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Atualizado em 04/08/2023

ALFABETIZAÇÃO: ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR

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ALFABETIZAÇÃO: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR


À minha esposa Beatriz que, com seu amor e carinho moldou meu caráter e minha filosofia de vida.

Aos meus filhos Luiz Enir e Clara Carolina – para sempre, minha melhor história.
“Eu defino o bom leitor mais por sua produção escrita que pela leitura. Ele usa a escrita não para se distrair, mas sim para se defrontar com as dificuldades e superá-las. O bom leitor lê por necessidade.” (Foucambert, 1993)

Alfabetização: Abordagem Interdisciplinar

 

INTRODUÇÃO

A primeira idéia a respeito da alfabetização é que deve se levar em conta o método utilizado e maturidade da criança. É possível alfabetizar com sucesso considerando-se somente esses dois aspectos?

Diante de vários estudos realizados, podemos considerar também o terceiro elemento que é a natureza do objeto de conhecimento que envolve esta aprendizagem: o conhecimento cognitivo, a “leitura do mundo” da criança. Ela escreve como acredita dentro de um conjunto de palavras e assim nos oferece material importante para ser interpretado e analisado.

A criança escreve “como se” soubesse escrever. Ela pode conhecer o nome e seu som, sem conhecer o sistema de escrita. Ler e escrever são atividades de processamento de informação; falar e compreender a fala são características biológicas da espécie humana e são adquiridas na infância por mera exposição à linguagem oral; ler e escrever pode adquirir-se em qualquer idade e requer instrução. Portanto, alfabetizar requer também o ensinamento, a orientação clara, pois alguns tipos de patologia impedem a aquisição normal da linguagem oral, mas os problemas enfrentados pelo governo são relativos à falta ou insuficiência de aprendizagem escrita.

Não se aprende a ler e a escrever como se aprende a falar e compreender a fala. A escrita é uma representação da linguagem, no entanto, ela não representa todos os aspectos da linguagem.

Alfabetizar é desenvolver no alfabetizando a capacidade de extrair a pronúncia e o sentido de uma palavra a partir de sinais gráficos (a capacidade de ler) e decodificar graficamente os sons correspondentes a uma palavra (a capacidade de escrever). A alfabetização apóia-se no conhecimento que o indivíduo já tem da linguagem oral, seja conhecimento de estruturas sintáticas, seja de vocabulário que lhe permitem compreender seu meio lingüístico.

Todas as crianças compreendem a linguagem antes de serem alfabetizadas, o que a alfabetização traz de específico não é só a compreensão da linguagem. O que ela traz de específico é a capacidade de identificar e produzir a forma gráfica das palavras. Isso explica porque devemos distinguir entre o objetivo e o processo de alfabetização. O objetivo é a compreensão e a produção de textos. Contudo, o processo de alfabetização, ao menos em sua fase inicial e crucial, é constituído pela aprendizagem das habilidades e dos mecanismos que permitem com rapidez e precisão, reconhecer as palavras escritas e produzir a sua forma gráfica.

Embora o objetivo da atividade de leitura seja a compreensão do texto, aquilo que essa atividade tem de específico relativamente à escrita do mesmo texto é o reconhecimento das palavras escritas. Lemos para compreender, mas ler não é compreender. Ler é reconhecer as palavras escritas; o processo de reconhecimento é uma condição, um passo necessário para a compreensão. É necessário os professores pesquisarem um embasamento teórico mínimo sobre a ciência da leitura que sirva para direcionar-lhes à prática. É preciso conhecer um pouco mais sobre o que está envolvido na apropriação do processo de ler e sobre os aspectos fundamentais do ato da leitura: lingüísticos, fisiológicos, psicológicos e sociais.

O ponto de partida das situações de ensino são as possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos, o que de fato pensam e sabem sobre a escrita; é isto que possibilita que a aprendizagem seja significativa.

O que chamamos de acesso ao mundo da escrita – num sentido amplo – é o processo de um indivíduo entrar nesse mundo, e envolve o aprendizado de uma técnica (ler e escrever envolve relacionar sons com letras, fonemas com grafemas, para codificar ou decodificar). Envolve também aprender a segurar um lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita. A porta de entrada desta técnica consiste em desenvolver as práticas de uso desta.

É necessário ter um método fundamentado numa teoria e uma teoria que produza um método. Vamos educar os outros se quisermos que eles fiquem diferentes, pois educar é um processo de transformação das pessoas. Conhecer o contexto de cada criança para compreender, respeitar seu jeito de falar, trabalhar as dificuldades de cada um.

O professor pode mediar o ensinamento, incentivar e auxiliar o aluno a aprender a aprender. Ele deve preparar-se com esforço e interesse. Só se ensina bem o que se conhece bem. Onde há boa vontade, há vários caminhos.

Este trabalho tem como objetivo argumentar em defesa de uma proposta de alfabetização a partir de textos que abordem problemas da área de Ciências Sociais e que podem tratar de História, Geografia, Antropologia, Filosofia, Ecologia, Sociologia, Política, entre outros, pois sabe-se que as práticas tradicionais de alfabetizar por meio de cartilhas silábicas e atividades semelhantes precisam ser superadas, com urgência, pois contribuem em larga escala para a lentidão na aprendizagem da leitura e escrita, atrasando o processo de desenvolvimento dos alunos, indo de encontro à formação do leitor crítico.

Para o desenvolvimento deste estudo, optamos pela pesquisa bibliográfica, pois esta procura explicar o fato a partir de referências teóricas publicadas, buscando conhecer e analisar o conteúdo e as contribuições culturais.


1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem ou como código de transcrição gráfica das unidades sonoras; é um processo histórico de construção de um sistema de representação. Porém, a criança enfrenta dificuldades quanto à construção do sistema e ela reinventa esses sistemas.

Deve-se respeitar a criança, reconhecer que ela não pede permissão para aprender. O “saber” da criança significa que ela já construiu algum conceito a respeito das letras.

Ela pode conhecer o nome e seu som, sem conhecer o sistema de escrita e começa a desenhar, a traçar os nomes de acordo com o que entendem por si mesmas.

Com a interferência do professor elas recebem a forma das letras da sociedade e as adotam tal e qual. Começam aí os conflitos particulares: ela descobre que não basta uma letra ou sinal ou traço para representar uma sílaba, a quantidade de sons não corresponde à quantidade de letras e vice-versa.

Devemos compreender então, que a criança não é algo onde inscrevemos letras, palavras segundo determinado método, mas devemos aceitar que toda informação assimilada por ela deve ser trabalhada.

Se não for assim, a criança chega à convicção que o conhecimento não é algo participativo, mas já estabelecido, imutável. Ela chega letrada à escola, envolvida com a escrita, conhece logotipos, sinais do ambiente onde está inserida.

Na escola, este conhecimento vai ser formalizado, a criança vai ser alfabetizada. Cabe ao professor interferir, mediar estas informações que a criança traz dentro de sua realidade, respeitando principalmente seus limites.

Letramento é uma palavra e conceito recentes, seu surgimento é uma necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área de leitura e da escrita que ultrapassam o domínio do sistema alfabético e ortográfico.

A insuficiência de apenas alfabetizar – no sentido tradicional – a criança ou o adulto, tornaram visíveis e importantes os comportamentos e práticas sociais de leitura e escrita. As atividades profissionais tornaram-se cada vez mais centradas na escrita e dependentes da escrita.

O conceito letramento tem sua origem em uma ampliação do conceito de alfabetização e esses dois processos têm sido confundidos e fundidos.

É necessário reconhecer que alfabetização – entendida como a aquisição do sistema convencional de escrita – distingue-se de letramento – entendido como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais. Entretanto, é necessário reconhecer que, embora extintos, alfabetização e letramento são interdependentes e indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento, só pode desenvolver-se na dependência da aprendizagem e por meio da aprendizagem do sistema de escrita.

Os métodos de alfabetização alternam-se em um movimento pendular: a opção pelo princípio da síntese

– a alfabetização a partir das unidades menores da língua

– os fonemas, as sílabas em direção às unidades maiores

– a palavra, a frase, o texto (método fônico, método silábico) ou a opção pelo princípio da análise, a alfabetização parte das unidades maiores e portadoras de sentido

– a palavra, a frase, o texto

– em direção às unidades menores (método da palavração, método da sentenciação, método global).

No entanto, os estudos que esclarecem tanto os processos de aprendizagem quanto os objetos da aprendizagem da língua escrita, e as relações entre aqueles e estes, evidenciam que privilegiar uma ou outra faceta, subestimando ou ignorando outras, é um equívoco, um descaminho no ensino e na aprendizagem da língua escrita, mesmo em sua etapa inicial. A prática docente deve integrar as várias facetas. Integrar e articular os dois processos, pois eles são indissociáveis, simultâneos e interdependentes.

A criança alfabetiza-se (toma conhecimento do sistema alfabético e ortográfico) em situações de letramento – no contexto de e por meio de interação, de sua participação em práticas sociais de leitura e escrita.

O alfabetizar letrando ou letrar alfabetizando, integrando e articulando as várias facetas do processo de aprendizagem é o caminho para a superação dos problemas que vimos enfrentando na escolarização.

Com base na teoria de Piaget, o processo pelo qual a criança aprende a ler e escrever e mostra que, para a língua escrita, a criança precisa construir resposta para duas questões: o que a escrita representa e como ela representa. A criança procura compreender a natureza da linguagem que se fala à sua volta. Interagindo com a escrita, busca regularidade, constrói sistemas de interpretação, pensa, raciocina, inventa, coloca à prova suas antecipações; reinventa o idioma escrito, esse objeto social particularmente complexo.

Ela deve compreender seu processo de construção e regras de produção. Isso é fácil dizer, mas difícil de aplicar de forma coerente e sistemática na prática. A criança chega à escola com notável conhecimento da língua materna, um saber lingüístico que utiliza inconscientemente, nos atos diários de comunicação.

Ela está exposta à influência de uma série de ações que envolvem a escrita. Algumas crianças chegam à escola sabendo mais do que outras e é necessário que o educador saiba perceber os fatos. Deve identificar o nível de apropriação lingüística de cada uma e promover atividades ricas, prazerosas e desafiadoras que lhe dêem oportunidades para interagir com a linguagem escrita e construir conhecimentos.

Um aluno intelectualmente ativo não é o que faz muitas coisas ou tem uma atividade observável. É aquele que compara, exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses, reorganiza. É o sujeito que, segundo Piaget, procura ativamente compreender o mundo que o cerca, buscando as interrogações que este mundo lhe propõe.

Por muitos anos se acreditou que o fundamental para alfabetizar os alunos era o treino da memória, da coordenação motora, da discriminação visual e auditiva e da noção de lateralidade. A partir das pesquisas científicas sobre como se aprende a ler e escrever, é que a alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre o funcionamento e as regras do sistema alfabético e que é extremamente complexo, que demanda procedimentos de análise também complexos por parte de quem aprende; e podemos constatar que, por trás da mão que escreve e do olho que vê, existe um ser humano que pensa e, por isso, alfabetiza-se.

1.1 O papel da família no processo de letramento

A influência da família no desenvolvimento humano é inquestionável, mas como ela poderia influenciar a formação de indivíduos letrados e, conseqüentemente de cidadãos críticos?

O processo de aquisição da linguagem que é um princípio básico para o letramento, é fruto do convívio familiar, pois é nesse ambiente que o indivíduo aprende a se comunicar. Embora outros grupos de convívio social auxiliem esse processo, é no ambiente familiar que se dão os primeiros passos.

A linguagem é um recurso essencial para o desenvolvimento da comunicação do indivíduo com o mundo e consigo mesmo. Para intervir no processo de socialização das crianças, a família utiliza técnicas acompanhadas por instruções orais. A forma com que cada família lança mão dessas instruções torna-se uma das responsáveis pelo desenvolvimento da linguagem da criança.

Nos anos iniciais de sua vida a criança tende a observar e reproduzir comportamentos adotados por outras pessoas, em especial pelos pais, vistos pelos filhos como modelos. Desse modo, com ou sem intenção, os pais agem diretamente na formação de seus filhos.

Ao conviver e se relacionar com adultos – modelos que interpretam e constantemente produzem escrita, a criança, desde muito cedo, age e lida com naturalidade com o contexto de leitura e escrita. Portanto, a partir do momento que identifica e reconhece a importância da leitura e da escrita para sua prática social, a criança inicia precocemente seu processo de letramento. Este processo depende de como a criança vai ser introduzida no mundo da escrita e como vai conviver com essa escrita.

O constante uso de recursos de leitura e de escrita em família contribui para a formação de bons leitores, o ambiente influencia a aquisição de hábitos de leitura. Os estímulos dos pais ajudam a desenvolver os interesses.

Vivendo em ambiente de letramento onde conviva com livros, ouça histórias, veja adultos lendo e escrevendo, ou seja, em ambiente em que as práticas de leitura e escrita sejam cultivadas, a criança apropria-se dessas práticas com naturalidade: pega livros e finge estar lendo, utiliza lápis e papel para produzir cartinhas ou historinhas. Essas atitudes evidenciam que a criança reconhece a função social da escrita. E mesmo sem ser alfabetizada pode ser considerada letrada.

Não é raro encontrar pessoas que façam relatos das dificuldades que encontraram para reter assuntos que foram estudados e abordados na escola. Esse enriquecimento se deve, em parte, pela ausência de significância de tais assuntos para si. Sem significado não há registro.

Com freqüência, encontram-se relatos de pessoas sobre si mesmas ou de outras pessoas com referências às suas experiências familiares, constando declarações do que aprenderam com suas famílias. Esses relatos geralmente são marcados com frases do tipo:meu pai sempre dizia…

Frases como essa mostram que mesmo que neguem, os filhos estão sempre ouvindo e assimilando o que é ensinado pelos pais. Na maioria das vezes suas atitudes são reflexo daquilo que vivenciaram dentro da família. Não é possível educar pela ética, enquanto a idéia central for a de que para vencer na vida é preciso ter esperteza e malandragem. A família precisa se preocupar em transmitir valores que favoreçam a convivência social dos filhos.

Conviver com pais que não se interessam por práticas de leitura e escrita, não dêem valor a elas e não estimulem seu uso em casa, não será fator de referência para o processo de letramento de determinada criança. Muitos pais precisam adentrar no processo de letramento para que se reconheçam a importância da língua escrita para a vida social.

A falta de reconhecimento da função da língua escrita fica evidenciada pela atitude de muitos pais que, inúmeras vezes optam por dar aos filhos presentes como videogames, e nunca, oferecem-lhes livros como presente. Alegam questões referentes a preços altos dos livros, porém, não hesitam em abrir crediários para adquirir os bens advindos da tecnologia.

Com essas atitudes os pais transferem para a escola toda a responsabilidade de formação e alfabetização de seus filhos. Além da instrução deixam a cargo dela o dever de toda a educação. Com isso, os pais abdicam de seu papel de orientadores e educadores dos filhos, como se a escola fosse capaz de suprir a ausência de estímulos oriundos do ambiente familiar.

Essa visão que os pais fazem da escola como a detentora da obrigação de educar as crianças no sentido mais amplo de educação, gera um interminável jogo de empurra e de queixas entre família e escola. Por essa razão surge a necessidade de uma verdadeira parceria entre ambas.

O processo de letramento, na ausência de uma família que o estimule não é impossível, porém, torna-se mais difícil e complicado, pois a criança não tem familiaridade com a escrita e não tem consciência de sua importância para a vivência plena na sociedade.

1.2 Alfabetização x fracasso escolar

Existe no Brasil a crença de que a alfabetização pode classificar os alunos em mais inteligentes e menos inteligentes, os que sabem ler e os que não sabem. No entanto, a alfabetização escolar é apenas uma das formas de se realizar o processo ensino-aprendizagem. Muitas vezes, dentre os alunos que não aprendem na aula estão os alunos que usam sua alfabetização na vida diária, vendendo em feiras ou calculando e repartindo lucros.

O contraste entre a alfabetização de rua e a da escola interessa aos educadores e a todos que quiserem descobrir porque algumas pessoas são capazes de resolver tão rapidamente contas de cabeça, enquanto outras ficam tentando fazer a mesma coisa no lápis e papel. Segundo Drouet (2001), “o fracasso escolar no período de alfabetização aparece como um fracasso da escola”; fracasso este localizado:

  • Na incapacidade de aferir a capacidade da criança;
  • No desconhecimento dos processos naturais que levam a criança a adquirir o conhecimento;
  • Na incapacidade de estabelecer uma ponte entre o conhecimento formal que deseja transmitir e o conhecimento prático do qual a criança, pelo menos em parte já dispõe.

Assim entendido o processo de aquisição da leitura e da escrita, a alfabetização é entendida como um caminho percorrido pela criança para decodificar e interpretar o código escrito. Para compreender este processo, é preciso analisar como ocorre a aprendizagem nos educandos e, conseqüentemente, como acontece o processo de absorção de conhecimento.

A alfabetização é foco de estudos, experiências e debates ao longo de várias décadas. A princípio, a discussão se dava estritamente no terreno do ensino, imaginava-se que o fracasso relacionava-se com métodos inadequados.

Em seguida, o debate sobre alfabetização trouxe uma discussão mais acirrada sobre o fracasso escolar. Pesquisas foram elaboradas para compreender o que havia de errado com as crianças que não aprendiam.

As estatísticas nos mostram que aproximadamente metade das crianças que entram na primeira série do ensino fundamental são reprovadas no final do ano. A crítica à alfabetização que sempre se fez e ainda se faz na maioria das escolas levanta uma pergunta: Como é que nós todos aprendemos a ler e a escrever? A questão é esse “todos”, que é apenas a metade dos alunos a quem a escola se propõe a ensinar a ler e escrever.

Concentrou-se muito esforço em compreender o que havia de errado com os alunos mais pobres e pensava-se que o que servia para ensinar as crianças de classe média e alta não servia para as crianças pobres e que os processos de aprendizagem seriam decididamente diferentes.

O que produz aparente diferença é que as crianças pobres chegam à escola em uma fase menos avançada do processo e isso costuma tornar as informações oferecidas pela escola inassimiláveis para elas.

Quando assumimos que para aprender a ler e escrever é necessário construir conceitualizações cada vez mais avançadas sobre a escrita, parece coerente que os que têm concepções mais avançadas no início da alfabetização escolar aprendam mais rápida e facilmente.

Há um consenso de que a variável determinante está relacionada às oportunidades extra-escolares de participação em atividades sociais mediadas pela escrita.

A pesquisadora Schirley Brici Heath (Ways With Words: Language, Life and Work in Community’s and Classrooms – Cambridge University Press, 1983) analisa em diferentes comunidades a relação entre as práticas sociais relacionadas á leitura e o prognóstico de sucesso escolar em cada uma delas. A autora analisa as práticas cotidianas mediadas pela escrita em cada comunidade e mostra a descontinuidade entre essas práticas e as que têm lugar na escola.

A análise mostra a enorme diferença entre a quantidade e a qualidade dos eventos de letramento dos quais as crianças participam e aponta a estrita correlação entre essa variável e o desempenho escolar médio das crianças. E a comunidade mais pobre e menos letrada (as que tinham enorme dificuldades para ir bem na escola) não era composta por um número significativo de analfabetos como costuma acontecer no Brasil (a pesquisa foi feita nos Estados Unidos).

Essa pesquisa acadêmica está publicada em livros e artigos, mas ainda não se deu conta de mudar o quadro de fracasso escolar. É necessário avançar e difundir o conhecimento didático que se produziu nos últimos anos para assegurar, cada vez mais, o direito indiscutível do aluno aprender a ler na escola.

Os números continuam escandalosos, mas parecem ter melhorado nos últimos anos. Essa melhora, no entanto, é ao mesmo tempo aparente e real. Uma experiência que foi cuidadosamente monitorada – a do ciclo básico, em São Paulo – mostrou um ganho significativo: os 50% de reprovação na 2º ano caíram para 40% ao fim dos dois anos do ciclo básico. Mas, atualmente, muitos sistemas escolares adotaram a progressão continuada mais ampla do que o ciclo de dois anos.

Fica, portanto muito difícil saber se a melhora, ainda que pouca seja resultado da progressão continuada ou não. Esta idéia vem sendo tratada como se fosse sinônimo de promoção automática. E os antigos multirrepetentes se transformaram nos alunos analfabetos que vão passando de ano sem que a escola se mostre capaz de, ao menos, ensiná-los a ler.

Quando o exame de admissão deixou de existir, bastava a aprovação ao fim da 5ª série para se ter acesso ao antigo ginásio, aí passamos a enfrentar novos índices de reprovação: a passagem da 5ª para a 6ª série. Quando se observa o fenômeno a olho nu, uma hipótese se impõe: os alunos parecem ter enorme dificuldade para continuar estudando, ao que tudo indica, porque não são leitores suficientemente competentes para aprender através da leitura.

Os conteúdos curriculares de 5ª a 8ª são dependentes da capacidade de aprender a partir de textos. Aparentemente, nem os professores de 1ª a 4ª séries tem claro que o desenvolvimento deste grau de competência leitora é algo que cabe a eles garantir, nem os professores de 5ª a 8ª séries supõem que essa seja uma tarefa sua. E os alunos que não dão conta sozinhos do problema ficam entregues a sua própria sorte.

1.3 O papel do professor alfabetizador

O professor alfabetizador poderá descobrir que o conhecimento da leitura e da escrita é acessível a muitos, mas que é preciso saber como interpretar os procedimentos da alfabetização desenvolvidos para a sala de aula.

Deve-se compreender que as atividades de interpretação e de produção de escrita começam antes da escolarização, ela se insere em um sistema de conceitos pré-elaborados.

Quando o adulto fornece informações sobre um texto, a criança processa este texto embasado em suas concepções infantis. Devemos então pensar qual o papel dos professores quanto à aprendizagem.

Cabe ao professor deixar a criança descobrir por si mesma, criar condições para esta descoberta ao invés de oferecer a chave secreta do sistema alfabético.

O conhecimento do aluno é construído por sua experiência em produzir seus textos, usando sua elaboração própria, reconstruindo com seu esforço pessoal: o professor deve ser o mediador desta construção. Às vezes, esta construção parece estranha aos olhos do professor alfabetizador, mas este deve compreender o que a criança pensou ao escrever aquela escrita.

A criança escreve do seu jeito e de forma limitada porque possui poucos conhecimentos, tem poucos recursos. O professor precisa se dispor a ajudar, deve promover a sua interação com o idioma de forma agradável e sem cobranças exageradas.

Em qualquer campo de atuação, o conhecimento profissional representa o conjunto de saberes que habilita o indivíduo para o exercício da profissão – no caso do professor é o conjunto de saberes que o habilita para o exercício do magistério, que o torna capaz de desempenhar todas as suas funções profissionais.

Este repertório de saberes permite ao professor gerir a informação disponível e adequá-lo, estrategicamente, às situações que se colocam, a cada momento, sem perder de vista os objetivos previamente definidos. Não se pode considerar conhecimento profissional um conhecimento que não favoreça o exercício autônomo e responsável das funções profissionais que, no caso do professor, são marcadas consideravelmente pelo contexto, pelo imprevisível, pelo imponderável.

O comprometimento do professor consigo mesmo deve ser total. A capacidade de realizar um bom trabalho tem de superar todas as expectativas. Deve saber gerenciar sua sala de aula com amor e dedicação, que é a chave do sucesso de todos – professor e alunos. O professor deve ter coragem de fazer diferença com iniciativa e sem desperdiçar sequer uma oportunidade de mediar, problematizando a interação da criança com a linguagem escrita. Aprender a observar, a duvidar, a interrogar-se sobre o seu trabalho.

O conhecimento se constrói num processo que exige do professor decisões que levam em conta a maneira como o aluno está pensando em cada situação, fazendo-o interatuar com o idioma escrito e intervindo de modo a maximizar a aprendizagem. É também construído pela experiência da criança em produzir, por meio de elaboração própria, de pesquisa, de reconstrução e do esforço pessoal, compartilhados com os colegas e com o professor – mediador do processo. O professor deve fazer intervenções inteligentes, evidenciando a incoerência das suas hipóteses, sem exigir que os alunos façam tudo sem cometer erros.

Não pode se intimidar pelo erro, pois ele faz parte do processo. O professor desafia o aluno, permitindo que ele escreva “do seu jeito”, em várias ocasiões e diariamente. O professor “provoca” e a resposta da criança vai se modificando a cada nível do seu desenvolvimento. As atividades devem ser curtas, adequadas à capacidade do aluno, criativas e lúdicas. Quando as construções “estranhas” do aluno assustam o professor, sua tarefa é neste momento procurar compreender como a criança pensou e dar importância às suas tentativas de escrever e produzir.

Esse conhecimento subsidia a prática docente e norteia o planejamento da ação pedagógica no decorrer de todo o processo.

O professor não deve ter medo do fracasso sabendo que cada construção toma tempo, implica um grande esforço cognitivo da criança para superar as perturbações até compreender cada questão e evoluir.

A vida nos devolve o resultado da nossa dedicação e do nosso esforço. Não é analisando seu comportamento que o muda, mas sim quebrando os padrões habituais, a rotina. O professor deve construir grande competência profissional e melhorar sua qualidade de vida e de seus alunos. É necessário posicionar-se politicamente, e conciliar a prática pedagógica com o sonho político. Segundo Freire (1997, p.21):

“…o ensino não é a alavanca para a mudança ou a transformação da sociedade, mas sei que a transformação social é feita de muitas tarefas pequenas e grandes, grandiosas e humildes! Estou incumbido de uma dessas tarefas… A questão agora é pôr minha prática ao lado de meu discurso. Isto é, como posso ser coerente em classe”.

Ao entrar para a alfabetização a criança entra num mundo novo, desconhecido, longe do que está habituada, e se vê obrigada a enquadrar-se no local. Cabe ao professor encaminhar de forma agradável e produtiva o processo de aprendizagem, sem os sofrimentos habituais. Para que este processo seja prazeroso, é preciso que o professor:

  • Ofereça o máximo de atividades que exemplificam os usos da escrita ao apresentar palavras novas, aproveite os acontecimentos que estejam mobilizando a turma, como, festas, músicas, brincadeiras e fatos que sejam, da sua própria cultura;
  • Mostre que os livros são importantes para uma boa formação;
  • Faça de sua sala de aula um ambiente propício à leitura, promovendo o dia da leitura e montando um painel com as histórias trabalhadas pelos alunos;
  • Faça com que as crianças descubram todo prazer que a escrita e a leitura possam lhe oferecer;
  • É imprescindível que cada professor esteja ciente de que cada criança tem seu ritmo próprio, cada um se encontra numa fase diferente que é individual, mostrando-se aberto a toda produção dos alunos para que sejam melhor compreendidos. Assim, o estímulo dado será bem mais apropriado, indo ao encontro das reais necessidades do grupo tornando o processo da leitura e da escrita mais agradável para o aluno e para si mesmo.

Silva (1995) afirma: “O professor, hoje, nestas terras brasileiras de tantas contradições e mentiras, tem uma responsabilidade fundamental: destruir os fetiches, depender mais de si mesmo e recuperar sua imaginação criadora”.

A postura do professor deverá ser de segurança, compreensão, equilíbrio e, acima de tudo, muito amor pelo que faz. Weizz (1999) aponta algumas competências para os professores alfabetizadores:

  • Encarar os alunos como pessoas que precisam ter sucesso em suas aprendizagens para desenvolverem-se pessoalmente, para terem uma imagem positiva de si mesmo, orientando-se por este pressuposto;
  • Desenvolver um trabalho de alfabetização adequado às necessidades de aprendizagem dos alunos, acreditando que todos são capazes de aprender;
  • Reconhecer-se como modelo de referência para o aluno: como leitor, como usuário da escrita e como parceiro durante as atividades;
  • Utilizar o conhecimento disponível sobre os processos de aprendizagem dos quais depende a alfabetização, para planejar as atividades de leitura e escrita;
  • Formar agrupamentos produtivos de alunos, considerando seu conhecimento e suas características pessoais;
  • Selecionar diferentes tipos de textos apropriados para o trabalho;
  • Responsabilizar-se pelos resultados obtidos em relação à aprendizagem dos alunos.

O desenvolvimento dessas competências profissionais é condição para que os professores alfabetizadores ensinem todos os seus alunos a ler e a escrever. No entanto, Nóvoa (1992) sinaliza que para que o professor atinja este nível de maturidade, é preciso: “práticas de formação que tomem como referência as dimensões coletivas que contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autônoma na produção de seus saberes e de seus valores”.

Agindo desta forma, o professor estará mais livre para selecionar métodos e técnicas, buscando os rumos e o ritmo que considera mais adequado, colocando sensibilidade acima de qualquer modelo preestabelecido. O pensamento nos remete a Carvalho (1994): “… é que a competência do professor, seu envolvimento com o trabalho, atitude encorajadora e confiante em relação aos alunos pesam muito mais para o sucesso da alfabetização do que propriamente o método”.

1.4 Ambiente alfabetizador

O ambiente alfabetizador deve ser um lugar onde se promova um conjunto de situações de usos reais da escrita, nas quais as crianças participam. Salas de aulas cheias de escritas fixadas nas paredes não constituem, por si só, em ambientes alfabetizadores, em contexto de letramento: isso é algo que depende da criação do maior número possível de situações de uso real da escrita na escola.

A rotina diária também exige a criação de certas normas de comportamento escolar – facilitadores da construção da autodisciplina e do autoconceito – ajudam a criança a seguir um roteiro, previamente estabelecido, para o qual deu a sua contribuição, e, portanto, precisa se comprometer com a sua execução. O professor deve estabelecer roteiros para a organização diária em sua classe, de modo produtivo e agradável, compartilhar com os alunos a responsabilidade pela seleção e execução do planejamento das atividades.

Para Piaget, os indivíduos tendem a buscar uma organização interna, criando um modo próprio de agir em seu meio, pois o rito é inerente à natureza humana e pode favorecer o aperfeiçoamento de procedimentos e a formação de hábitos saudáveis à vida do aluno. Alguns destes, relativos ao estudo e à aprendizagem, exigem ação, concentração e reflexão constantes. A criança ativa e participante no seu processo de desenvolvimento precisa aprender a agir com liberdade, independência e ordem.

A sala de aula deve ser viva, produtiva, mas disciplinada. A disciplina é a organização do espaço escolar para favorecer a atividade dos alunos, sujeitos do processo de construção do conhecimento, e propiciar o estabelecimento de um clima propício à convivência e ao desenvolvimento do respeito pelo trabalho de todos. As interações dos alunos com outros e com os adultos, com o meio físico e social vai construir seus esquemas perceptuais motores, cognitivos, lingüísticos e afetivos. Vai também se construindo como pessoa, como indivíduo autônomo e responsável em um ambiente que se expressa tanto mediante o silêncio da concentração como o ruído de vozes no diálogo que precisa ocorrer na socialização das idéias e na coordenação de pontos de vista diferentes, na construção da capacidade argumentativa e na construção do próprio saber.

A criança aprende com mais facilidade num ambiente inclusivo e amoroso, sem pressão, sem exigência autoritária e vai evoluindo dentro do seu interesse, no seu ritmo.

Mediante a interação ativa com o objeto do conhecimento e com o meio físico e o social, o ato de educar oferece ao educador e ao educando inúmeras opções e oportunidades valiosas.

Para a criança é um grande prazer e uma grande satisfação o fato de tornar-se capaz de ler. É necessário uma recepção calorosa, o alfabetizando precisa ser tratado com carinho e respeito, para que se sinta aceito e querido, especialmente pelo professor.

Essas atitudes de receptividade contribuem efetivamente para a construção da sua auto-estima, tão necessária ao seu desenvolvimento.

O professor deve interagir com cada aluno com compaixão e ternura. Uma pessoa é muito importante. O educador deve aprender sempre e construir uma sólida cultura sobre o “processo” de alfabetização e deverá criar possibilidades de aprendizagem significativa e segura para seus alunos.

É preciso estimular a criança a dizer o que sente; ouvi-la é a melhor maneira de formar pessoas seguras e felizes. O ambiente deve ser propício para conversas sobre “valores”, pois funciona mais do que sermão; valorizar o melhor de cada um é essencial, ajudá-lo a crescer, “acreditar”, e assim adquirir o amadurecimento.

A qualidade do ambiente – e conseqüentemente o desenvolvimento das aulas – está diretamente relacionada ao estado de espírito das pessoas.

Alunos que se relacionam e se desenvolvem bem são aqueles que se sentem acolhidos, valorizados por seus talentos e que lidam bem com seus sentimentos.

A participação ativa da criança, em todos os momentos, configura um ambiente alfabetizador na instituição. Isso é especialmente importante, quando a criança provém de uma sociedade pouco letrada, onde há pouca oportunidade de presenciar atos de leitura e escrita.

O ambiente alfabetizador deve ser estimulador, deve estar relacionado ao real para que a criança se interesse, sinta prazer e alegria de estar integrada neste meio.

Unindo a função do professor ao ambiente, objetivando o avanço do aluno à descoberta, ao conhecimento do valor social da leitura e da escrita, o processo da alfabetização estará enriquecido e será alcançado com grande êxito. Conforme Freire (1999):

“Se é praticando que se aprende a nadar,

Se é praticando que se aprende a trabalhar,

É praticando também que se aprende a ler e escrever.

Vamos praticar para aprender e

Vamos aprender para praticar melhor”.


2 UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR DA ALFABETIZAÇÃO

Defendemos uma abordagem interdisciplinar da alfabetização, mediada pela Pedagogia do Texto, porque entendemos que os aprendizes, ao mesmo tempo que aprendem a ler e escrever, podem informar-se e formar-se, construir e reconstruir conhecimentos, conceitos e representações. Além disso, um processo de alfabetização articulado às Ciências Sociais poderá permitir aos alunos e ao professor ampliação de suas visões de mundo e engajamento num processo simultâneo de autoconhecimento e de inserção crítica e criativa nas realidades educacional e social das quais fazem parte. Faundez (1999), defendendo a Pedagogia do Texto, argumenta:

“A maior parte dos conhecimentos (ciências, crenças, emoções, etc.) se exprimem e se comunicam por meio de textos orais e/ou escritos. Para poder se apropriar desses conhecimentos, o ser humano necessita dominar uma infinidade de gêneros de textos, sem os quais ele será confrontado a obstáculos, seja na aprendizagem, seja no ensino de tais conhecimentos”.

Por essa razão, quando defendemos a importância de alfabetizar a partir de textos de Ciências Sociais, apontamos, igualmente, a necessidade de os cursos de formação de alfabetizadores garantirem aos mestres-aprendizes o desenvolvimento das competências necessárias à compreensão e domínio dos diferentes gêneros textuais. Dessa forma, sendo a leitura meio e fim de conhecimento, torna-se também possibilidade de autodescoberta, para professores e aprendizes, na medida em que todos podem descobrir-se como sujeitos do processo social e histórico de alfabetização e de vida.

O processo de aprender a ler e escrever não se desenvolve espontaneamente, só pelo fato de “o sujeito interagir com a escrita” dentro de um ambiente alfabetizador, como supõem algumas escolas. Ensinar como se lê, bem como ensinar como se escreve exigem do professor domínio de conhecimentos específicos, tais como: estrutura e funcionamento da língua em determinada sociedade, alfabetização nos diferentes gêneros textuais, os quais, para serem compreendidos, precisam ser estudados no contexto do discurso social.

Esses e outros conhecimentos específicos da área, articulados a uma formação profissional genérica sobre educação, sobre processo ensino-aprendizagem, são indispensáveis para que o professor desenvolva um ensino de leitura e escrita de boa qualidade. Equivale dizer que o processo ensino-aprendizagem da leitura e escrita pressupõe formação e informação, esforço intelectual, método, disciplina, autodisciplina, desejo, tanto por parte de quem se propõe a ensinar, como parte do aprendiz.

Essa proposta pedagógica, que pode ser desenvolvida desde a Educação Infantil à 4ª série do Ensino Fundamental, pressupõe uma revisão conceitual e metodológica da prática de alfabetização e tem em vista dois objetivos:

  • Superar o modelo de alfabetização que separa o ensino da leitura efetiva, tal como na abordagem tradicional, em que a criança é orientada, primeiramente, a “juntar sílabas e formar palavras” e, posteriormente, a “ler as palavrinhas formadas”;
  • Superar a prática de segmentar: “o tempo do início da alfabetização”, do tempo do “ensino de História, Geografia, Ciências e Matemática”. Tal procedimento desconsidera por inteiro o papel específico dessas ciências no processo geral de desenvolvimento e de aprendizagem infantil, mediante as ricas possibilidades que oferece ao aprendiz de elaboração/reelaboração de conceitos científicos e desenvolvimento de determinadas funções psíquicas superiores.

Lembrando que os textos de Ciências Sociais, diferentemente das cartilhas silábicas, são portadores de conceitos, informações, valores e conhecimentos. Por meio deles, o sujeito, ao mesmo tempo que aprende a ler, pode apropriar-se criticamente desses conceitos, conhecimentos, informações, que não são outra coisa senão facetas da realidade. E, ao refletir sobre essa realidade, da qual é produto e também produtor, pode descobrir-se como sujeito social e histórico.

A Pedagogia do Texto, diferentemente dos métodos silábicos, permite abordar essa realidade social, tomando-a, segundo Braudel (1998), “a mãos cheias, múltipla como se sabe, ao mesmo tempo matéria de história, de economia, de sociologia […]”. O mesmo autor afirma que os textos de história podem ajudar-nos a “reconstituir, com tempos diferentes e ordem de fatos diferentes, a unidade da vida”.

Consideramos essencial numa metodologia de ensino de leitura, trabalhar com conceitos e não apenas com palavras, sílabas e letras. Isso implica trabalhar com os diferentes gêneros textuais como produções sociais, portadores de sentidos, intenções e objetivos. Muito mais do que habilidades perceptivas motoras, como enfatizam as teorias e práticas tradicionais de alfabetização, é o pensamento da criança que precisa ser instigado de modo sistemático e contínuo durante a alfabetização.

2.1 Conceitos norteadores do processo de alfabetização

Os conceitos aqui propostos devem ser trabalhados de modo inter-relacionados de tal forma que os conceitos de tempo, espaço e práxis social estejam presentes em todas as discussões, durante o processo de alfabetização. Assim, ao estudar as relações entre os sujeitos e os seus grupos primários, por exemplo, o professor deve planejar estratégias pedagógicas: pesquisas, entrevistas, leituras, que possibilitem à turma refletir sobre mudanças nas relações sociais e culturais, nos costumes, nos valores que mudam no tempo e no espaço geopolítico, da práxis dos sujeitos. Os conceitos básicos são:

  • Tempo/espaço/práxis social – a criança (sujeito) e seus grupos: família; turma e escola; rua, vizinhança e comunidade; município onde vive e demais municípios; país e continente; mundo natural e social;
  • Sujeito, grupo sociocultural, sociedade;
  • Trabalho, educação, lazer, saúde;
  • História, sociedade, natureza, cultura.

Como sugestão de um programa integrado de alfabetização e Ciências Sociais, apresentamos:

Construção da identidade pessoal/social a partir das relações entre o eu e o outro.

Semelhanças e diferenças quanto às nossas origens biológicas e socioculturais (nome e sobrenome, etnia, cor, idade, sexo, cultura, religião, história). Nossas relações com os meios físico, natural e social.

Nossas relações interpessoais aqui e agora: histórias de vida pessoal e da turma, em comparação às histórias socioculturais de outros sujeitos, em outras épocas e locais (pais, avós, professores).

Nossas relações sociais e culturais dentro e fora de nossas comunidades, no presente e no passado.

Como vivemos no nosso bairro, na nossa comunidade?

Como vivem as pessoas nas outras comunidades vizinhas e distantes?

Como brincam as crianças?

O que fazem?

Que trabalho realizam?

Na nossa comunidade, há condições básicas para a prevenção de nossa saúde física, mental, espiritual e emocional?

O conceito de município articulado ao conceito de estado e país: diferentes espaços geográficos e suas histórias sóciopolíticas e econômicas.

  • Formação da sociedade e da cultura local e nacional: influência do índio, do negro e do europeu na nossa cultura;
  • Realidade social / realidade natural: modos de vida, de trabalho, educação e lazer; possibilidades e limites de expansão pessoal, profissional e social. Questões temáticas: quem somos? De onde viemos? Como vivemos? Qual o nosso compromisso com a qualidade de vida? Por que é importante aprender Matemática? Por que é importante estudar Ciências Sociais? Por que estudar?

Do ponto de vista metodológico, Elida Maria Fiorot Costalonga argumenta que as perguntas para compreensão do texto devem ser formuladas pelo professor e alunos antes da leitura e não apenas depois. Jolibert (1994) acredita que a “formulação prévia de questionamentos, a partir de indícios ou pistas textuais, identificadas pelo professor e alunos, no contexto, pode favorecer o interesse pela leitura e facilitar a apreensão/construção do sentido, conceitos e idéias”.

É preciso definir as fontes, onde e como serão buscadas as respostas para as questões previamente elaboradas: leituras, entrevistas, visitas in loco, reflexão e debate, organização de relatórios orais e escritos, entre outros.

Segundo a autora, a leitura e escrita devem ser tratadas como conhecimentos e, simultaneamente, instrumentos de acesso a vários outros conhecimentos. Devem ser trazidas para o interior do processo de alfabetização, desde o início, integrando o ato de aprender a ler com o ato de ler efetivamente, sem precisar juntar sílabas primeiro, para ler depois.

Jolibert (1994) cita alguns passos para o ensino de leitura e produção de textos no processo de alfabetização:

  • Seleção de bons modelos de diferentes tipos de textos: resumos de temas e/ou assuntos, poemas, anúncios, contos, relatórios, textos informativos, descritivos, argumentativos e outros;
  • Organização de um programa de ensino de leitura e escrita, contemplando essa diversidade de gêneros textuais, adequando-os às questões temáticas da área de Ciências Sociais, previamente definidas, a partir de um processo de discussão junto aos alunos;
  • Definição do tipo de texto que vai ser trabalhado em cada momento, durante o mês e/ou bimestre de cada ano letivo, de acordo com o tema em estudo e os objetivos do processo de alfabetização em desenvolvimento;
  • A partir de determinado tipo de texto, o professor vai coordenar, junto à turma, um processo de leitura e compreensão, buscando explorar no texto os elementos micro e macroestruturais produtores de sentido;
  • Elaboração de um texto coletivo ou individual sobre o assunto em discussão. Essa primeira produção deve ser feita no rascunho. Previamente, as crianças devem ser orientadas sobre a importância do uso do rascunho para o processo de produção textual.

É preciso que alunos e professores tomem consciência de que escrever bem é um trabalho rigoroso, por vezes longo, e que envolve várias etapas de escrita/leitura/reflexão/reescrita/releitura.


CONCLUSÃO

Devido às novas exigências econômicas, a educação tornou-se instrumento essencial para o país. Com esta pesquisa bibliográfica, ficou bem claro que, no que diz respeito à relação entre aprendizagem e desenvolvimento, não há necessidade de espera de prontidão para começar o ensino da leitura e da escrita, porque aprender algo contribui para o desenvolvimento infantil, ajuda a criança a alcançar níveis cada vez mais elevados de maturidade cognitiva, afetiva e psicológica. Portanto, o ensino não precisa limitar-se a ir atrás do desenvolvimento da criança como uma sombra, mas pode adiantar-se a ele.

Alfabetizar-se, por meio de textos de Ciências Sociais, pode tornar-se para o aprendiz uma experiência rica de aprendizagens inéditas e de crescimento intelectual e psicossocial, pela possibilidade que essa área de estudos oferece para a formação de conceitos científicos e desenvolvimento de estruturas psíquicas superiores, como processos recíprocos.

Os pequenos aprendizes podem ampliar a sua visão de mundo, inserindo-se criticamente na realidade social da qual fazem parte, enquanto participam de um dinâmico processo de alfabetização.

Um processo de alfabetização de qualidade deve estimular a compreensão (leitura) e a produção (escrita) de diferentes textos e dos conceitos e intenções que cada um comporta. Segundo Vygotsky (1999) “uma palavra se torna incompreensível se o sujeito não dispõe do conceito que expressa tal palavra”. Disso decorre a necessidade de se ter em desenvolvimento um processo dinâmico de alfabetização que tenha em vista a formação de conceitos e não a mera repetição/junção de palavras, sílabas e letras.

A alfabetização é um assunto muito interessante, pois através dela, começamos a dar um novo sentido na educação escolar. É imensamente gratificante quando nos deparamos com crianças iniciando seus primeiros traçados e faz deles uma rica habilidade.

Quanto à avaliação atual do processo de alfabetização, sabemos que existem muitas dificuldades sociais, culturais e econômicas, porém, seria importante que os programas de formação de professores tivessem a oportunidade de conhecer, pesquisar e, principalmente, a visão de que somos condutores de conhecimentos, capazes de transformar a sociedade, principalmente no processo alfabetizador.

Vale frisar que professores e aprendizes de leitura e escrita podem encontrar nos bons textos da área de Ciências Sociais, diferentemente do que encontram nos textos de determinadas cartilhas, ampla possibilidade de diversificação do trabalho pedagógico no sentido de favorecer a elaboração/reelaboração de informações, conhecimentos, conceitos sobre a língua e seus usos sociais, bem como uma revisão crítica de valores e idéias acerca das relações entre as realidades social/natural. Mugrabi (1999) assim fala a propósito:

“A educação se insere na problemática geral do humano […] E a Pedagogia do Texto é uma abordagem que permite repensar tal problemática enquanto fato antropológico, enquanto fato sócio-histórico-econômico, enquanto fato lingüístico, ético e político […] O texto concretiza todas essas dimensões do humano”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. Boletim Informativo da ABL, n.4. 1998.

BOLETIM SALTO PARA O FUTURO – Alfabetização: uma revolução em curso (TV Escola, TVE Brasil).

CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. São Paulo: Ática, 1994.

COSTALONGA, Elida Maria Fiorot. Pedagogia do texto: alfabetização e Ciências Sociais. Revista Amae Educando, n.305, ano 35, mar./2002.

DROUET, Ruth Caribe da Rocha. Distúrbios da aprendizagem. 4.ed. São Paulo: Ática, 2001.

FAUNDEZ, Antônio. A pedagogia do texto em algumas palavras. In: Intercâmbios – Informativo semestral do Instituto para o Desenvolvimento e Educação de Adultos – IDEA, n.12, jul./1999.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1990.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

______. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

JOLIBERT, Josette e Col. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

KLEIMAN, Ângela B. O que é letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita.  Campinas: Mercado de Letras, 1995.

KRAMER, Sônia. Leitura e escrita: formação de professores em curso. São Paulo: PCEP, 1995.

MUGRABI, Edivanda. A pedagogia do texto e suas implicações epistemológicas. In: Intercâmbios. Informativo semestral do IDEA, n. 12, jul./1999.

NÓVOA, Antônio. Vida dos professores. Portugal: Porto, 1992.

SILVA, Maria Alice C. Souza. Construindo a leitura e a escrita – reflexões sobre uma prática alternativa em alfabetização. São Paulo: Ática, 1991.

WEIZZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 1999.

  • Instituição: UFLA
  • Autor: Ralf Maciel

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