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Atualizado em 21/04/2012

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FACES DAS DESIGUALDADES ENTRE OS SERES HUMANOS

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Resumo:

 O presente trabalho apresenta breves considerações sobre as diversas faces das desigualdades entre os seres humanos. Para as concepções clássicas, as desigualdades sociais estão relacionadas, sobretudo, à distribuição irregular da renda e dos bens materiais. Em contrapartida, de acordo com as concepções contemporâneas, os estudos sobre as desigualdades devem ir além da distribuição de bens materiais e do fator renda. Dessa forma, as desigualdades também devem ser associadas a fatores extra-econômicos e às oportunidades de vida.

Considerações Iniciais

Compreender as causas das desigualdades entre os seres humanos é um dos principais desafios dos cientistas sociais.

Na Grécia Antiga, berço do pensamento ocidental, acreditava-se que as desigualdades entre os homens eram inatas. Desse modo, certos indivíduos eram naturalmente propensos a serem escravos, outros a serem senhores, alguns adaptados a trabalhos manuais e outros exclusivamente às atividades intelectuais.

Há […] por obra da natureza e para a conservação das espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque aquele que possui inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e poder de chefe; o que nada mais possui além da força física para executar, deve, forçosamente, obedecer e servir […] Os bárbaros a mulher e o escravo se confundem na mesma classe. Isso acontece pelo fato de não lhes ter dado a natureza o instinto do mando […] (ARISTÓTELES, p. 14).

Evidentemente, essa concepção equivocada não é mais admitida. Sabemos que as desigualdades não são naturais, mas socialmente construídas ao longo de um processo histórico marcado pelas diferenciações entre os seres humanos.

Para a concepção clássica, representada principalmente pelos pensamentos de Karl Marx e Max Weber, as desigualdades sociais estão relacionadas, essencialmente, à distribuição irregular da renda e dos bens materiais.

Em contrapartida, para alguns intelectuais contemporâneos, os estudos sobre as desigualdades devem ir além da distribuição de bens materiais e do fator renda. Para estes autores, as desigualdades também devem ser associadas a fatores extra-econômicos (raça, gênero, nacionalidade) e às oportunidades de vida.

Concepção Clássica

Um dos primeiros pensadores modernos a tratar exaustivamente o tema das desigualdades sociais foi Jean-Jaques Rousseau.

Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade. Uma, que chamo de natural ou física, por que é estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma. A outra, que pode ser chamada de desigualdade moral ou política porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns em prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros ou mesmo fazer-se obedecer por eles (ROUSSEAU, p. 27).

Sendo assim, segundo Rousseau, o chamado mundo civilizado, através dos séculos, fomentou profundas diferenças entre os homens, sendo que as desigualdades sociais surgem com o aparecimento da propriedade privada.

O primeiro homem que cercou um pedaço de terra, que veio com a ideia de dizer “isto é meu” e encontrou gente simples o bastante para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.  Quantos crimes, guerras e assassinatos derivam desse ato! De quanta miséria e horror a raça humana poderia ter sido poupada se alguém simplesmente tivesse arrancado as estacas, enchido os buracos e gritado para seus companheiros: “Não dêem ouvidos a este impostor. Estarão perdidos se esquecerem que os frutos da terra pertencem a todos, e que a terra, ela mesma, não pertence a ninguém” (ROUSSEAU, p. 14).

Para a Marx, as desigualdades sociais podem ser compreendidas através da irregular distribuição dos meios de produção.

Segundo o pensamento marxiano a história se desenvolve de forma linear, em diferentes etapas, movidas, sobretudo, pelas contradições originadas da organização do sistema de produção (luta de classes). “Em um caráter amplo, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser considerados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade”. (MARX, 1977, p. 23).

Na sociedade capitalista existem duas classes sociais básicas: de um lado a , detentora dos meios de produção; e de outro lado o proletariado, que possui somente a sua força de trabalho[1]. “[…] Opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros […]” (MARX, 2000, p. 45).

Sendo assim, a classe operária, explorada pelos patrões, deve se organizar e promover a revolução socialista, transformando os meios de produção em propriedades coletivas[2].

Portanto, para o pensamento marxiano, o fim das desigualdades sociais passa, inexoravelmente, pela destruição do modo de produção capitalista, culminando com o advento do comunismo. “Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classes, surge uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos” (IDEM, p. 67).

Max Weber percebe as diferenciações entre os indivíduos a partir das variáveis propriedade, poder e prestígio. Assim, as diferenças de propriedade criam as classes; as diferenças de poder criam os partidos políticos; e as diferenças de prestígio criam os agrupamentos de status ouestratos.

Concepção Contemporânea

Por outro lado, autores contemporâneos, apesar de não negarem as interpretações clássicas sobre as desigualdades, procuram incluir fatores imateriais e extra-econômicos nas análises sobre as distinções sociais.

Para Amartya Sen, as análises sobre as desigualdades devem se deslocar dos espaços de renda para o espaço de funcionamentos.   De acordo com o economista indiano, funcionamentos são os desejos e aspirações que um indivíduo consegue realizar vivendo de uma determinada maneira. Assim, mais importante do que a questão monetária, é focalizar como determinado rendimento pode se transformar em realizações e melhorar a autoestima individual.

Jessé Souza, sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, salienta que os estudos sobre as classes sociais precisam superar as abordagens tradicionais.  Rejeita assim, tanto o liberalismo economicista, que vincula classe ao rendimento monetário; quanto o pensamento marxista clássico, que associa classe à posição de um indivíduo em relação ao modo de produção vigente.

Aspectos econômicos e ocupacionais são condições necessárias, porém não suficientes, para definir uma classe.

Classes sociais não são determinadas pela renda, nem pelo simples lugar na produção, mas sim por uma visão de mundo “prática” que se mostra em todos os comportamentos e atitudes. […] O economicismo liberal, assim como o marxismo tradicional, percebe a realidade das classes sociais apenas “economicamente” (SOUZA, 2010, pp. 22, 45).

 Desse modo, essas interpretações não levam em conta “[…] o mais importante, que é a transferência de valores imateriais na reprodução das classes sociais e de seus privilégios no tempo” (IDEM, p. 23).

Considerações Finais  

Entretanto, é controverso menosprezar a importância do fator renda para se aferir as desigualdades sociais. Basta levarmos em conta que, em uma sociedade capitalista como a nossa, onde praticamente todas as relações sociais são regidas pela lógica mercantil, um rendimento monetário básico é condição sine qua non para que um indivíduo possa viver com o mínimo de dignidade e suprir suas necessidades vitais.

Contudo, ao focalizar somente a variável renda para se analisar as desigualdades, cometemos o equívoco de apresentar uma visão incompleta e simplista sobre o tema.

As verdadeiras faces das desigualdades não se manifestam apenas no aspecto econômico. Estão presentes nos antagonismos raciais, sexuais, nacionais comportamentais, etc.                                                                                                                                                    É importante salientar que nos Estados Unidos, por exemplo, para se medir o status de um indivíduo, a cor da pele, em várias ocasiões, é mais importante do que a conta bancária.   Já em países extremamente religiosos, notadamente nas sociedades muçulmanas, as mulheres, mesmo possuindo uma condição financeira favorável, são menos valorizadas socialmente do que os homens pobres.

Em suma, as causas das desigualdades sociais são extremamente complexas, não podem ser atribuídas a um único fator.

Contudo, as desigualdades, ao serem historicamente construídas, também podem ser historicamente minimizadas.

 Desse modo, mais importante do que entender as origens das desigualdades entre os seres humanos, é propor formas pragmáticas de extirpá-las[3].

 E esta tarefa não está a cargo apenas dos intelectuais. Consiste, talvez, no maior desafio para a nossa sociedade neste início de século.


NOTAS

[1] “O operário moderno, […] ao invés de se elevar com o progresso da indústria, desde cada vez mais, caindo inclusive abaixo das condições de existência de sua própria classe” (MARX, 2000, p. 56).

[2] “[…] A burguesia não forjou apenas as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens que empunharão essas armas – os operários modernos, os proletários” (MARX, 2000, p. 51).

[3] Lembrando as palavras de Marx, mais importante do que interpretar o mundo, é ter o atrevimento de transformá-lo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Nestor Silveira Chaves.  São Paulo: Escala, sd.

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução de Pietro Nassetti. 2.ed. São Paulo: Martin Claret, 2000.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens.  São Paulo: Escala, sd.

SEN, Amartya. Desigualdade Reexaminada. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

SOUZA, Jesse. (Org.) Os Batalhadores Brasileiros – Nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: UFMG, 2010.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

Autor:Francisco Fernandes Ladeira

Especialista em: Brasil, Estado e Sociedade pela UFJ

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