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Atualizado em 02/08/2023

A Alfabetização em Escolas Bilíngues: Possibilidades e Consequências

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1. Introdução

Com a crescente tendência ao multiculturalismo, o contato com culturas diversas e a capacidade de dominar mais do que uma única língua vem se tornando fundamental para o sucesso profissional e pessoa dos indivíduos dentro da aldeia global. Assim, pais vêm, crescentemente, desejando proporcionar aos seus filhos uma educação ampla, aonde ele possa desenvolver ao máximo seu potencial de comunicação com diversas culturas, inscrevendo-os em escolas bilingues, na expectativa de torná-los, desta forma,cidadãos globais. No entanto, este desejo dos pais, por vezes, não leva em consideração as conseqüências reais da educação multicultural. Crianças, em fase de pré-alfabetização, ou alfabetização, um momento por si só fragilizante, são expostas a situações inusitadas, diferentes de tudo o que elas conhecem. As crenças e os valores aos quais a criança vinha sido exposta até o ingresso na escola são, aqui, confrontados por novos e diferentes valores. A socialização e construção da identidade da criança, já em processo desde o nascimento, deve enfrentar novos desafios.

Tendo em vista que uma participante do grupo tem o interesse e a intenção em matricular suas filhas em uma escola bilíngüe, e que alguns dos membros foram educados desta forma, e frente às questões levantadas durante a pesquisa teórica, decidimos investigar o processo de pré-alfabetização e alfabetização na Escola Americana do Rio de Janeiro (EARJ) na tentativa de compreender, mesmo que de forma superficial, as possíveis conseqüências de uma educação bilingüe na construção da identidade e na socialização da criança, como vista pelo corpo educacional e por pais.

1.1. O Bilingüismo em Questão

O bilinguismo pode ser definido como uma capacidade de um indivíduo de comunicar-se em duas línguas, alternadamente. O indivíduo bilingüe é capaz de escrever, ler, entender e falar, com controle quase total, duas línguas.

O estudo do bilinguismo tem sido, de certa forma, pouco explorado, e o conhecimento acerca do aprendizado de uma segunda língua, conseqüentemente, torna-se assim limitado. Os motivos para estas limitações são os mais diversos. Inicialmente podemos fazer uma crítica à definição de linguagem. Em sua limitação, esta definição acaba por omitir as capacidades do uso social de linguagem que podem estar mais intimamente ligadas à aceitação social e ao sucesso da comunicação, do que ao conhecimento do vocabulário escolar (Ervin-Tripp, 1978). Há, também, uma falta de um corpo teórico bem-construído acerca do processamento de informação lingüística que possa alterar a habilidade da criança em entender, imitar ou produzir um discurso adequado na medida em que aprende, e que possa estruturar projetos de pesquisa sobre o assunto (Ervin-Tripp, 1978).

As pesquisas sobre o bilingüismo existentes são falhas em uma série de aspectos. Essas pesquisas tendem a tomar dados estatísticos, enquanto as pesquisas acerca da aquisição da linguagem tomam dados individuais como ponto de partida para uma teoria geral, desvinculando o bilingüismo da aquisição da linguagem (Ervin-Tripp, 1978). Adicionalmente, as pesquisas sobre a linguagem infantil ignoram, quase por completo, o papel da absorção de conhecimento pela criança no processo de aprendizagem, dando atenção, especialmente, às estratégias por ela utilizadas e à forma de apresentação do material didático (Ervin-Tripp, 1978). Finalmente, as pesquisas desta área vêm ocorrendo, quase inteiramente, nas salas de aula, aonde o aprendizado é formal e o foco está na estrutura da língua, e não no aprendizado natural, oriundo das necessidades comunicativas, ou na intenção da comunicação (Ervin-Tripp, 1978).

Apesar das falhas e dificuldades de pesquisa acerca do bilingüismo, esforços para classificar o bilingüismo e entender suas implicações cognitivas, sociais e afetivas no indivíduo vêm sendo feito por diversos autores desde o final dos anos 30.

Em 1953, Weinreich classificou o bilingüismo em 3 tipos principais: coordenados, ou seja, aqueles para os quais pares de termos em duas línguas que tem um único significado; compostos que têm termos correspondentes para um único significado; esubordinados para os quais um termo na L2 significa primeiro um termo na L1, tendo um significado real apenas indiretamente (Macnamara, 1970). Seguindo a classificação de Weinreich, Ervin e Osgood, em 1965, classificou os bilingües apenas comocompostos, ou seja, aqueles que aprenderam uma língua através da outra ou ambas em um mesmo contexto, tendo um único set de representações para as duas línguas, ou coordenados, ou verdadeiros, que aprenderam as duas línguas em contextos diferentes, tendo, portanto, um set de representação para cada língua (Macnamara, 1970). As pesquisas mais atuais tendem a diferenciar bilíngües compostos e coordenados a partir do momento de aquisição da L2, os bilíngües compostos teriam aprendido as duas línguas em casa, antes da entrada no âmbito escolar, enquanto que os coordenados adquirem a L2 apenas após sua entrada na escola (Macnamara, 1970).

O processo de aquisição de uma L2 em crianças, assim como a aquisição da linguagem como um todo, segue alguns princípios específicos comuns. Inicialmente a criança desenvolve um vocabulário que consiste de palavras de ambas as línguas, utilizando apenas uma palavra para cada conceito, o sistema semântico ainda fundido (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). A criança, neste nível ainda não aprende de forma bilíngüe, ela junta uma apresentação semântica dupla num único sistema (Macnamara, 1970). O discurso, aqui, está misturado num “sistema híbrido” composto por um vocabulário comum composto de pares de palavras, idênticas em seu significado, ou seja, ocorre uma combinação de dois modelos semânticos em uma única forma de discurso (Leopold, 1978; Imedaze & Uznadze, 1978) Nesta fase, não há diferenciação da língua em outras pessoas, utiliza-se uma mistura das línguas para todas as comunicações (Leopold, 1978). Num segundo momento, por volta do segundo ano, a criança começa a usar vocábulos de ambas as línguas separadamente, mas ainda utiliza apenas um dos dois grupos de regras gramaticais, ela começa a distinguir entre as duas línguas (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). Aqui, a criança começa a traduzir, usando duas palavras para o mesmo objeto (Groenou, 1993). Nesta fase, começa a aparecer alguma consciência do verdadeiro bilingüismo e cada língua passa a ser associada àqueles que a fala (Leopold, 1978). Finalmente, no terceiro momento da aquisição, a criança começa a diferenciar tanto o vocabulário quanto a estrutura de regras gramaticais, as mudanças de códigos passam a ser, por completo, voluntárias, não havendo confusão entre eles (Groenou, 1993; Leopold, 1978; DiPietro, 1970). O bilingüismo, nesta fase, já permite uma discriminação entre as duas línguas, com dois vocabulários independentes (Imedaze & Uznadze, 1978).

Seguindo o princípio do período crítico de aprendizagem, ou imprinting, o qual determina a existência de um momento crítico, biologicamente pré-determinado, no qual um organismo está apto para a aquisição de respostas, alguns autores sugerem que quanto mais jovem a criança maior a facilidade na aquisição de uma L2. (Asher & Garcia, 1982; Reber, 1985). No entanto, diversas pesquisas têm descoberto que esta é uma crença errônea.

No que diz respeito à pronúncia, os achados são bastante diferentes. Asher & Garcia (1982), em uma pesquisa com crianças cubanas erradicadas nos EUA, descobriu que alcançar a pronúncia nativa é virtualmente impossível, independente da duração da estadia nos EUA e da idade de chagada no país. A pronúncia pode chegar a ser apenas quasi-nativa. Neste caso há, de fato, uma relação proporcionalmente inversa entre a idade de chegada nos EUA e a aquisição de uma pronúncia quasi-nativa, assim como uma relação direta entre a pronúncia e o tempo de estadia no país.

Tendo em vista que todo conhecimento se constrói sobre o conhecimento anterior, e que todas as línguas faladas são mais similares do que diferentes, o aprendizado tardio de uma L2 seria, então, beneficiado pelo fato de que a criança mais velha já tem, em seu repertório, alguns dos princípios básicos da fonologia, um sistema semântico mais completo, além de uma capacidade heurística mais eficiente (Ervin-Tripp, 1978). Dentro desta mesma perspectiva há, também, a especulação de que o motivo central para a maior capacidade de aprendizado de uma L2 pela criança sobre o adulto se deve à maneira pela qual o aprendizado ocorre. A criança tende a aprender a L2 através do jogo, em situações aonde o aprendizado está sincronizado com a transmissão e recepção da linguagem, assim, o aprendizado se dá no âmbito do real, aonde o discurso surge de uma necessidade de comunicação (Seliger, Krashen & Ladefoged, 1982; Asher & Garcia, 1982). O adulto, por sua vez, tende a aprender a L2 de forma desvinculada da ação, do cotidiano, do real (Asher & Garcia, 1982). Adicionalmente, a criança aprende através de uma linguagem mais simples, infantil, enquanto que o adulto é, subitamente, apresentado a uma linguagem complexa, dificultando o processo de aprendizagem (Seliger, Krasher & Ladefoged, 1982).

Também as pesquisas acerca das conseqüências do bilingüismo no desenvolvimento infantil exercem um papel fundamental na compreensão do fenômeno como um todo. No âmbito da cognição, as pesquisas mais antigas sugeriam que o bilingüismo afetaria de forma negativa o desenvolvimento das outras capacidades da criança, especialmente da fala e da linguagem (Groenou, 1993). Mais tarde, com o desenvolvimento da percepção de que os processos lingüísticos constituem apenas uma pequena parcela do funcionamento cognitivo e de que um número incontável de outros fatores poderiam afetar este desenvolvimento, a crença nos efeitos adversos do bilingüismo sobre o desenvolvimento cognitivo começou a se dissolver (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). Atualmente admite-se que o bilingüismo pode ser beneficial ao processo de desenvolvimento cognitivo, uma vez que através do bilingüismo a criança pode vir a ter acesso a diversos modelos de pensamento, podendo, desta forma desenvolver seu próprio pensamento de forma mais flexível, ampla, criativa e divergente (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). Já no âmbito afetivo o bilingüismo pode vir a apresentar diversas dificuldades. A convivência com modelos diferentes, por vezes até contraditórios, podem causar conflito, choque cultural, ou mesmo sentimentos de rejeição frente a incapacidade de encaixar-se em uma das duas culturas com a qual convive (Groenou, 1993).

1.2. O Processo de Alfabetização

Visando colocar a aprendizagem da leitura sob o prisma do processo de desenvolvimento da criança segundo as teorias de Jean Piaget, apresentaremos, aqui, a forma pela qual o conhecimento de mundo é elaborada e construída, assim como o significado da leitura do ponto de vista cognitivo. Pode-se dizer que todas as atividades da criança são leituras da experiência. Todas possuem um esquema de assimilação que evolui de acordo com a etapa de desenvolvimento que a criança atravessa.

Para facilitar o entendimento, faremos uma revisão didática de cada estágio de desenvolvimento na teoria de Piaget, relacionando-as ao processo de alfabetização.

1.2.1. Estágio Sensório-motor (0 a 2/3 anos)

Neste período a criança ainda não representa, mentalmente, objetos. Desta forma, como não os evoca em sua ausência, sua ação é direta sobre eles. A criança ainda não tem o domínio da linguagem, falta-lhe a função semiótica. (Lima, 1986)

Aqui a inteligência trabalha com as percepções – o sensório – e a ação, ou deslocamentos do próprio corpo – o motor. A assimilação é, pois, a ação da criança sobre o meio, fundamental para a construção do objeto permanente – a representação, ou função semiótica – e dos grupos de deslocamento – possíveis deslocamentos no espaço. (Ferreiro)

A criança leva aproximadamente dois anos neste processo, terminando por construir a função semiótica e adquirindo a linguagem.

O princípio didático desta fase está na permissividade para a ação da criança sobre o meio, ou seja, fazer com que a criança desloque a si própria e os objetos no espaço. A criança deve ser estimulada, então, a engatinhar, subir e descer escadas, encaixar e enfileiras objetos, manipular diferentes materiais e texturas, imitar expressões faciais, sons e gestos. (Lima, 1986)

1.2.2. Estágio Simbólico (2/3 a 4/5 anos)

Nesta fase aparece a função semiótica e a criança se torna capaz de evocar objetos ausentes graças à imagem mental, ou representação mental do objeto. Ela se utiliza de símbolos como significantes. É a idade da fantasia, do faz-de-conta.

Extremamente egocêntrica – conversa e brinca sozinha – a criança tem um esquema de assimilação simbólico, sendo capaz de transformar o mundo, simbolicamente, para satisfazer uma necessidade própria.

Para a educação é importante ressaltar o caráter lúdico do pensamento simbólico, uma vez que este será o instrumento com que se trabalha com a criança nesta fase. Portanto, devemos explorar de forma abundante as imitações sem modelo, as dramatizações, os desenhos e pinturas, as histórias, o faz-de-conta e a linguagem. Antes de tudo, devemos permitir que as crianças realizem jogos simbólicos, sozinhas e em grupos, tão importantes para o seu desenvolvimento cognitivo e para seu equilíbrio emocional. (Lima, 1986)

A alfabetização deve, assim, ser entendida como um processo que se inicia na criança através da manipulação, da escuta e da combinação e experimentação com objetos. O próximo passo consiste, desta forma, na leitura dos signos gráficos, ou palavras.

Aqui, a questão central passa a ser a mudança de um código oral por um código escrito, ou seja, os esquemas de assimilação usados pela criança transformam-se em operatórios. Assim, a leitura é a substituição de um código auditivo por um código visual. (Ferreiro)

1.2.3. Estágio Intuitivo (4/5 a 7/8 anos)

Diferenciando-se das crianças simbólicas, as crianças intuitivas demonstram um interesse especial pelas causas dos fenômenos e é, por isso, que perguntam tudo, o tempo todo. É a famosa idade dos porquês. Ela está muito interessada em experimentações sem, contudo, terem critérios para realizá-las, ou seja, ainda não as fazem em etapas sucessivas.

A criança supera o animismo, passando para o artificialismo. Ela necessita da palavra para se expressar. Pode dramatizar qualquer absurdo sem, contudo, acreditar nele, distinguindo perfeitamente a fantasia da realidade.

Quanto à flexibilidade de seu pensamento, a criança nesta fase é, ainda, extremamente centrada em seu próprio ponto de vista –centração perceptiva – não sendo capaz de tomar dois pontos de vista ao mesmo tempo. Há uma ausência de reversibilidade em seu pensamento. (Lima, 1986)

Do ponto de vista da construção das operações, a criança já é capaz de organizar coleções e conjuntos, embora não ser ainda capaz de incluir conjuntos menores em outros mais amplos. Ela possui uma noção intuitiva de grandeza, podendo posicionar a si mesma e aos objetos, embora ainda não faça correções sucessivas. (Ferreiro)

Em termos pedagógicos, as relações de causalidade devem ser exploradas, a organização de mundo, já iniciada, deve ser encorajada, através da utilização de critérios e propriedades. Podendo já compreender regras simples, pode-se iniciar com jogos e brincadeiras que envolvam algumas regras, como damas ou dominó. As experiências com os objetos são importantes para que sejam conhecidos, agora, em suas relações causais. É importante explorar a expressão verbal através de histórias, dramatizações, descrições e outras atividades que envolvam a linguagem. (Lima, 1986)

1.2.4. Estágio Concreto (7/8 a 11/12 anos)

Este estágio conclui e consolida as conservações de número, de substância e de peso. A criança supera a centração em um único ponto de vista e é capaz de ver a totalidade de diferentes ângulos. Ela organiza o mundo de forma lógica – ou operatória – ou seja, é capaz de incluir conjuntos, ordenar elemento por ordem de grandeza. Ela utiliza, portanto, os critérios de conjunto. (Lima, 1986)

Apesar de ainda trabalhar com objetos, agora representados, a flexibilidade do pensamento da criança neste estágio permite um aprendizado ilimitado. Dentre estes podemos destacar a escrita e o aprendizado de uma segunda língua. A criança pode, agora, fazer uso dos signos convencionais e arbitrários – a palavra – e, portanto, é o momento ideal para a alfabetização. A linguagem verbal é cada vez mais importante, e a criança já é capaz de conversar longamente com seus colegas.

Em termos de prática pedagógica podemos destacar que a criança nesta fase já é capaz de concentrar-se por um longo período e de executar tarefas que envolvam seqüências e regras. Assim, deve-se explorar os resultados imediatos, ou a longo prazo, como a plantação de sementes, as coleções de figurinhas, os jogos mais complexos, a leitura de interesses pessoais, etc. (Lima, 1986)

1.2.5. Estágio Operatório-abstrato (A partir dos 11/12 anos)

Não sendo se interesse central para esta pesquisa, nos limitamos a ressaltar que nesta fase a criança se liberta do objeto, inclusive do objeto representado, e trabalha agora com a forma – em contraposição ao conteúdo. Ela se libertou do concreto e situa o real em um conjunto de transformações. Aqui os processos de pensamento hipotético-dedutivos começam a dominar o pensamento. A criança está interessada nas transformações sociais, nas teorias voltadas para o futuro. A criança já tem a capacidade de manter longas discussões. Ela tende a preferir estar em grupos e já é capaz de estabelecer relações de reciprocidade e de cooperação. (Ferreiro)

1.3. A Alfabetização e o Bilingüismo

Durante os processos de aquisição de linguagem e de alfabetização a criança passa dos esquemas de ação sensório-motor para a total representação cognitiva, ou mental, de forma gradativa, seqüencial e natural. determinada apenas por seu próprio ritmo. A aprendizagem da leitura não deve, assim ser mitificada ou transformada num penoso ritual de alfabetização de duração pré-determinada.

No caso de criança em alfabetização numa segunda língua, a atenção por parte de pais e professores deve ser dobrada, uma vez que as dificuldades da criança podem não se resumir a capacidade intelectual ou afetiva. Aqui diversos fatores sócio-culturais entram em jogo, devendo ser considerados tão básicos quanto quaisquer outros. O tempo individual da criança torna-se fundamental, pois as mudanças serão, claramente, mais agravadas do que numa escola monolíngüe. As expectativas dos pais é mais um fator central. Os pais, por um desejo de ampliar o conhecimento de seus filhos, podem deixar passar desapercebidos os desejos da criança e o seu momento de desenvolvimento. Vale lembrar que a alfabetização, enquanto uma parte do processo de desenvolvimento da criança, não se resume ao aprendizado das letras e palavras, mas engloba uma construção de visão de mundo, inserindo a criança em seu meio social e moldando seu pensamento e suas ações dentro da ideologia de um grupo (Lane, 1982).

A idade tradicionalmente determinada para o início da escolaridade formal, ou da alfabetização – entre 7 e 8 anos de idade – reflete uma observação intuitiva de profissionais que perceberam a capacidade infantil, neste período, de absorção e compreensão. Nesta faixa etária, em geral, a criança já é capaz de compreender e seguir regras, através das quais ela poderá organizar seu mundo interno e externo. No entanto, a tendência de entender a alfabetização e o aprendizado como a mera aquisição de um novo código de comunicação significa ignorar diversas potencialidades infantis. Durante sua educação primária, a criança, além de escrever, deverá aprender também a lidar com questões de seu cotidiano, como resolver seus próprios problemas, tomar decisões assim como superar obstáculos, como a aquisição de uma segunda língua e a compreensão de uma nova cultura, diversa da sua. Desta forma, não basta que a criança esteja capacitada a aprender as letras, ela deve estar cognitiva e afetivamente preparada para receber uma série de informações.

” Violentar, por outro lado, a criança, impondo-lhe tarefas acima de suas capacidades, acarreta sérios danos, decorrentes não apenas da ansiedade de pais e dos professores, mas do autoconfronto da própria criança, ao ver que não consegue desempenhar, como seus colegas, as atividades que lhe são propostas. Este fracasso inicial, circularmente, acarreta desestímulo para com a leitura e a escrita.” (Cabral & Pelandré, 1982)

A partir disso podemos começar a compreender as possíveis dificuldades de uma criança ao ingressar numa escola aonde toda sua comunicação verbal se torna inválida até que ela seja capaz de dominar uma nova língua. Quando inserida numa turma aonde a maioria já está familiarizada com a língua a criança deve ser estimulada a aprender e jamais criticada por não saber, pois isso levaria a um risco de desinteressar a criança pelo aprendizado como um todo. A nova língua deve estar dentro da expectativa da criança, não apenas dos pais e professores.

Deve-se, portanto, promover atividades e experiências que estimulem e interessem a criança, de forma natural, na leitura e no aprendizado. Na escola bilíngüe, ou bicultural, a proposta encaixa-se diretamente a esta noção de interesse e estímulo através da inclusão de atividades extra-acadêmicas – esportes, informática, música, teatro, feiras culturais, participação em clubes dos mais diversos tipos, etc – possibilitando assim que a criança determine seus próprios interesses, desejos e necessidades e tornando o processo de aprendizagem, desde seu início, um momento de prazer ligado, diretamente, à realidade individual de cada criança.

2. Metodologia de Pesquisa

2.1. Hipótese

A partir da pesquisa bibliográfica feita, pudemos chegar à hipótese de que a educação em escolas bilíngües no Brasil, apesar de proporcionar uma compreensão de mundo mais ampla, pode levar a algumas dificuldades na área da formação da identidade e socialização em crianças engajadas neste tipo de processo educativo

2.2. Instrumentos e Registros

Nossa pesquisa foi realizada por meio de uma vasta pesquisa bibliográfica, adicionada de entrevistas com profissionais da área pedagógica na EARJ, além de observações de sessões de orientação à pais de crianças recém-inscritas no programa do Early Childhood Education (ECE) da EARJ. O registro foi feito por meio de vídeo, gravação de áudio e de anotações. Além disso pudemos contar com a experiência pessoal de alguns dos membros do grupo, educados em escolas bilíngües ou em contextos culturais diversificados.

Decidimos não incluir a posição da criança diretamente, uma vez que já contávamos com os relatos de duas componentes do grupo, e numa tentativa de limitar, dentro de nossa realidade temporal, a pesquisa a ser realizada.

2.3. Roteiro de Entrevista

Para formular as questões a serem perguntadas durante a entrevista, aproveitamos nossos próprios questionamentos sobre a pesquisa teórica feita, assim como a pesquisa de Mônica Schiaffino (1988) sobre a alfabetização na escola Alemã. As questões desenvolvidas nos serviram apenas como guia geral pois preferimos deixar a entrevistada mais livre para falar sobre os temas que ela julgasse mais importantes.

Roteiro:

Escola/Método

1) Qual o objetivo da EARJ enquanto escola bilíngüe?

2) População da escola:

2.1) Número total de alunos

2.2) Procedência dos alunos

2.3) Número de turmas de alfabetização

2.4) Procedência dos alunos em alfabetização

2.5) Número de alunos por turma de alfabetização

2.6) Motivo que levam os pais a escolherem alfabetização na EARJ

3) Como é a preparação para a alfabetização (objetivo e caracterização das atividades/método)?

4) Quando se é permitido o ingresso na escola. Quais os critérios para admissão (observação / pré-requisitos)?

5) Qual a faixa etária dos alfabetizandos?

6) Existe uma idade limite à admissão. Qual e porquê?

7) Qual o processo ou método de alfabetização adotado (português / inglês)?

8) Em algum momento as crianças anglo-fônicas são separadas propositalmente das outras crianças?

9) Qual a orientação dada aos pais em relação à diversidade da população?

Professores

1) Quais são os pré-requisitos para professores alfabetizadores (formação e orientação específica)?

2) Há uma preparação específica em relação ao bilingüismo?

3) Qual a procedência dos professores alfabetizadores? E no geral?

4) Existe algum apoio ou orientação psicológica para os pais e crianças?

Bilingüismo

1) Existe uma relação entre as escolas internacionais do RJ / Brasil?

2) Como se compara a alfabetização bilíngüe à alfabetização monolíngüe?

3) Quais os prós e os contras da alfabetização bilíngüe?

4) Quais os principais fatores para uma alfabetização bem sucedida?

Geral

1) Após o término do 12th grade, como se distribuem os formandos em termos de Universidades (EUA, Brasil, Europa, etc)?

3. A Alfabetização em escolas bilíngües: EARJ

3.1. Estrutura da Escola

3.1.1. Ambientação da Escola

Fundada em 1937 por uma iniciativa particular, a EARJ é uma escola de primeiro grau e segundo grau (Early Chilhood Education – 12th grade) direcionada para a preparação do aluno para o ingresso em instituições de ensino superior no Brasil, EUA e na Europa, e reconhecida pelo governo Americano e Brasileiro. A escola se divide em 4 núcleos. O Early Childhood Education, incluindo a pré-alfabetização e o Transition – adaptação da criança para a alfabetização. O Lower School, da 1a à 5a série, o Middle School, da 6a à 8a série, e o High School, da 9a à 12a série.

O campus, localizado no alto da Gávea, inclui 8 edifícios, com 75 salas de aulas, 8 laboratórios de ciências, 3 bibliotecas, dois ginásio atléticos polivalentes, e um campo, ao ar livre, equipado para o futebol, o futebol americano, o atletismo e o baseball, dentro de uma área verde de cerca de 12 acres.

Adicionalmente, a escola oferece ao aluno 200 micro-computadores para uso em aula e pessoal, um circuito de televisão interno, assim como diversas oportunidades de participação em jornais escolares, teatro, grupos musicais, times desportivos, etc. Há, ainda, um Centro de Serviços ao Estudante (Student Services Center) que proporciona atenção especial ao aluno com dificuldades de aprendizado, em adaptação (English as a Second Language) e para superdotados.

O ano letivo, com início em Agosto e conclusão em Junho, incluí 2 semestres intercalados por 2 períodos de férias de 6 semanas cada, em Dezembro e Junho, além de uma semana de recesso para o Carnaval e os respectivos feriados nacionais Americanos e Brasileiros. Os alunos entram na escola às 7.55 e são liberados às 15.10, com exceção dos alunos do ECE que entram às 9.00 e são liberados às 14.00.

3.1.2. A população

Tendo em vista que o custo anual da escola varia de US$9.800 à US$12.000, podemos assumir que a população da escola varia de classe média alta à classe alta, com exceção de filhos de funcionários que ganham o direito de uma educação na escola por um preço reduzido.

Em 1995-96, a escola tinha 995 alunos, dentre os quais 128 são provenientes dos EUA, 672 do Brasil e 195 de outros 22 países. Em termos de nível educacional, esta população se divide em 215 alunos no ECE, 349 no Lower School, 215 no Middle School, e 216 no High School.

Os professores, não necessariamente Americanos, mas sempre anglo-fônicos ou bilíngües, totalizam 114. Dentre estes, 102 são fixos e 12 temporários. Todos tem diploma de Baccalaureate Internacional ou equivalente, 53 tem mestrado completo e 4 doutorados em universidades fora do Brasil.

3.1.3. Proposta pedagógica

A EARJ, em sua proposta, coloca, como meta central, a maximização do desenvolvimento educacional e social do estudante visando seu ingresso na universidade de sua escolha, seja no Brasil, nos EUA, ou na Europa.

Provendo à criança uma variedade de atividades extra-acadêmicas, a escola visa, também desenvolver, em seus alunos, uma consciência moral, cívica e social, encoranjando uma intensa troca intercultural. O aluno, além de uma simples educação acadêmica, formal, receberá, também, uma educação mais ampla, integrando-se à comunidade de forma global.

“Educar não é somente dar instrução acadêmica, mas olhar o aluno no seu desenvolvimento global” (Entrevista com Sueli Peçanha)

Adicionalmente, o currículo flexível dá ao aluno a chance de desenvolver uma atitude positiva em relação ao ensino, podendo desenvolver seus interesses pessoais através de projetos individuais e tendo a oportunidade de fazer suas próprias escolhas acerca de sua formação.

A escola acredita que com essa vasta gama de oportunidades e incentivos, a criança será capaz de aprender a lidar com as responsabilidades que encontrará no futuro, sabendo lidar com a diferença e com as constantes mudanças do mundo, uma vez que ele haverá desenvolvido um conhecimento de si enquanto indivíduo e de seu papel enquanto membro de uma sociedade mais ampla e global. A escola tenta formar, assim, cidadãos do mundo, responsáveis por tudo aquilo que os cerca.

“Tudo isso vai construindo o aluno, sob todos os aspectos. O aluno precisa saber tomar decisões, no momento certo. Precisa saber raciocinar e trabalhar em grupo, em equipe. Isto tudo já está muito dentro do espírito de comunidade, dentro da filosofia americana. Isto já existe há muito tempo, já faz parte mesmo de um sistema de ensino.” (Entrevista com Sueli Peçanha)

3.2. O Processo de Alfabetização

Segundo Sueli Peçanha, a alfabetização tem seu início, não na escola, como a maioria coloca, mas desde o nascimento, desde o primeiro contato da criança com seu meio. A escola formal é apenas o catalisador deste processo, assim, a EARJ tenta colocar este processo como parte do cotidiano da criança, contando sempre com a participação intensa da família. Na escola a alfabetização formal se dá em 3 etapas principais, o Early Childhood Education (ECE), a Transition, e o Lower School.

Os primeiros anos de educação formal na EARJ são guiados pelo princípio Montessoriano de “liberdade dentro de limites”. Ou seja, tenta-se sempre ver a criança em sua totalidade, enquanto um sujeito intelectual, social, físico e psicológico. Toda a alfabetização, aqui, tenta respeitar estes aspectos da criança acomodando, dentro dos limites do possível, a educação aos interesses e à preparação individual de cada criança.

3.2.1. Early Childhood Education

O Early Childhood Education da EARJ é um programa de preparação para a alfabetização aonde crianças entre 3 e 6 anos de idade são divididas em 7 turmas. O programa tem uma duração de 3 a 4 anos, acomodando o desenvolvimento individual de cada criança.

A meta central do programa é a de dar um apoio ao desenvolvimento oral da criança – especialmente a criança não anglo-fônica – aonde a criança construirá o inglês.

A entrada no ECE depende de uma série de fatores na vida da criança que a capacitam, ou não, a iniciar o processo de pré-alfabetização. A criança tem que estar apta a aceitar mudanças, não deve estar afetivamente dependente da língua materna – o ingresso numa escola bilíngüe não pode, em seu entendimento, significar mais uma perda, a da língua materna -, e a fala, na língua materna, já deve estar estabilizada.

” Nós aceitamos crianças a partir dos 3 anos de idade. Até 4 anos e meio, nós aceitamos crianças sem inglês, a partir daí fica um pouco difícil, pois nós ficamos com pouco tempo para trabalhar todo um desenvolvimento necessário para a alfabetização. A criança precisa adquirir vocabulário e ter todos os pré-requisitos trabalhados para a alfabetização em inglês.” (Entrevista com Sueli Peçanha)

Toda a educação na EARJ se dá em inglês, não há nenhuma separação das crianças em função de sua origem. O ECE vai, assim, fornecer à criança uma adaptação ao ambiente escolar, uma vivência. Para a criança não-anglofônica, o ECE tenta despertar, na criança, o interesse pelo inglês, é um processo de sedução da língua, “um verdadeiro marketing do inglês” para a criança.

Segundo Sueli Peçanha, esta fase da escolaridade se divide em diversas etapas e levará a criança a estar capacitada para a alfabetização.

A primeira etapa se constitui numa fase de absorção do inglês através de uma exploração oral, “uma imersão no inglês no dia-a-dia” (Sueli Peçanha). Numa segunda etapa, já com um bom vocabulário, a criança é levada a explorar os sons das letras, a fonética. Aqui ela aprenderá a formar palavras.

“Ela vai trabalhar, vai ver a letra, vai trabalhar o som daquela letra, palavras que começam com aquela letra. Toda uma brincadeira de sons e de saber colocar a letra e os sons juntos. Ela pode começar a construir palavras também, com seu alfabeto móvel. (…) Não vamos, também, ficar na parte só fonética, porque o inglês não é uma língua fonética. Então, vamos ter que dar para a criança outras ferramentas para que ela possa futuramente ler. Trabalhamos, também, pela visualização da palavra, a gestalt da palavra.” (Entrevista com Sueli Peçanha)

Numa terceira etapa trabalhe-se a leitura, a estória. A criança, através de sessões de estórias – contadas por elas ou pelas professoras – e visitas à biblioteca, acaba por trabalhar, mais a fundo, o vocabulário e a leitura. Aqui é um trabalho no sentido da construção de frases, da compreensão. A criança “vai ter que pensar, responder e funcionar em inglês” (Sueli Peçanha).

O ECE conta, não apenas com os métodos formais de educação, mas, também, com uma integração do cotidiano ao mundo escolar. A criança tem aulas de culinária, de jardinagem, de música, que colocarão o ensino dentro de uma perspectiva de realidade, mostrando que o aprendizado, de fato, pode ter uma utilidade que perpassa a escola.

A família faz parte integral deste processo. A família é convidada a participar de todas as etapas da alfabetização de seus filhos.

” A escola não pode fazer esse trabalho sozinha. Ela conta com a colaboração dos pais. E como é que os pais podem dar esse apoio? Mudando o idioma em casa? Só falando inglês? Não, muito pelo contrário. Acho que o Português deve permanecer, é a língua afetiva, é a língua da família, isso permanace.(…) Então, é uma trabalho de escola e casa…” (Entrevista com Sueli Peçanha)

Assim, reuniões freqüentes, aonde temas específicos sobre a formação do aluno são abordados, incluem pais e professores, assim como membros de uma equipe psicopedagógica, caso a criança haja necessidades específicas.

3.2.2. Transition

Na medida em que a criança se demonstra preparada para começar um processo de alfabetização mais intenso, ela passará pela última etapa do ECE, a Transition. Aqui a criança é preparada para a mudança que enfrentará nos próximos anos de sua vida, a alfabetização. É uma preparação acadêmica, emocional e mesmo física.

Aqui, as 7 turmas do ECE são condensadas em 4 turmas – que continuarão juntas para a 1asérie – e passam a focalizar temas específicos da alfabetização. Já começam a ler e escrever um pouco. Além disso, durante uma hora por dia terão aulas na sala aonde, no ano seguinte, iniciarão sua alfabetização real.

Ao final deste processo, entre 6 anos e 2 meses e 7 anos e 6 meses, a criança vai estar preparada para abandonar a pré-escola e ingressar na escola em si, aonde aprenderá, de fato, a ler e escrever.

4. Conclusões

4.1. As conseqüências psico-sociais da alfabetização bilíngüe

Ao finalizar nossa pesquisa chegamos à conclusão que podíamos, apenas, fazer suposições acerca daquilo que lemos e observamos, sem com isso fechar nenhuma questão.

Em termos das conseqüências da alfabetização bilíngüe, concordamos com Tittone (1975) quando ele declara que:

“a aprendizagem de uma segunda língua constituí um verdadeiro enriquecimento da educação primária: estimula, na criança, o desenvolvimento da consciência linguística; cultiva atitudes favoráveis frente a outras culturas e povos; possibilita as bases de uma futura capacidade de contato com indivíduos de língua e mentalidade diferentes; pode enriquecer diretamente, também, outras partes do programa escolar, tais como, a educação artística e musical, a literatura, a geografia, as ciências, a matemática e as disciplinas sociais, como veículo de possibilidades e úteis complementos em um plano internacional.”(P.7)

A EARJ, em seu respeito à cultura brasileira não faz, senão, proporcionar à criança a oportunidade de construir uma identidade mais ampla e abrangente. Ela é encorajada a manter sua brasilianidade a partir de atitudes como a obrigatoriedade do português durante toda sua escolarização e o respeito aos feriados e datas de importância para a cultura brasileira.

Além disso, a escola tem um enorme respeito pelas dificuldades de seus alunos em termos dos aspectos culturais e sociais que eles enfrentam ao entrar na escola e durante todo seu percurso educacional.

Em realidade, a escola não se propõe a desenvolver uma identidade brasileira ou americana, mas uma identidade multicultural, dando, à criança, os instrumentos necessários para adaptar-se a diversas situações, e para aceitar a diversidade, a alteridade.

O único aspecto negativo do processo poderia estar no ingresso da criança no contexto educacional bilíngüe. Uma criança, que ainda não esteja preparada a receber e acolher uma nova língua e uma nova cultura, poderia perceber o ingresso na escola como uma agressão, uma violência a toda sua estrutura emocional. Contudo, a escola, levando em conta a visão da criança, toma a precaução de garantir seu preparo emocional antes de uma imersão no multiculturalismo.

Assim, acreditamos que a educação em uma escola bilíngüe é, de forma geral, beneficial à formação da identidade e à socialização da criança, situando-a dentro de uma perspectiva global crescente, tornando-a capaz de ver o mundo, não apenas local, mas globalmente, como um campo ao seu alcance e sob sua responsabilidade.

4.2. O papel do psicólogo na educação bilíngüe

Em seu texto O Psicólogo na Educação: Identidade e (Trans)formação, Jobim e Souza destaca a possibilidade do psicólogo trabalhar com a educação, “a qual deverá ser melhor articulada com outras áreas do saber, permitindo uma abordagem sobre os problemas da aprendizagem que incluí perspectivas de análise integradas com as questões sociais, culturais, políticas e históricas. Isto acontece porque o fracasso escolar não pode ser compreendido apenas como o fracasso da criança que não aprende, mas como o fracasso de todo um sistema onde a criança se situa como um dos elementos de uma complexa rede de relações que deve ser analisada como tal.” (P.40)

A EARJ se adequa diretamente à esta proposta, partindo do princípio que trabalha dentro de uma língua e de uma cultura diversa daquelas de onde provem a grande maioria de seus alunos. Ao perceber uma dificuldade, em uma criança em alfabetização, no aprendizado do inglês ou no geral, a escola levanta uma série de dados acerca da história pessoal da criança e busca, aí, fontes de dificuldades familiares, mudanças, ou quaisquer outras fontes de stress. A partir daí a escola, numa série de reuniões com pais e professores, tenta compreender o que significa, para a criança, a inserção dentro de uma língua e cultura tão diversas da sua. Caso seja concluído que a criança, naquele momento de sua vida, não está ainda pronta para acolher uma mudança tão radical, os pais são aconselhados a colocá-la numa escola brasileira, ao menos para a alfabetização, dando-lhe a opção de trazê-la de volta à EARJ, uma vez que sua língua materna, verbal e escrita, esteja estável.

A criança é avaliada em seu aspecto global, as suas dificuldades são compreendidas dentro de um conjunto de fatores provenientes da criança, da escola e do meio social em que ela vive. Sua observação é feita dentro de uma visão interdisciplinar, incluindo todos aqueles que participam de seu mundo.

O psicólogo, enquanto profissional da educação, está, assim, diretamente relacionado a uma abertura para o trabalho integrado numa equipe interdisciplinar, buscando construir estratégias que possam, efetivamente proporcionar alternativas para as dificuldades e limitações do processo educacional formal.

4.3. Críticas à pesquisa

A pesquisa desenvolvida se deparou com alguns fatores inevitáveis dentro do contexto em que foi realizada. Primeiramente, vale ressaltar que o tempo hábil para realizar entrevistas e observações ficou limitado tanto pelo semestre letivo universitário que nos dava um prazo não muito longo, quanto pelos limites impostos pela EARJ em relação ao tempo disponível dos profissionais e ao acesso à informações e ao campus da escola.

Tendo em vista que muito da pesquisa dependia, primordialmente, nas informações fornecidas por Sueli Peçanha, decidimos por iniciá-la por uma breve pesquisa bibliográfica a ser aprofundada a partir das questões levantadas pela profissional. Contudo, a entrevista, marcada para o início do mês de junho, foi adiada para o meio de junho, devido ao enorme número de encargos da profissional em um período de fechamento do semestre letivo. Assim, acabamos por mudar nossa estratégia, iniciando por uma pesquisa bibliográfica mais aprofundada que foi complementada, posteriormente, pela informações obtidas durante a entrevista. Isso, talvez, venha a explicar alguma incompatibilidade entre a teoria abordada e a prática desenvolvida.

Adicionalmente, o relato da profisssional, engajada na filosofia da EARJ e tendo um vínculo contratual com a escola, pode ter sido influenciado pelo desejo de vender a idéia de sua escola, assim como pela possibilidade de ingresso da filha de uma das participantes do grupo na escola.

Enfrentamos também uma enorme dificuldade em obter acesso à trabalhos teóricos sobre a educação bilingüe. As informações encontradas se referiam, em sua maioria, ao bilingüismo ou à alfabetização, individualmente. Os trabalhos encontrados acerca da alfabetização bilingüe em si eram, em sua maioria, teses de pós-graduação da própria universidade, às quais alunos de graduação tem acesso limitado, além do que, apenas uma dessas foi localizada no arquivo da biblioteca, o resto estava desaparecida.

Devemos, também, apontar que a parte aplicada da pesquisa, e conseqüentemente, as suposições finais, dizem respeito ao método utilizado pela EARJ, ou seja, a um método americano e ao bilingüismo português-inglês.

4.4. Propostas para pesquisas futuras

O estudo do bilingüismo, em sua crescente importância frente à ampliação do contato intercultural, através da tecnologia, em todos os aspectos do vida cotidiana, desde as pesquisas escolares até as mais complexas discussões político-sociais, vem conquistando profissionais das mais diversas áreas de estudo.

Para compreender o bilíngüismo, em todos seus aspectos, uma pesquisa isolada torna-se, virtualmente, inviável. Seria, contudo, interessante analisar diversos aspectos, não abordados aqui, sobre a questão da educação bilíngüe.

O ponto de vista dos alunos poderia ser entendido através de entrevistas, observações e testes com estudantes de escolas bilíngües. Pesquisas acerca de suas opiniões e desejos em relação ao bilíngüismo através de sua educação. Entrevistas com crianças em diversas fases do desenvolvimento. Assim como a relação estabelecida entre crianças alfabetizadas em uma segunda língua com seu país de origem.

A opinião dos pais também deveria ser observada. Seus desejos e expectativas em relação a educação de seus filhos, assim como a relação entre estas com a realidade que é oferecida nas escolas. As dificuldades encontradas por eles ao defrontar-se com filhos que se comunicam numa língua estrangeira e têm demandas culturais diversas das suas. Também um perfil sócio-cultural destes pais seria beneficial ao adicionar o mundo do qual provem as crianças em questão.

Professores poderiam nos trazer dados acerca dos fatos observados em sala de aula, no dia-a-dia das crianças. Suas motivações para tornar-se alfabetizadores em escolas com propostas tão diversas também seria um dado interessante, uma vez que é este profissional que vai ser, diretamente, responsável pelo sucesso da criança.

Adicionalmente, todos os dados ganhariam uma perspectiva mais realista quando comparados e contrastados com os dados obtidos em uma diversidade de escola e em uma diversidade de teorias, tanto bilíngües, quanto monolíngües. Aqui podemos falar apenas de específicos, de opiniões. Já pela comparação e contrastação poderíamos falar em generalizações, em universais.

4.5. Comentários finais

Apesar de nossa proposta inicial ter sido a de tirar conclusões sobre um gênero de educação, ao longo da pesquisa acabamos por nos defrontar com novas colocações e opiniões, as quais, ao invés de nos fornecer respostas, apenas abriram questões e temas para futuras pesquisas.

Tendo em vista que a alfabetização bilíngüe mostra-se representativa em nossa sociedade atual, ela se torna, também digna de valorização e, assim, digna de tornar-se foco das mais diversas pesquisas por profissionais das mais diversas áreas.

5. Apêndice

5.1. Transcrição da entrevista com Sueli Peçanha – Coordenadora Geral do ECE na EARJ

A. Estamos fazendo um trabalho e gostaríamos de saber como fica a questão da construção da identidade da criança brasileira na escola americana, como educação bilingüe, principalmente quanto ao processo de alfabetização.

E. Este trabalho de bilingüismo e biculturalismo, porque uma coisa não pode ficar separada da outra, é uma coisa que tem que ser trabalhada desde o início com cuidado e com a colaboração da família. A escola não pode fazer esse trabalho sozinha. Ela conta com o apoio dos pais. E como é que os pais podem dar esse apoio? Mudando o idioma em casa, só falando inglês? Não, muito pelo contrário. Acho que o português deve permanecer, é a língua afetiva, é a língua da família, isso permanece. Mas é a postura dos pais em relação a aceitação dessa segunda língua, dessa segunda cultura. É isto que vai determinar a aceitação da criança e sua identidade dentro de uma nova cultura. Então é um trabalho de escola e casa, um trabalho de você valorizar as duas culturas, não só a brasileira, que é a cultura do país, como também a americana que é a cultura da escola. Podemos dizer, que o inglês seria a língua acadêmica aqui na escola e o objetivo, seria preparar o aluno para uma universidade americana, dando a opção no caso do brasileiro, de poder permanecer também aqui para uma universidade.

A. Em geral as crianças ficam aqui mesmo ou vão embora?

E. Eu sinto que os pais, quando colocam os filhos aqui na escola, tem como objetivo mandá-las para fora. Se não for logo no início, será para uma pós-graduação; existe sempre esse objetivo, sim.

A. Gostaríamos de ter uma idéia quanto a população da escola, quanto ao número, quanto a procedência…

E. É uma clientela interessante. Eu acho uma escola muito rica, muito dinâmica, pôr ser uma escola que conta com um número de alunos, não só de americanos e brasileiros, mas de origem européia, sul-americana. É uma coisa muito multicultural. Eu acho que serve para abrir os horizontes, não só das crianças pequenas, como especialmente das maiores que vão entender isso muito mais. Nós temos no momento, no pré-escolar 217 alunos e na escola inteira, eu creio que, mais ou menos 1100 alunos, não posso precisar.

A. Pré-escolar seria o E.C.E. e alfabetização?

E. São crianças de 3 a 6 anos. É um agrupamento misto de crianças de 3 a 6 anos. Esse seria nosso E.C.E.

A. São quantas as turmas de alfabetização ou do E.C.E.?

E. Normalmente são 7 turmas de pré-escolar, mas preparando para o primeiro ano são quatro as turmas que permanecem no primeiro ano.

A. Então, para entrar no primeiro ano é necessário passar pôr isso.

E. Sim, tem que ter feito o programa de transição, que é um programa que prepara a criança para esta mudança, não só academicamente, mas olhando a criança como um todo; a parte emocional, social e até física, pois vai passar a ter 1 hora do dia, nas salas do primeiro ano – é uma transição física também. Já vão sair do E.C.E., lendo e escrevendo um pouco em inglês.

A. E o português, quando entra?

E. Entra a partir da primeira série.

A. Existe limite de idade para ser aceito na escola americana?

E. Nós aceitamos crianças a partir dos 3 anos de idade. Até 4 anos e meio, nós aceitamos crianças sem inglês, a partir daí fica um pouco difícil, pois nós ficamos com pouco tempo para trabalhar todo um desenvolvimento necessário para a alfabetização. A criança precisa adquirir vocabulário e ter todos os pré-requisitos trabalhados para a alfabetização em inglês.

A. E depois da primeira, segunda série e em diante, vocês aceitam crianças sem o inglês?

E. No primário é mais fácil aceitar. Existe um programa de apoio, que se chama E.S.L., inglês como uma segunda língua, que vai ajudar o aluno no inglês oral e na acomodação, adaptação ao programa regular da escola. Existe todo um apoio paralelo.

A. Você poderia nos dar uma estatística de quantos alunos do total são brasileiros?

E. No momento, aqui no pré-escolar temos em torno de 60% de brasileiros e 40% de americanos e estrangeiros. Mas a tendência é desse número mudar, porque estamos sentindo que há uma procura muito maior do estrangeiro. Acho que está existindo uma grande abertura econômica e o estrangeiro está voltando a investir aqui e a se localizar no Rio de Janeiro. Porque São Paulo sempre teve muita procura, o estrangeiro continuou indo, mantendo uma boa porcentagem nas escolas. Deixaram de vir ao Rio de Janeiro; sentimos realmente uma queda, mas estamos começando a sentir essa volta. Desde o semestre passado, fevereiro, está havendo uma procura muito grande e que está se acentuando para o semestre de agosto, o início das aulas. Nosso ano letivo se inicia em agosto e termina em junho.

A. Então, vocês seguem o calendário americano?

E. É uma adptação do calendário americano, afim de acomodar as férias daqui e de lá.

A. O que você imagina que seja o principal motivo que leva os pais brasileiros a escolher a escola americana?

E. Acho que estão procurando dar a seus filhos uma oportunidade melhor, sabendo que hoje em dia é importante a criança saber falar mais do que um idioma. O inglês, certamente, é um idioma muito importante; é o idioma universal, no momento, especialmente pôr causa da era tecnológica. Nós estamos sentindo que o inglês veio com muito mais força. Muitos dos pais que vêm aqui têm suas próprias empresas e são pessoas de negócio que estão sentindo a necessidade de proporcionar isso a seus filhos. Acho que o objetivo primordial é esse. E eu acho que não é uma característica da escola americana, mas de todas as escolas internacionais aqui no Rio de Janeiro. Todas vêm tendo uma procura muito grande. Acho que é como o mundo, a educação está caminhando para uma coisa mais global.

A. Aqui, como em outras escolas estrangeiras, parece haver uma integração maior de atividades…

E. É muito da filosofia americana olhar o aluno como um todo. Educar não é somente dar instrução acadêmica, mas olhar o aluno no seu desenvolvimento global. Tem a parte emocional, que a escola americana dá um apoio enorme ao aluno. Existe um serviço de orientação educacional, muito bem organizado, com profissionais muito competentes que dá todo um apoio aos alunos. Acho que é necessário olhar o aluno, também, no seu social, providenciar oportunidades, para que possa se encontrar não só dentro de uma sala de aula. Assim estamos ajudando o aluno a modelar sua personalidade, a saber reagir em qualquer situação, não só dentro de uma sala de aula, mas no campo de esporte, numa situação de passeio em grupo, em que alunos vão passar o fim-de-semana em determinado lugar, com um objetivo…Tudo isso vai construindo o aluno, sob todos os aspectos. O aluno precisa saber tomar decisões, no momento certo. Precisa saber raciocinar e trabalhar em grupo, em equipe. Isto tudo está muito dentro do espírito de comunidade, dentro da filosofia americana. Isto já existe há muito tempo, já faz parte mesmo de um sistema de ensino.

A. Você falou de uma equipe de orientação pedagógica, aqui também tem atendimento psicológico, não tem?

E. Tem. Temos uma psicóloga, psicopedagogos e temos uma pessoa encarregada do programa de superdotados: assim como temos pessoas que vão olhar crianças com necessidades específicas.

A. Existe algum tipo de atendimento aos pais?

E. O atendimento que nós temos são reuniões, aonde nós vamos abordar temas específicos de interesse dos pais, sobre justamente a formação do aluno. Temos também um acompanhamento com os pais no desenvolvimento da criança. Nós costumamos chamar muito os pais na escola.

A. Existe algum tipo de separação entre estrangeiros e brasileiros, em algum momento da formação?

E. Não. Nós não fazemos essa separação. O programa é um só, vamos dando toda a assistência para que todos os alunos possam seguir o programa da escola e isso existe do pré-escolar até a décima segunda série.

A. Como é o programa de português, é obrigatório para todos ou não?

E. Eles podem optar pelo programa de português. Mas quase todos gostam de fazer. É uma oportunidade de aprender um outro idioma e existem vários níveis de português. Existe o português para iniciantes; para os que já estão um pouco acomodados, um pouco mais de português…E existe o programa da língua pátria que é o programa do Ministério da Educação, que é para o brasileiro nato. O brasileiro é obrigado, pôr lei, a seguir esse programa de português e ele se forma com os dois diplomas, o americano e o brasileiro. Então ele vai poder fazer a opção. O aluno que quiser também pode seguir o programa mais internacional, o I.B.

A. E como é que é a preparação para a alfabetização, em termos de método e etc?

E. A alfabetização começa no momento em que a criança nasce. Ela está, desde aí, construindo alguma coisa. O que nós vamos fazer aqui na escola americana é trabalhar, construir o inglês, desde que a criança entra para a escola. Damos todo um apoio para o desenvolvimento oral. É uma imersão no inglês no dia-a-dia. É diferente você ensinar inglês e ensinar em inglês. Aquilo vai entrando dentro da criança e fazendo parte do dia-a-dia dela. O desenvolvimento da segunda língua passa pôr vários estágios. Tem o estágio de absorção da língua, depois tem o estágio em que a criança passa a explorar esse novo idioma, começa a repetir, a cantar, a sentir o ritmo do idioma. Uma das características da criança é explorar e pôr isso que é mais fácil para a criança do que para um adulto, absorver um novo idioma, pois está numa fase muito aberta, de exploraração. Depois agente sente que ela vai passar pôr uma fase aonde ela já constrói frases e já pode compreender muita coisa. Daí para frente, vamos aprofundando cada vez mais o conhecimento da língua, porque a criança vai ter que raciocinar também em inglês. Vai ter que pensar, responder e funcionar em inglês. Esse processo tem que acontecer antes que a criança possa começar a trabalhar a alfabetização em si, no segundo estágio da alfabetização. Vamos dizer que o primeiro, seria essa parte toda da exploração oral. Quando agente sente que a criança já está pronta, que tem um bom vocabulário, que já está entendendo, agente começa a explorar os sons das letras. Então, entra um pouco a parte fonética da alfabetização. Ela vai trabalhar, vai ver a letra, vai trabalhar o som daquela letra, palavras que começam com aquela letra. Toda uma brincadeira de sons e de saber colocar a letra e os sons juntos. Ela pode começar a construir palavras também, com seu alfabeto móvel. Nós somos montessorianas e utilizamos esse método também para a alfabetização. Não vamos, também, ficar na parte só fonética, porque o inglês não é uma língua fonética. Então, vamos ter que dar para a criança outras ferramentas para que ela possa futuramente ler. Trabalhamos, também, pela visualização da palavra, a gestalt da palavra. Tem certas palavras em inglês que você tem que visualizar e memorizar, não tem como você tentar decodificar. Vamos também, trabalhar muito a leitura, através da literatura, modelar um bom inglês, lendo muito para as crianças. Despertando o interesse pela leitura, pela literatura, pôr livros. Trabalhamos muito com a biblioteca da escola. São 3: uma do pré-escolar, uma do primário e uma que serve ao Middle e ao High School. Vamos levando a criança a construir estórias, e ali dentro, também, trabalhamos o vocabulário, a leitura. Então é um trabalho muito eclético, agente pega um pouco de cada método e junta, porque cada criança também tem o seu estilo de aprender. Temos que atingir a todos. Uns são mais visuais, outros são mais auditivos…

A. Como é o programa do E.C.E.?

E. Tem uma duração de 3 anos, podendo se estender para 4. O programa é muito flexível, porque trabalhamos com agrupamentos mistos. A idade cronológica é uma das maneiras de se sentir, a capacidade da criança, mas existe muito mais do que isso. Existe a idade do desenvolvimento da criança. Então, agente proporciona uma flexibilidade, uma dinâmica maior. Existe uma idade mínima e máxima para ir para o primeiro ano, que seria 6 anos e 2 meses e 7 anos e meio. Não podemos esperar que todos, aos 6 anos, estejam prontos para alfabetizar.

A. Qual o tipo de formação exigida para os professores?

E. Todos os professores tem o curso de pedagogia, uma especialização montessoriana no curso de Chicago. O programa do E.C.E. é reconhecido pelo American Montessori Society e pôr isso os professores tem que ter o treinamento lá. Todos também são bilingües. Fora isso, também proporcionamos a vinda de especialistas dos EUA, oferecemos cursos, workshops. Nós mandamos, anualmente, duas professoras ao congresso anual de pré-escolar nos EUA, que fazem uma apresentação para as outras professoras.

A. Existe uma relação entre as escolas internacionais?

E. Mensalmente, temos reuniões com a administração das escolas bilingües. Compartilhamos o que existe em comum. Também existe muito intercâmbio de esporte entre as escolas, de vez em quando uma apresentação musical, etc.

A. Como você compararia a alfabetização bilingüe com a monolingüe, em termos da contrução da identidade da criança? Como é a adaptação das crianças brasileiras?

E. Posso falar da minha experiência pessoal. Na minha época, era uma das únicas brasileiras. A escola atendia mais os americanos e estrangeiros, inclusive, aqui ainda era o distrito federal. Então, todo pessoal do consulado, da embaixada, mandavam os filhos para a escola americana. Depois da minha formação, realmente, todos meus colegas foram embora. Agente sente uma coisa assim: será que eu pertenço aqui ou lá? Mas eu morei nos EUA muitos anos da minha vida, de forma que essa parte do bilingüismo e do biculturalismo, eu aceitei muito bem, faz parte da minha vida. Mas hoje em dia, o aluno brasileiro que estuda na escola americana, não se sente isolado. E o inglês, ainda pôr cima, hoje em dia está presente em tudo. Com a NET TV, o inglês veio para dentro de casa, o nome dos produtos, das lojas…Não é uma coisa tão estranha. A cultura americana entrou muito dentro do Brasil. Não sinto uma dificuldade grande da criança lidar com a cultura americana. Geralmente as crianças que têm dificuldade, são as que estão passando pôr algum problema emocional. A língua passa a ser um problema, pois acho que “o falar” está muito ligado a questão emocional. Quando a criança está num momento em que necessita da língua materna para resolver seus problemas, para ter um pouco mais de aconchego, aquilo é uma âncora. Ás vezes a criança, em relação a segunda língua, cria quase que uma cortina, uma barreira.

A. E o que vocês fazem neste caso?

E. Agente trabalha muito com o departamento de orientação educacional. Quando sentimos que não tem mesmo como aquela criança ser alfabetizada numa segunda língua e lidar com essa dualidade, recomendamos que seja alfabetizada primeiro no português e que depois venha para cá. Este período da alfabetização, que eu tenho o maior respeito, agente tem que remover dificuldades e não acrescentar.

A. Como é a avaliação inicial para se entrar na escola americana?

E. Fazemos uma observação e às vezes conseguimos ver se a criança está apta. Mas, pôr ser um processo mais subjetivo, às vezes não conseguimos. Mas já observamos crianças durante muitos anos e temos um critério, devido a experiência. Agente já sente. Vamos supor uma criança de 3 anos que não estivesse pronta. É aquela que está com a fala um pouco infantilizada, precisa terminar um processo, para agente trazer uma segunda língua. Neste caso, pedimos mais 6 meses ou 1 ano. Quando percebemos que vai haver uma mudança na vida da criança, como ganhar um irmãozinho, também recomendamos que os pais aguardem um pouco, pois não é o momento de mais uma mudança e de acrescentar o segundo idioma. Temos que analisar cada uma e verificar seu momento, sua história. Não que a criança seja incapaz, nossa avaliação não é para eliminar, mas para descobrir o momento certo.

A. Quais seriam para você os prós e contras de uma alfabetização bilingüe?

E. Eu vejo mais prós do que contra. Só vejo contra, justamente, para aquelas que não têm condições naquele momento de ser alfabetizada. Acho que a educação caminha para a globalização, hoje são necessários dois idiomas, o seu e o inglês; mas daqui a pouco vai ser necessário um terceiro. O que é educar? Educar é preparar o aluno para a vida. Você pensa no hoje, mas também está pensando no amanhã.

A. O que você considera como os principais fatores para uma alfabetização ser bem sucedida

E. Acho que é uma combinação de tudo. Acho que é a escola, a casa, ajudando o aluno a construir a sua alfabetização. Porque agente não impõe, agente ajuda uma construção. A criança já vem com aquela curiosidade inata, então, o educador tem que pegar aquela criança e ir levando…é uma colaboração casa-escola, visando a criança. Acho que depende também de construir a auto-estima da criança. Dar a ela aquela sensação de que ela pode. Porque aprender é arriscar; se você tem medo, não arrisca. Deve haver uma confiança nela mesma, nos pais, na escola. Depende também de se abrir o mundo para a criança. Porque ela vai querer saber das coisas e os livros podem dar tudo isso, assim como o computador. Devemos abrir os olhos da criança, não podemos limitar. É necessário mostrar, criar interesses específicos. É mostrar na biblioteca livros, é tomar o gosto pelo livro.

A. Você pode descrever um dia de aula dos pequenininhos?

E. Fora da sala de aula, fazem educação física 2 vezes pôr semana, música 2 vezes, biblioteca 1 vez e culinária e jardinagem também 1 vez. E isso também é alfabetizar, pois você mostra que para tudo na vida é necessário saber ler. É necessário o lado prático na vida. Então, na aula de culinária, eles vão aprender a fazer o biscoito, a gelatina, mas vão ver a receita. Vão fazer seu próprio livrinho de receitas. Aprender é uma integração, não podemos isolar nada. Uma coisa depende da outra. É trabalhar a alfabetização todo dia, de todas as maneiras. É de alguma forma, mostrar que leitura é aquilo que você quer falar, a fala, escrita. E a fala é uma coisa que todos tem.

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Outros:

Panfletos da Escola Americana do Rio de Janeiro.

Entrevista com Sueli Peçanha, coordenadora geral do Early Childhood Education da Escola Americana do Rio de Janeiro.

Autor: Mariana Perri

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