na adolescência, depois de ter vivido o estágio de anomia, e faz o confronto de seus próprios valores com os valores do mundo adulto para alcançar sua autonomia – estágio em que os valores já foram refletidos e estão interiorizados, têm significado real para o sujeito e fazem parte de sua consciência moral. Neste momento o jovem faz um vínculo com a realidade e com o contexto social, contexto esse que é representado pelo sistema que por sua vez é corporificado por sujeitos e valores.
Desta forma, deve-se indagar como a escola pode restabelecer uma escala de valores que sirva de referencial para o jovem?
Os valores assinalados devem estar presentes na ação de cada educador, e não no discurso. Deve ser visto não como uma disciplina, mas como uma tarefa de aprendizagem, uma vivência.
Antes de tudo, os adultos devem entender que, nessa fase, a palavra principal não é formação, e sim transformação. Os jovens colocam os valores em dúvida e querem testá-los, o que é fundamental para seu amadurecimento, ao mesmo tempo, faz com que a família perca importância, enquanto cresce a influência do grupo de convívio, e que entre os valores principais da juventude estão a imitação (dos amigos), a cumplicidade (com os amigos) e a transgressão (de limites). E desta forma, vem a dúvida; quem vai estabelecer as regras? A resposta é: o adulto que estiver educando. Na escola, o professor. Em casa, os pais. Pais e professores devem estar atentos quando cobram disciplina, pois devem ser exemplos, isto é, agirem da mesma forma que falam.
Mais que a escola, o papel dos pais na educação é de maior relevância. Os laços afetivos entre pais e filhos são os mais fortes. Por isso os filhos acabam assumindo os valores da família – mas também podem assumir valores opostos para recusá-las.
Entretanto, o papel da escola não se compara ao da família, e esta deve colocar os jovens em escolas compatíveis com os seus valores. Pois, educar requer diálogo, e este deve ter conceitos compartilhados.
Sempre se discute o que se deve e o que não se deve fazer. Quando se fala de virtude, fala-se sobre o que é desejável, e as regras ganham sentido. Partindo dessa idéia chave, ao contrário do que muitos adultos pensam, jovens gostam, sim, de falar sobre valores, e o caminho é não fugir do tema. Do que estamos falando quando cobramos determinados comportamentos? A resposta não está lá fora, está dentro de cada um. E fazer inter-relação, entre o que é interno e externo é justamente o papel da educação.
7 PROPOSTA METODOLÓGICA PARA SOLIDIFICAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE VALORES ÉTICOS E MORAIS
O desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, a dimensão planetária dos fenômenos econômicos e culturais, a reestruturação produtiva, a metamorfose do mercado de trabalho, os desafios propostos ao pensamento positivista, a perda de aderência de valores éticos, morais e de tipos de relações antes estruturados são agora, claros indicadores de uma sociedade modificada.
Diante desses fatos é de suma importância que se repense numa nova perspectiva de se resgatar valores que não são mais utilizados ou aplicados no dia-a-dia, principalmente na formação do indivíduo como cidadão, portanto responsável pelo seu próprio desenvolvimento e produção de conhecimento. Eis algumas sugestões que servirão de base para a implementação desses valores na escola e na sociedade:
– A escola deve ser um lugar onde cada aluno encontre a possibilidade de se instrumentalizar para realização dos seus projetos; por isso a qualidade do ensino é condição necessária à formação moral de seus alunos. Se ela não promover um ensino de boa qualidade, a escola condenará seus alunos a sérias dificuldades futuras na vida e, decorrentemente, a que vejam seus projetos de vida frustrados;
– Ao lado do trabalho de ensino, o convívio dentro da escola deve ser organizado de maneira que os conceitos de justiça, respeito e solidariedade sejam vivificados e compreendidos pelos alunos como aliados à perspectivas de uma “vida boa”. Dessa forma, não somente os alunos perceberão que esses valores e as regras decorrentes são coerentes com seus projetos de felicidade como serão integrados às suas personalidades: se respeitarão pelo fato de respeitá-los;
– A escola deve ser um lugar onde os valores morais são pensados, refletidos, e não meramente impostos ou frutos do hábito;
– Cabe a escola e família conscientizar o educando a compreender o conceito de justiça, baseado na equidade, a fim de sensibilizar o mesmo da necessidade de se construir uma sociedade justa e mais humana. Adotando por exemplo, atitude de respeito pelas as diferenças entre as pessoas. Respeito esse, necessário para o convívio numa sociedade democrática e pluralista;
– Valorizar e empregar o diálogo como forma de esclarecer conflitos e tomar decisões coletivas, assumindo posições segundo seu próprio juízo de valor, considerando diferentes pontos de vistas e aspectos de cada situação;
– Construir uma imagem positiva de si, o respeito próprio traduzido pela confiança em sua capacidade de escolher e realizar seu próprio projeto de vida e pela legitimação das normas morais que garantam a todos, essa realização.
Assim, se quisermos educar para a autonomia (a adoção consciente e consentida de valores) não é possível obtê-lo por coação; ou seja, se quisermos formar alunos como pessoas capazes de refletir sobre os valores existentes, capazes de fazer opções por valores que tornem a vida social mais justa e feliz para a maioria das pessoas, capazes de serem críticos em relação aos contra-valores, então é preciso que a escola crie situações em que essas escolhas, reflexões e críticas sejam solicitadas e possíveis de serem realizadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do pressuposto que a finalização desse trabalho não é de todo pretensão da busca da verdade, visto que a realidade, a subjetividade e a ciência é hoje em dia, é uma constante a considerar. Por isto, essa análise é uma perspectiva a ser sempre redimensionada em seu tempo histórico e social.
Privilegiou-se neste estudo as questões que nos causam inquietações sobre a formação de valores: a presença destes valores no convívio da criança, suas causas e conseqüências, tanto no convívio social, quanto ao indivíduo como pessoa.
Entre os indivíduos / alunos que estão na escola, onde sistematicamente ocorre a educação, procurou-se detectar em cada fase do desenvolvimento da criança, os seus valores e caminhos para que estes valores sejam articulados na promoção do seu próprio desenvolvimento, no ambiente escolar, assim como propor uma reflexão nos adultos que têm contato com esta criança que vêm para o convívio social (escolar) com valores advindos do ambiente familiar.
Descobriu-se que esses valores sofrem mutações ao mesmo tempo em que influencia a sociedade, onde temos uma educação que tem por finalidade a formação do aluno, em termos e instrução, de atitudes e de cidadania. A educação deve ter um compromisso maior na formação do indivíduo, tornando importante perceber, identificar e estabelecer ações e estratégias para consolidar esta formação no momento atual.
Precisa-se não só conhecer os atores do processo educacional, mas perceber e refletir sobre os seus conhecimentos e sentimentos como forma de lhes oferecer melhores condições para seu desenvolvimento e exercício efetivo de cidadania.
Assim a comunidade escolar tem que estar disponível para um novo tipo de trabalho, portanto, há que se ter uma ruptura no “modelo tradicional” e uma busca de um modelo pedagógico transformador que vise a formação do aluno “por inteiro”, isto é, instrução e vivência de atitudes e valores.
Entretanto, o papel de um profissional da educação terá a responsabilidade ser de articulador e mediador, no engajamento e discussão das propostas apresentadas, levando ao aluno a possibilidade de vivenciar os seus valores de forma ampla, dinâmica e objetiva.
De uma forma geral, busca-se uma escola que a partir de reflexões filosóficas possibilite criar um ambiente de cultura, onde os alunos pensem e atuem em prol da humanidade.
É oportuno dizer que não se pode esperar que a aprendizagem de valores se dê meramente pela transmissão de conceitos que podem ser significativos entre as diversas culturas existentes, mas sim, na possibilidade de reflexão crítica das inúmeras situações cotidianas que se apresentem, possibilitando escolhas, sem, no entanto, perder de vista a adoção de valores universalmente desejáveis.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Celso, 1937 – A alfabetização moral em sala de aula e em casa, do nascimento aos doze anos – Petrópolis, RJ: Vozes,2001
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Autor: André Lima Mourão
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